quarta-feira, 17 de abril de 2024

FINITUDE

Tudo que me importava, 
que me definia a realidade
 e me ligava afetivamente ao mundo,
 Já não existe mais. 

 grande parte de quem fui e sou
é agora vaga e inútil memória 
 de tempos que não voltam mais.
 
Sou apenas um resto de mundo desfeito,
um tico de banalidade e finitude 
que discretamente se desfaz
submerso no vento do tempo.

A SUBVERSÃO DO VERBO

Só é realmente dita
a palavra
que transcende a escrita,
que se faz carne e língua
no osso das letras.

Pois palavra é ação,
verbo que transcende
o jogo da representação 
e a ilusão do significação.

Dizer é subversão 
 não é norma,
nem convenção.
É corpo em movimento 
e em transformação.

terça-feira, 9 de abril de 2024

VIDA QUE SEGUE

Tenho tentado viver minha vida,
apesar dos ismos, religiões 
rebanhos e mercados.

Tenho buscado meu próprio caminho
sem  sucumbir aos outros,
a falsos juízos, convicções 
empregos e Estados.

Tenho me esforçado
para superar meus fardos,
evitado livros, encontros
e espetáculos.

Tenho fugido da companhia 
de todos os convictos.
Não importa se bem intencionados, ingênuos ou fanáticos.

Assim venho  reduzindo meus fracassos,  
evitando o grande baile dos condenados.

O fato é 
que a vida segue,
apesar de tudo.
A vida segue
sem grandes sustos.


RECOMENDAÇÕES NIILISTAS

Importa apenas
o que te faz livre.
Seja de si,
dos outros ou do mundo.

Inventa
seu próprio modo de existir
as margens de toda verdade,
hierarquias, 
rebanhos e leis.

Aconteça na contramão da realidade
que todos fingem que sabem
por demasiada vaidade.

Experimente, até  às últimas consequências,
a desimportância
de ser em insignificâncias,
no abrigo de alguns silêncios,
sem a ilusão de esperanças
ou a proteção de algum rei.














domingo, 7 de abril de 2024

FARDO NIILISTA

Ao niilista cabe o fardo de estar além de todas as certezas,
de viver desconfiado do encanto da consciência, da linguagem, das artes e das ciências.

É seu destino seguir soterrado em seus próprios silêncios, 
conformado a finitude
e indiferente ao sofrimento.

Existir, bem sabe ele,
é um esforço inútil 
e sem qualquer sentido.

Por isso, é próprio do niilista
nunca buscar respostas,
sempre abraçar o  nada,
evitando com a vida
qualquer compromisso .




sábado, 6 de abril de 2024

CONTRA HISTÓRIA


A história não é humana,
mas telúrica.
Ela é espaço em movimento,
conflito e transformação 
além da ilusão 
de qualquer propósito 
ou razão.

A história não existe
e pouco importa 
o advento da escrita.
Tudo é matéria em transformação.

Viver é devir e indeterminação,
natureza e conflito,
além dos limites do antropocentrismo,
da consciência e da linguagem .

Nossa humanidade é uma ilusão.
Crio está morta.


segunda-feira, 1 de abril de 2024

A INCONSTÂNCIA DE SER

Nossa condição é a mudança,
a indeterminação e a incerteza,
que faz do ser devir
contra a inércia das identidades
impostas pela metafísica da verdade.

Recusamos a prisão das definições,
conceitos e rostos
que nos assujeitam.

Não existimos para a verdade,
para acontecer em enunciados,
rotinas e normas.

Não   acreditamos mais em modelos,
tipos ideais,
que conformam as coisas as palavras
e as palavras as coisas
na ilusão da representação e da linguagem.

Rejeitamos o simulacro da subjetividade,
a memória como biografia
e o beco sem saída dos egocentrismos e cientificismos.


Nossa condição é a mudança,
a morte, o nada e a precariedade
deste breve, intenso e incerto instante que nos consome
e se afirma como Vontade.

Somos como pequenos barcos
no corpo de um mar revolto
assoitado por uma tempestade.

Tudo em nós é finito, 
Inconstante, efêmero,
e, de muitos modos, irrelevante.





A EXISTÊNCIA COMO MIRAGEM

Desde sempre
dentro de mim
mora um silêncio.
Através dele
existo
entre a vontade e o delírio.

Estou sempre a beira de precipícios
contemplando o nada
que traça o ilegível da vida
que estraga a paz da matéria
Inventando o universo. 

Tudo em nós
é ilusão e silêncio.
Toda existência é miragem .

sábado, 30 de março de 2024

CORPO

Sou este corpo.
Nada além disso.

Assim sobrevivo 
sem ter  motivo
quase invisível
entre tantos outros
que, como eu,
são apenas corpo.

Todo mundo
é um corpo sozinho
no meio de algum caminho.

O passado é 
um corpo morto
e fora do jogo.

Já o presente
é apenas o corpo
que não morreu.

Como o futuro
é o  outro
que não nasceu.

Se há vida
há um corpo
que sente,
respira e que grita.
Que existe como carne,
sangue e osso.


ANARCO INDIVIDUALISTA

Nunca me rendi a identidades,
tradições, rebanhos e filiações.
Nunca fui de bandos, bandeiras
convenções ou convicções.

Sou nada,
 único e livre.
Não imponho limites
a minha imaginação
e todas as suas contradições.
Honro meu direito de ser outro
e me fazer ninguém.

Não tenho tabus,
nem religião.
Não cultivo coletivos e ilusões.

Entretanto, 
entre composições e alianças
vago multiplo entre muitos.
movido por um generoso egoismo
Que transcende todos os ismos.
Do mais infantil egocentrismo ao mais sombrio totalitarismo.

Que ninguém duvide:
em meu radical niilismo,
sou  franco inimigo
dos moralismos,
universalismos  e colonialismos.
O mais sincero amigo da liberdade
e adversário dos liberarismos.




sexta-feira, 29 de março de 2024

O TEATRO DA EXISTÊNCIA

A vida é um espetáculo
onde pouco importam
os atores, o cenário
ou o roteiro.

Onde só interessa
o não sentido do simulacro.

Tudo é um nada
há devorar nossos atos,
palavras, sentimentos
e expectativas.

Para ilusão só  há sonho e verdade.
Sem distinção
entre a fantasia e a realidade.

O autor é o ator,
a platéia e a ausência de sentido,
que a tudo e a todos  move
no desenrolar de uma cena antiga
onde não há diálogos e tudo se faz no improviso.

Antes que hoje se perca no  ontem,
sobre o cadáver de algum futuro,
é sempre tempo para baixarem as cortinas.
Mesmo que a vida sempre prossiga
renovando e atualizando nosso insano espetáculo.




terça-feira, 26 de março de 2024

AUTONOMIA & ALTERIDADE

Autonomia é a arte 
de viver para si
e não para os outros.

É inventar-se com criatividade 
na impessoalidade do mundo,
esboçando-se sempre como permanente e inconclusa experiência de singularidade.

É ser independente em todos os intercâmbios e associações
 afirmando, assim,  a liberdade
como  radical premissa
 do viver comum.

É escapar ao conformismo moral,
as verdades universais,
as relações de poder,
hierarquias e rebanhos.

É exercer a ética como prática de alteridade.
É co-habitar,
conviver,
saber sempre o outro
sob o filtro da igualdade,
 do mutualismo,
na composição dos corpos
através dos afetos que nos transbordam.



domingo, 24 de março de 2024

MEU ÚLTIMO DESAFIO

Meu novíssimo objetivo
é ultrapassar a modernidade,
a humanidade e a linguagem.
Transcender de uma vez por todas
qualquer resquício de metafísica, humanismo,
 iluminismo e eurocentrismo
que por acaso ainda me   entorpece a percepção,  a imaginação e os sentidos.

Não quero ser parte de nada,
não ser assujeitado por qualquer efeito de verdade
ou permanecer preso a ilusão dos outros e de mim mesmo.

Meu novíssimo objetivo
é a intuição da liberdade
de ser fora de mim,
de qualquer relação de necessitade e poder,
na indeterminação do devir que me consome
como tempo e espaço.

A LETRA E A VOZ

A voz transcende a escrita,
o livro e a escola.
Circula entre os corpos
conectando ouvidos e bocas.

A voz não tem dono, 
não conhece limite 
e faz do som o seu corpo
em movimento e sonho.

A voz é repetição,
esquecimento e memória.
É singular e plural
e desafia a tradição,
o elitismo e a erudição.

A voz recusa o coro,
a ilusão do rebanho,
é metalinguagem
na ressignificação da solidão.

quarta-feira, 20 de março de 2024

INDIGENTE

Antes de morrer
pode ser
que eu me faça
subversivamente um ninguém.
Que eu me torne alguém
que escapou da civilização,
da Razão,
do moralismo cristão,
da prisão de ser e ter
em um mundo apodrecido
por toda forma de poder e ambição.

O melhor futuro possível é ser indigente, inconveniente e impertinente,
reivindicando o impossível
contra o questionável progresso 
de nossa maldita humanidade.
Só há liberdade onde se inventa a resistência e margem.


segunda-feira, 18 de março de 2024

O PARADOXO DO ESPAÇO TEMPO

O tempo muda as coisas
que morrem ao sabor dos anos
enquanto as coisas mudam o tempo
e inventam os anos.

Nunca há acordo entre os anos e o tempo.
Há apenas movimento,
depois inércia e silêncio,
a indeterminação e incerteza de cada momento.

O tempo  é sempre um mesmo
e diferente instante
que jamais se repete.

Ele é o que passa
e não aquilo que  inventa
a memória.
Pois tudo nele se perde.

INCERTEZAS

Viver é estar a espera,
ser em espectativas.

É inventar o previsível,
o estável e o regular
na necessidade do possível.

Assim, ignoramos o inesperado,
o imprevisível,
fazendo de conta
que há segurança
onde nada é estável ou definitivo.

Viver é estar sujeito a mudanças
que ninguém controla.
É perder-se sempre de novo
diante do desconhecido.


domingo, 17 de março de 2024

DEFINIÇÃO DE LIBERDADE



Liberdade é uma palavra para o que não tem e nunca terá um nome.
É o sem tempo de uma  infância
sorrindo sempre dentro da gente,
é uma existência potente,
um viver contra o Estado
e ser além de toda  opressão.


Liberdade é  coisa que não se aprende,
que ninguém ensina.
É algo que todo mundo cria,
 inventa.
É um existir sem deuses, senhores ou reis.
É o jeito que a vida dá para acontecer.

quinta-feira, 14 de março de 2024

O MUNDO SEGUE EM DESASTRE

O mundo segue em desastre
por toda parte
 enquanto o tempo passa e a gente envelhece.

 Amanhã será o mesmo dia 
que me viu acordar para suportar silêncios 
 conformado a rotinas
 e acumulando arrependimentos.

 O mundo segue em desastre
 e cada um de nós é parte ativa
 desta triste fatalidade.

 Nas horas tardias 
insônias ensinam
a suportar a realidade. 

 É tarde demais para viver de verdade,
 é cedo demais para morrer.

 O mundo segue em desastre...

domingo, 10 de março de 2024

CRISE EXISTENCIAL

Estou cansado de sobreviver
neste tempo, nesta vida,
neste lugar  e momento,
acumulando passados,
saudades e silêncios.

Estou cansado de uma existência rasa,
Farto de simulacros,
de existir como uma consciência
quase indiferenciada
deteriorando lentamente
ao sabor dos anos.

Estou cansado do progresso da civilização,
do desenvolvimento nacional,
da tutela do Estado e de todas as mentiras da religião.

Estou cansado ...



domingo, 3 de março de 2024

A MORTE DA LITERATURA E O SUMULACRO DA REALIDADE

Nasce morta hoje em dia
toda forma de escrita,
de criação de sentido
ou invenção semiótica.

Toda literatura está morta,
confinada a prisão do comércio de livros,
ao capricho dos críticos,
a vaidade dos autores
e a indiferença de alguns poucos leitores
prisioneiros de bibliografias.

Hoje nasce longe da vida
toda forma de escrita
ou coleção de palavras.
Não há mais  virtude entre os bem letrados
que redescobriram a realidade
como um modo de ficção
ou sofisticada forma de simulacro
e ilusão
mas intensa do que a própria existência.




terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

NASCIDO CATIVO

Não foi para mim suficiente
o evento do meu  nascimento.
Não ouso dizer 
que me tornei homem feito.
Apenas sobrevivi a mim mesmo.

Afinal, não me foi possível
o prazer de viver
fora da prisão de ser.

Não me foi permitido
ser livre e autônomo,
criar e pensar sem o interdito
de cartilhas, decretos e leis.

Me foi proibido existir contra o Estado.
Romper a grade das regras e princípios,
Rasgar tradições e tratados a beira dos meus mais íntimos precipícios.

Logo, não me bastará sucumbir mansamente ao mundo,
morrer qualquer dia como quem nunca viveu.

Quero provar, mesmo que tarde,
o lado de fora do cativeiro.
Me tornar, finalmente,
homem feito,
despido de tudo que me foi imposto,
ensinado e determinado.

Quero ser único,
absurdo e incompreensível,
além da ilusão de livre arbítrio.





segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

MARGINÁLIA

É preciso desistir de si e do mundo,
resistir a tradição e ao contemporâneo,
recusar tudo que nos tornamos,
o que demasiadamente somos
como ato e memória.
Renunciar a tudo que nos foi ensinado.

É preciso declinar, fracassar.
Morrer mil vezes por dia,
se necessário,
para renascer vagabundo.

Somos os desajustados e marginalizados
que fugiram da escola.
Os improdutivos, os perigosos
e evadidos da realidade.

Somos os que não param de sonhar,
delirar, de correr riscos,
e reivindicar outros valores,
outros mundos e formas de vida.

Somos a marginaria, a boêmia.
Os niilistas que desacreditaram de tudo
e nada esperam de nada.

Somos a aventura de nossa renuncia.
Somos a ausência de futuro.





sábado, 24 de fevereiro de 2024

ENTRE O CHÃO E O SILÊNCIO

Nada que possa ser dito
 ressuscitará meus ouvidos.
Não estamos mais dispostos a acreditar,
a buscar verdades ou discursos para nos conformar ao mundo.


Nenhum poder, moral ou divindade nos imporá limites,
assim como nenhum humanismo nos definirá
Não colonizaremos o outro.
Viveremos nos limites de nós mesmos
como toda planta e animal
que por pura necessidade
inventa seu mundo.

Não queremos ser eternos.
Abominamos a ideia de uma alma imortal,
toda bobagem sobre salvação
ou terra natal.

Nos importa apenas o efêmero,
o desimportante e banal instante
no qual se esgota nossa eternidade.


Tudo que nos importa não tem relevância.
Renunciamos a tradição e a memória,
a qualquer vestígio de nossos pés no mundo.
Nossa vida não cabe nas palavras de um livro.

Viveremos indiferentes a verdade e a razão,
entre dias e noites,
 chão e  silêncio.

Nada que possa ser dito
Ressuscitará meus ouvidos.
Joguem flores ao sol.



FILOSOFIA DA COMUNICAÇÃO

Ninguém mais escuta o que disse
ou sabe o que ouviu.
Há apenas informação circulando
acima dos fatos e opiniões
na racionalidade burra dos algoritmos.

Em breve seremos todos devorados
pelo entusiasmo das convicções.
Pois os fatos não ultrapassam
a banalidade dos enunciados
no fundo do poço de tanta retórica.

 já superamos toda teoria da representação
e sabemos que as palavras não correspondem as coisas
nem dão conta da imaginação.

Há discursos demais,
informações demais.
Palavras demais.
Muita tagarelice.

Ninguém mais escuta o que disse
ou sabe o que ouviu.
Todos falam demais
se fazendo de sábios
 ou sabichões.
 cada um segue preso
a sua pequena bolha de  razão.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

NASCER & MORRER

Nascer e morrer
são experiências que transcendem
nossa auto consciência.
São limites além de nossa própria existência.

Nascer e morrer 
são as fronteiras do corpo,
os frágeis limites que separam
o eu e o nada,
o silêncio e a palavra,
o ato e o esquecimento.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

QUASE CEDO

Sei que ainda é cedo 
para arrumar as malas
 e ensaiar despedidas. 

Mas um fim já nos aguarda 
onde começa o resto de nossas vidas.

 Sei que ainda é cedo
 para nossa partida, 
Mas parte de nós Jaz desde já ausente 
e comedida.
 Pois há ponto final,
mas não há saída.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

SEM NOVIDADES

Não há novidades contra a normalidade,
contra toda modernidade que nos rouba futuros e sonhos.

O mundo não para de morrer
e o amanhã, ainda, está longe de nascer.

Sendo assim, tudo que importa é sobreviver
entre o passado e o futuro
equilibrados no possível
do quase distópico.

Lamento por todos que irão nascer,
 sobreviver, sem novidades,
nos últimos dias das humanidades.
 







quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PSICOLOGIA DO ALTRUÍSMO

Há algo sombrio
no coração daqueles que reivindicam bondade
ou fazem apologia do altruísmo e da mais desinteressada generosidade.

Há quase sempre
uma motivação  inconfessável
 no coração dos agentes da  solidariedade,
uma obscura necessidade de poder, controle e  superioridade,
que não ousa diagnosticar
a mais profunda psicanálise.

Cuidado com os benfeitores da humanidade
que quase sempre alimentam
a brutal autoridade dos mais cruéis  ditadores
apenas para satisfazer  sua infinita vaidade.

O fato é que quase sempre,
no coração da bondade,
bate algum tipo de insuspeitável  maldade.




sábado, 3 de fevereiro de 2024

A NATUREZA DA PSIQUE

O homem é o cérebro.
O mundo é o cérebro.
O dentro e o fora
são o cérebro.
A alma é o cérebro.
A linguagem é o cérebro.

O Si mesmo está, entretanto,
de alguma forma,
além do cérebro,
do homem e do mundo.
Pois ele é natureza,
o não lugar de todas as coisas,
o simulacro absoluto.


quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O QUE ME IMPORTA

O que me importa
é o que nunca será dito
ou escrito.

O que permanecerá inaudito,
incompreensível,
dentro do nosso mudismo.

O que me importa
é o que faz toda palavra morta.
É este silêncio que apaga
tudo que foi possível.
É está faltando que me preenche
como um rio que me afoga.

O que me importa
é tudo que não tem resposta.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

SUBJETIVAÇÃO

Nunca serei sujeito de nenhuma verdade 
ou prisioneiro de qualquer identidade.

Minha subjetividade se faz na arte
de me reduzir a miragem,
de me deixar seduzir pelo devir e a paisagem.

Ser é, para mim,
 sempre me perder em algum ponto móvel
entre o mundo e mim mesmo,
entre silêncio e linguagem,
além da aparência e da essência.

Viver é não ser parte de nada
na experiência de tudo.
É nunca ter expectativas.
É aprender a morrer
na eternidade de cada segundo.

Não há diferença significativa
entre um ser humano e uma barata.


domingo, 28 de janeiro de 2024

EXISTÊNCIA E INCERTEZA

O não lugar de mim mesmo
é o canto incerto de cada coisa
que define o mundo
ou acontece  muda
na mudança do simples passar  das coisas.

Sou eu uma não referência de tudo,
o paradoxo do dentro do fora.
Meu lugar é a morte
que me sustenta a vida
como vertigem e incerteza.

Desde sempre,
tudo que sei,
é que quase existo.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

MEU MODO DE SER NO MUNDO

Eu sou o que vejo
e o mundo é como eu sou.
Mesmo que eu seja ninguém
e o mundo seja sempre muitos,
apesar de único.

Sei que  mudo o tempo todo
e o mundo é sempre um  outro
inventando o futuro.

Talvez um dia eu me torne alguém,
antes que o nada me arranque de tudo.

Mas, bem lá  no fundo,
onde eu não vejo
e não sou o mundo,
há um rosto mudo
esperando por mim,
ou por alguém,
que nunca chega,
e sempre está por vir,
ou esperando que o dia amanheça.

Na vida,
tudo que há é transição ,
indeterminação e incerteza.

Sou como me vejo no mundo
e não como o mundo me enxerga.





CONTRA A PSICANÁLISE


Sou louco.
Com toda lucidez do mundo.
Admito que sou 
um fiel devoto da minha falta de juízo.

Jamais me farão procurar uma cura
ou adaptar-me a realidade.
Sou avesso a normas
e a toda moralidade.

Sou louco
e isso me basta.
Não me queiram submisso
ao tédio das psicanálises.
Gosto do colo das tempestades.

Minha singularidade, 
minha desracionalidade,
não cabe na máscara de Édipo,
no jogo tolo de Papai e Mamãe,
e não se resolve com o velho truque da confissão.
Meu sonho é livre de interpretações.














domingo, 21 de janeiro de 2024

O PASSADO COMO PARADOXO


O passado é o eterno retorno
da expectativa de um passo
que já foi dado.

É um futuro que já aconteceu,
é alguém que já nasceu,
que morreu.

É o movimento,
a inconstância e incerteza,
do que já foi consumado.

O passado é quem não está mais ao meu lado.
É sempre a presença de uma ausência.
É o que nunca aconteceu.




SUPREMO SILÊNCIO


Em tudo que há 
existe um grande silêncio.
Ele impregna todas as coisas vivas e inanimadas,
confundindo-se com a escuridão do  universo.

Assim, o mundo, a natureza,
toda matéria,
acontece dentro do corpo,
quase infinito, deste silêncio.

Ele  envolve,
 consome, cala,
e reduz a nada todo complexo edifício de palavras
que dedicamos a vida.

Trata-se de um silêncio absoluto, onipotente, onipresente,
e indiferente ao sopro, ao som, 
e ao verbo.

Um silêncio que se  estende do  início  ao fim de tudo.

Um atemporal, 
insuperável,
 e quase insuportável silêncio,
que não será ultrapassado
pela soma de tudo que já foi e será dito ou escrito
ao longo da soma de todos os séculos.

Este silêncio é, simplesmente,
a morte.









sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

O FORASTEIRO ERRANTE

Não serei analisado,
interpretado,
enquadrado,
classificado, rotulado, 
e, por fim, julgado e condenado 
pelos seus pares ou  adversários.

Ando por aqui
de passagem,
sem lei, governo ou identidade.
Não tentem me impor um rosto.

Não cabem em mim
sobrenomes,
verdades ou vaidades.
Sou isso , aquilo,
e muito pelo contrário.

Também não esperem
que eu seja o mesmo
de algum outro dia.
Justo eu, 
que nem os conheço
e prefiro fingir
que não os vejo
quando nos esbarramos na esquina.

Não esperem, portanto, de mim
Nem mesmo  um educado bom dia.
Não quero deixar lembrança
ou saudade.
Nenhuma pista de onde vou
ou de onde venho.

Sigo fugindo dos outros
e também da minha própria sombra.
Sigo errante, incerto e inconstante.
E, assim, seguirei a diante,
sem deixar vestígios.
Escapando sempre a toda vigilância
de sua nefasta política de segurança.

Contra vocês e suas leis, serei sempre livre.






O ENIGMA DA LIBERDADE

Afinal, a quem pertence
meu tempo livre,
Minha liberdade de pensamento,
se tudo que faço e penso
é expressão de tendências,
estatísticas e algoritmos?

Se ser eu é ser como muitos,
e minha vida inteira é muito menos do que um segundo do acontecimento 
de nossa espécie,
ou, ainda,  de toda vida que habita este planeta,
 é inteiramente nula minha existência,
minha consciência.
Nunca me bastará
de algum modo Ser.
Pois, que assim seja!

Liberdade é estar aquém de Ser,
de saber  disso tudo
que constitui o mundo.
é criar onde não se pode ser livre,
É nunca desistir de mudar,
é inventar a própria morte,
cultivar fora e dentro de si
um nada, um devir e um sonhar.













domingo, 14 de janeiro de 2024

PALAVRA VIVA

A palavra que nos acontece
não se deixa prender pela escrita.
É transmitida pela memória coletiva,
passando de uma boca a outra,
através dos anos que nos devoram,
como qualquer coisa viva .

Ela circula por todos os ouvidos,
por gerações, imaginações e vidas
que a morte não cala,
pois sempre são revividas,
re-acontecidas como lembrança
e, assim, jamais esquecidas ou perdidas
entre as sempre renovadas ruínas
do aqui e agora.

É uma palavra que não tem dono,
autoridade ou hierarquia,
que corre entre todos,
contando e encantando coisas
que nunca foram notícias.

Tal palavra não cabe na brevidade do século,
na vaidade do livro.
É uma palavra viva
na respiração e na língua.
É uma palavra corpo
que nunca termina de acontecer,
de dizer e ser, além de toda comunicação.












quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O PASSADO COMO DOENÇA


Há um passado
que não para de crescer
contra o tempo presente
em nome do avanço de uma antiga catástrofe civilizacional.

Ele vem do norte
como uma grande avalanche
que nos carrega em sua queda.

Este passado se chama Razão
e cresce com nossa ilustração*,
com nossa fome de Estado,
de controle e de progresso,
como um  processo tecnológico,
quase tétrico teológico,
de absoluto narcismo.

Nosso triste sonho de vaidade 
é a apoteose do delírio
de uma história universal
inspirada pela acumulação de riquezas e bens
da qual toda forma de vida 
se tornou refém.

O poder é o passado personificado
como espírito nacional,
como projeto colonial,
desigual, racial, racional
e como solução final
para todos os dilemas da humanidade.

O poder é  o passado como exploração
do outro e da natureza,
como ambição pessoal,
como destruição do que pode e poderia ser.

Logo, 
 ninguém existirá 
para abrigar lembranças,
não haverá futuros ou tempo presente,
mas apenas o devir vazio
de uma eternidade morta e enterrada
sob o passado de nossa humanidade indecente,
devorada por suas guerras,
teologias e verdades supremas, 
por sua ambição desmedida
na contramão de toda natureza.

Tudo em nome do Estado e do progresso universal
que só será  pleno com nossa aniquilação,
com o triunfo do nosso passado.



* Aufklãrung














domingo, 7 de janeiro de 2024

A INVENÇÃO DO PASSADO

Inventamos um passado
para nos abrigar do tempo,
para lidar com as perdas,
mudanças e mortes
que definem a vida.

Inventamos a doce prisão
de nossa nostalgia,
de nossa ilusão de uma origem tranquila,
de uma juventude idílica,
ou de uma duvidosa inocência irremediávelmente perdida.

Inventamos identidades,
padrões e origens paradisíacas,
porque não suportamos o efêmero
e todo a insignificância que desde sempre nos define.

Contra o próprio tempo
inventamos passados
e nos tornamos trágicos,
demasiadamente humanos
e assustados.

Fugimos do esquecimento
produzindo memórias,
histórias e mitos,
contra tudo que nos preenche
como um grande e inumano vazio.

Inventamos em nós árvores e pedras
para permanecer sobre a terra
enraizados e duros,
quase felizes.

sábado, 6 de janeiro de 2024

ALÉM DA ESCRITA E DO TÉDIO

A escrita não é mais do que a realidade de uma ilusão.
Ela é a topografia da imaginação
que nos encanta e domina.

A escrita é a palavra cativa
ao verbo e a norma 
que foge a vida que revela o efêmero da voz.

A escrita  é rabisco e tinta sem brilho
diante das letras bandidas e errantes
que abominam a prisão das estantes
e a gramática dos letrados.

Há letras livres passeando sujas
pelas ruas e becos onde circulam
bocas e ouvidos analfabetos.
Seus corpos falam mais
do que o vago significado
de qualquer palavra.

Existe vida para ser vivida
além da escrita e do tédio
que tentam nos seduzir através das telas
como se fossem contra nossa melancolia
um eficiente remédio.




segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

ANONIMATO E EVIDÊNCIA

Sou os outros que me cercam,
que me perseguem, esquecem
ou nem me percebem
ali parado esperando um ônibus.

Sou um corpo, uma consciência,
um alguém entre os outros,
conectado a todos por uma rede de acasos e coincidências.

Sou, também, simplesmente, ninguém
ou apenas mais um alguém
perdido no anonimato de um ponto de ônibus.

Sou coisa, matéria, elemento,
e, como todo mundo, único
e irrelevante ser em movimento.

Sou nada , espera
sem esperança,
dentro do mundo
e fora da história.
Sou tempo, 
efêmero momento.
Sou nada.
Já disse,
sou nada.
Apenas alguém que passa.

Discretamente, aguardo minha morte,
e que todos me esqueçam
depois que minha ausência
me desfaça de vez
 nos outros ,
que como eu, 
seguirão perambulando sem rosto
até o último e inútil suspiro,
até o último momento,
até que só fiquem os outros.