segunda-feira, 29 de setembro de 2008

LIVE AND DEATH


Cotidianamente
Lutamos pela certeza
De cada manhã de vida
Com a simplicidade dos animais.

Survival...
Live and death


Qual destino, afinal,
É mais digno
Que a realização
De mínimos objetivos
E pequenas necessidades?

Percorro rotinas sem grandes
Filosofias
Ou ideais de vida.

Basta-me apenas
A realidade,
Cada dia,
Cada silêncio
E alegria.

Aprendi a ser
Apenas eu mesmo
Entre as brutalidades
Serenas
E severos rigores
Das suaves guerras humanas.


Survival,
Live and death...
The weapons, gentlemen!

FATALIDADE

Talvez nada exista
Além da incerteza
Que me conduz ao vazio,
Ao acontecer sereno
De todas as coisas vivas
Em desafio
A gritar um novo
Que não percebo
Ou se quer existe
Na rotina fria
De todos os dias.

domingo, 28 de setembro de 2008

IMEDIATO IDEAL

Meu ideal imediato
É ser capaz de viver
Do provisório
E instável de cada dia
Sem pensar metas
Futuros
Ou grandes objetivos.

Não quero ser
Mais do que posso
Ou querer de volta
Aquilo que nunca tive.

Meu ideal imediato
É viver abaixo da superfície
Do rosto que me define entre as coisas.

ESPECULAÇÕES POS MODERNAS


Todos os discursos, sistemas de signos, significações conscientes e inconscientes, que definem a metaficção que é o próprio mundo real, já não são tão essenciais a existência individual. Na medida em que a experiência da individualidade e singularidade humana se desloca do referencial coletivo, das abstrações de uma “Humanidade”, afirmando-se como auto-consciência e finitude, os referenciais coletivos ou históricos deslocam-se do centro das vivências culturais abrindo caminho para uma "desfamililidade ontológica" que passa a mediar a experiência sensível do mundo.
Através de uma abertura maior a tudo aquilo que não cabe na palavra, da desconfiança dos poderes dos enunciados, nos tornamos despudoradamente "irracionalistas", egocêntricos e infantilmente vorazes no jogo de nossos desejos e sentimentos de mundo. A Vida tornou-se tão complexa, hostil e incerta, que nos faz duvidar da aplicabilidade do conceito de sociedade e coletivo ao complexo conjunto de redes de sociabilidades em que estamos inseridos e fazem o mundo acontecer em seus protocolos cotidianos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PEQUENAS ESPECULAÇÕES CONTRA A FÉ E VERDADE

A vida não possui a regularidade e previsibilidade de um calendário. É um acontecer de mundo sem sentido, aleatória inventabilidade humana a fazer-se no caótico do mundo, um fluxo ininterrupto de diversidades e pluralidades de coisas que se dissolvem no nada de virtuais totalidades. Contra as teleologias e meta-narrativas religiosas ou laicas, escrevo-me na anti verdade do silêncio, do minimo inteligível de minhas construções pessoais de vazios e abstrações cruas na invenção livre de cada dia em matéria e forma.

TEMPO PRESENTE

Sei que é tempo
De fazer algo
Do vento
Que me sopra por dentro
No acontecer dos dias
Em diversas direções de existência.

It is time...

As memórias do mundo
Apavoram rotinas
No fazer-se de horas
Em auroras de segundos
De puro desejo.

It is time...

Futuros arranham
Presentes,
Portas
Inventam novidades e destinos
enquanto janelas abertas de possíveis
Dias seguintes ou imprevisíveis
Revelam paisagens jamais vistas
Em risos de ébrio e ousado pensamento.
.

Talvez nada exista
Além da incerteza
Que me conduz ao vazio,
Do acontecer sereno
De todas as coisas vivas
Em desafio
A gritar um novo
Que não percebo.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O DESAFIO DO VENTO

Um vento adentra curioso
A janela aberta
Buscando a suave música
Que neste instante povoa
O quarto, a alma
E as coisas.
Trata-se de um vento
Antigo e sem nome
Onde tudo
Permanece e passa
Como a imagem de um segredo
Diante da magia de um espelho.

Sou esse vento
Que sinto e vejo
No confortável frio
E ritmo de carne
Na canção que vivo
Em abstrato mundo
E vazio de céu fechado.

CRÔNICA RELÂMPAGO XXXVI

Nada é tão estranhamente misterioso quanto aquilo que conhecemos como passado. Afinal, se só o sabemos através de fragmentos de memória, é porque seu pleno domínio e acontecer nos escapa em presentes. Coisa que acontece até o ponto de torná-lo tão aberto e incerto quanto o futuro no complexo jogo que existe entre a memória, o esquecimento e o relativo desconhecido que define a distância ou ausência do que se foi.
Em certas circunstancias, redescobrir “coisas perdidas” revela-se uma curiosa forma de construir futuros a partir da redefinição De nossas experiências guardadas no fundo do tempo vivido.
Em poucas palavras, o passado esta longe de afigurar-se como uma modalidade morta de tempo no perpetuo se fazer de nós mesmos até nos reduzirmos ao próprio passado e a ausência.

DEVANEIO NOTURNO

Em algum impreciso ponto
De sonho e encanto
Vislumbro mil mundos
Nas dez mil coisas
De um dia aberto
Em diversas realidades.
Nele não imperam verdades
Apenas a sombra
De palavras e fantasias
Que me oferecem
Um sol na noite
Em embriagues de vida
E fome de sonho.

domingo, 21 de setembro de 2008

JUNG E O ULISSES DE JAMES JOYCE


Uma das mais criativas interpretações do significado do Ulisses de James Joyce foi ao meu ver a realizada por Jung em um breve ensaio literário originalmente publicado em Berlim no ano de 1932. Nele o autor de modo realmente instigante explora os significados desta verdadeira obra prima da literatura universal enquanto expressão dos dilemas humanos de sua própria época, dos desafios existenciais dos quais de muitas formas ainda nos são contemporâneos Afasta-se, entretanto, de muitos dos seus outros interpretes ao não rotulá-la como uma obra simbólica frisando assim seu caráter consciente/racional. O que poder-se-ia ser explicado pelo fato de Ulisses definir-se acima de tudo como uma fascinante experiência discursiva onde o falar, o dizer e o pensar se distanciam do cognoscível e dos nossos usos convencionais da linguagem na invenção dos significados... Trata-se da construção de uma nova mitologia, paradoxalmente secular e niilista.

Seja lá como for, para JUNG:

“... O artista é s em querer o porta voz dos segredos espirituais de sua época e, como todo profeta, é de vez em quanto inconsciente como um sonâmbulo. Julga está falando por si, mas é o espírito da época que se manifesta e, o que ele diz, é real em seus efeitos.
Ulisses é um documento humano de nosso tempo, e mais, é um segredo. É bem verdade que ele pode libertar os que estão presos espiritualmente e que sua frieza consegue congelar, até a medula, não só o sentimentalismo, mas o próprio sentimento normal. Mas estes efeitos salutares não esgotam a sua essência. Dizer que foi o próprio diabo quem apadrinhou a obra é uma observação espirituosa interessante, mas não satisfaz. Há vida na obra, e a vida nunca é apenas má e destrutiva. Na verdade, tudo o que de imediato podemos apreender neste livro é negativo e solúvel, mas pode-se pressentir algo intangível, uma intenção secreta que lhe dá sentido e, portanto, valor. Seria este mosaico colorido de palavras e imagens “porventura” simbólico? Por Deus, não estou me referindo a uma alegoria, mas ao símbolo como expressão de uma essência inatingível. Neste caso deveria ao menos bruxulear um sentido oculto em algum lugar nesta tecidura estranha. Aqui e acolá deveriam ressoar sons já ouvidos em outros tempos e em outros lugares, talvez em sonhos raros ou nas obscuras sabedoria de raças esquecidas. Não se pode contestar esta possibilidade. Mas eu, pessoalmente, não consegui encontrar a chave. Pelo contrário, o livro me parece ter sido escrito no estado de mais plena consciência; não é sonho, nem revelação do in consciente. Penso até que mostre um propósito mais forte e uma tendência mais exclusiva do que o Zaratustra de NIETZSCHE ou a segunda parte do Fausto de GOETHE. Talvez por isso Ulisses não possua a característica de obra simbólica. ( ...) Pois “simbólico” significa que uma essência poderosa e inconcebível reside oculta no objeto, seja espírito ou mundo; e que o homem faz desesperados esforços para enquadrar numa expressão o segredo que lhe escapa. Para tanto deve-se dirigir ao objeto com todas as suas forças mentais e penetrar todos os véus reluzentes, a fim de trazer a superfície o outro que jaz oculto nas desconhecidas profundezas.
Mas o que perturba no Ulisses é que, atrás de milhares e milhares de véus, nada existe. Não se dirige ao espírito e nem ao mundo. Frio como a lua, observando de uma distância cósmica, permite que a comédia da criação, da existência e do desaparecimento siga o seu curso. Espero sinceramente que Ulisses não seja simbólico; pois do contrário não terá atingido seu objetivo. Qual o segredo tão ansiosamente guardado e encoberto com cuidado impar durante essas intoleráveis 735 páginas? Melhor não despender energias e tempo com infrutíferas caças ao tesouro. Nada pode haver atrás disso, pois do contrário a nossa consciência estaria novamente comprometida com o espírito e o mundo, perpetuando para sempre os Srs. Daedalus e Bloom e enganados pelas dez mil aparências. É exatamente isso que Ulisses quer evitar: ele quer ser um olhar lunar, uma consciência desligada do objeto; não escravizado por deuses , nem pela luxuria; não preso por amor ou ódio, por convicção ou preconceito. Ulisses não diz isto, mas age assim: o despreendimento da consciência é a meta que começa a se manifestar por trás da cortina nebulosa deste livro. Este é certamente o verdadeiro segredo da nova consciência cósmica que não é revelada aquele que leu conscienciosamente as 735 páginas, mas àquele que durante os 735 dias contemplou o seu mundo e a sua própria mente através dos olhos de Ulisses.”
( C G JUNG. Ulisses um Monologo/ tradução de Maria de Moraes Barros, in Obras Completas de C G Jung Vol. XV. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis: Vozes, 1985, p.107-8)

DA DESCONSTRUÇÃO DO MUNDO E DO APRENDIZADO DA SINGULARIDADE

O despreendimento da consciência exigido pelos rápidos e nervosos ritmos da existência contemporânea e seu ethos pragmático/ utilitário nos leva a questionar se ainda podemos nos dar ao luxo de sermos “sentimentais”, subjetivos, em nossas escolhas e experiências de um mundo que, de muitas maneiras, tornou-se ilegível aos teleológicos significados religiosos e morais tradicionalmente atribuídos a vida e a existência.
A realidade afigura-se agora para nós como um complexo emaranhado de abstrações e linguagens com o qual interagimos mais pela superficialidade de nossos sentidos e sensações imediatas do que pelas acrobacias do espírito.
O mundo não mais “significa”, nossas certezas esfarelam-se como as identidades coletivas e culturais que até à pouco definiam a experiência societária. A troca entre os homens é agora mediada pelo difuso sentimento de um estranhamento continuo entre indivíduos dispersos em sua própria pluralidade e privacidade. Este estar entregue e preso a si mesmo mais do que ao mundo e as pessoas, ter que aprender a lidar com sua complexa realidade interna, talvez seja um dos mais significativos desafios ou questões deste inicio de milênio.

UM POEMA DE S.T. COLERIDGE...


PHANTOM

“All look and likeness caught from earth
All accident of kin and birth,
Had pass’d away. There was no trace
Of aught on that ilumined face,
Uprais’d beneath the rifted stone
But o fone spirit all her own-
She,she herself, and only she,
Shone throught her body visibly.”

APARIÇÃO

“Todo aspecto terreno e semelhança
Tudo o que do nascer trouxe de herança,
Passou. Em sua face iluminada
Não existe nenhum sinal de nada
Germinando onde a pedra se fendeu...
O que se vê é um espírito só seu-
Pois é ela, ela própria, ela somente,
Brilhando no seu corpo transparente.”


Tradução de Paulo Vizioli

sábado, 20 de setembro de 2008

MOMENTO

Surpreendo-me em silêncio
A margem do dia
E a sombra das horas
Desenhando vazios
Em um céu nublado
Fechado a sentimentos.

Em meus pensamentos
Reúno sobras de sonhos antigos,
Perdidos desejos e amanhãs partidos.

Tudo que sou se faz
Na possibilidade do impossível
Que me desafia o juízo.

COLERIDGE E A QUESTÃO DA IMAGINAÇÃO


Segundo Paulo Vizioli, S T Coleridge foi o responsável pela introdução do Idealismo Alemão na Inglaterra construindo assim as bases filosóficas do romantismo inglês. Quanto a tais bases é muito significativa uma passagem de sua Biografia Literária onde, através do conceito de “imaginação secundária” o autor nos oferece uma peculiar interpretação da noção de “inspiração” que tão significativamente traduz o ethos romântico em sua versão mais popular.

Da imaginação, ou poder esemplástico

“A IMAGINAÇÃO, pois, considero ou primária ou secundária. A meu ver, a imaginação primaria é a energia viva e o agente primeiro de toda percepção humana; é como que uma repetição, na mente finita, do eterno ato de criação do in finito EU SOU. À imaginação secundária considero um eco da anterior, coexistindo com a vontade consciente; identifica-se com a primária quanto ao tipo de atuação, dela diferindo apenas quanto ao grau e quanto ao modo de operar. Ela dissolve, difunde, dissipa, a fim de recria; e, onde esse processo se torna impossível, ela ainda assim se esforça, em todo caso, para idealizar e unificar. É essencialmente vital, da mesma maneira como todos os objetos ( enquanto objetos) são essencialmente fixos e mortos.
A FANTASIA, pelo contrário, não tem outras fichas para jogar alem de coisas fixas e definidas. A fantasia nada mais é , na verdade, que um modo da memória emancipado da ordem do tempo e do espaço; ela se mescla com aquele fenômeno empírico da vontade que designamos com a palavra ESCOLHA, e é por ele modificada. Mas, a exemplo da memória ordinária, deve receber prontos, da lei da associação, todos os materiais de que se serve.”


(Samuel Taylor Coleridge. Poemas e excetos de Biografia Literária/Introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. SP: Nova Alexandria, 1995, p.149)

CRÒNICA RELAmpago XXXV

O que faz definitivamente o acontecer de uma biografia humana, entre o acaso e o que chamamos destino, é a AMBIÇÃO... a busca pela realização de qualquer emotiva imagem de futuro na idealização personificadora de determinados caros e eleitos objetivos, desejos ou simplesmente alguma vontade de vida imaginada que de algum modo nos parece satisfatória.
Contrariando tal impulso, a vida normalmente, neste ou naquele campo, nos parece significativamente insatisfatória ou, em outros casos, se torna algo muito diferente daquilo que esperávamos ou buscávamos na trilha aparentemente certa de nossos ideiais e teleologias pessoais.
Este desacordo entre a vida que queríamos e a que temos é o que define a própria condição humana do ponto de vista do individuo singular. Ter auto consciência de si mesmo, afinal, é vivenciar tal deslocamento entre o real e o virtual de nossas auto representações, mergulhar no quebra cabeça que as ambições, enquanto estranha energia do movimento impreciso de ser, nos conduz ao desafio de cada dia.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

BUSCA

Um acaso desenha
Paisagens de atos
No abstrato
Do meu vago sentimento
De todas as coisas.

Deixo-me em céu aberto
No aprendizado da esperança
E dos limites dos risos
Cotidianamente construídos
No quase nada de rotinas.

Sou em tudo futuro,
Torto esboço de mim mesmo
No esforço de saber um rosto.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

NIETZSCHE E A GAIA CIÊNCIA


É realmente impossível ficar indiferente a um livro como a GAIA CIÊNCIA de Nietzsche... Talvez porque exista em cada uma de suas palavras algo mais do que mera palavra, um golpe de martelo contra as bigornas que somos em cândida e inútil esperança de massificadas rotinas e dias.
Onde deveriam brilhar apenas relâmpagos, indivíduos na violenta tempestade que é o mundo, ainda caminham sem rumo desgarradas e obedientes ovelhas imersas em seu deserto pessoal e rebanhos.
Mas sob o cadáver do deus morto, as estrelas do céu deixam-se em bélico brilho, anunciando o despertar futuro das orgias de pensamento e o futuro das imaginações que nos conduzem para além do homem...


121
A vida não é argumento- Ajustamos para nós um mundo em que podemos viver- supondo corpos, linhas, superfícies, causas e efeitos, movimento e repouso, forma e conteúdo: sem esses artigos de fé, ninguém suportaria hoje viver! Mas isto não significa que eles estejam provados. A vida não é argumento; entre as condições para a vida poderia estar o erro.”

126
“Explicações místicas- As explicações místicas são tidas por profundas; na verdade, elas não chegam a ser superficiais.”

129
As condições para Deus- “Deus mesmo não pode existir sem homens sábios”- disse Lutero com boa razão; mas “Deus não pode existir tampouco sem homens tolos”- Isso o bom Lutero não chegou a dizer!”

131
O cristianismo e o suicídio- O cristianismo fez da enorme ânsia de suicídio, que havia no tempo em que nasceu, uma alavanca para o seu poder: deixou apenas duas formas de suicídio, revestiu-as de suprema dignidade e elevadas esperanças, e proibiu de forma terrível todas as demais. Mas foram permitidos os martírios e o prolongado auto aniquilamento físico dos ascetas.”

132

Contra o cristianismo- Agora é o nosso gosto que decide contra o cristianismo, não mais as nossas razões.”

LITERATURA INGLESA XXXV


Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) foi um dos grandes nomes da primeira fase do chamado romantismo inglês. Ao lado de William Wordsworth e o hoje pouco lembrado Robert Southey, ele compôs a trindade dos chamados “poetas do lago”.
Independente disso, classificar Coleridge como simplesmente poeta seria demasiadamente reducionista dada à amplitude de sua obra que se constrói sobre os mais variados assuntos e temas seja em verso ou prosa, mesmo que seu nome nos seja normalmente lembrado pelos seus poemas irracionalistas como a balada do Marinheiro (1797), Christalbel (1797) e Kubla Kan (1797). Vale dizer, composições realmente surpreendentes diante de seus tradicionais princípios religiosos. Mas seus versos tornam-se inteligíveis considerando seus problemas de saúde e o conseqüente vicio em ópio.
Enquanto filosofo e critico, como nos esclarece Paulo Viziolli na introdução que faz a uma coletânea de textos do autor para o português:

“ 0 grande sonho do pensador Samuel Taylor Coleridge era escrever uma gigantesca síntese de todos os seus conhecimentos e idéias nos campos da arte, da ciência e da filosofia, sob a égide da religião. Seria a sua grande obra, o seu Magnum Opus. Tratava-se, evidentemente de uma tarefa hercúlea, não só pela espantosa variedade das inquietações culturais do escritor (que, a exemplo de Goethe, fazia inquirições até na área da Botânica), mas também porque, para leva-la a cabo, teria que disciplinaro s eu espírito dispercivo. Como era previsível, o projeto arrastou-se por cerca de vinte anos, e jamais foi concretizado.
Neste entretempo, porém, vários outros planos menos ambiciosos, puderam ser levados avante, parcial ou integralmente, os quais. Somados às realizações da juventude, acabaram se constituindo numa obra em prosa bastante respeitável, pela extensão e pela qualidade. Nela encontramos trabalhos filosóficos – como as Conferências Filosóficas ( 1818-19), mas publicadas somente em 1949) e o Tratado Preliminar sobre o Método ( publicado em 1934); estudos religiosos- com no Subsídios para a Reflexão ( 1825), Confissões de uma Mente Inquiridora ( publicadas em 1840) e o Opus Maximum, tambem vindo a lumem posteiormente, com interessantes considerações sobre a Santíssima Trindade; e ensaios de filosofia politica- como Conciones ad Populum ( 1795). O Manual do Estadista ( 1816), Constituição da Igreja e do Estado ( 1830). Há também obras miscelâneas. Como os artigos que escreveu para o seu periódico O Sentinela. Em 1796, e principalmente para O Amigo, nos anos de 1809 e 1810, abordando problemas literários, morais e políticos. Por fim merecem referência as Cartas e os “Notebooks”, diário onde fazia anotações sobre os mais variados assuntos.”


(Paulo Vizioli Introdução, in S. T. Coleridge. Poemas e excertos de “biografia literária”. SP: Nova Alexandria, 1995, p. 22)

Diante do aqui exposto seria absolutamente petulância querer aqui construir alguma imagem referência precisa do autor sem um conhecimento sólido de obra tão vasta. Mas é impossível não ousar questionar até que ponto o rótulo de romântico lhe cai com alguma precisão e, indo mais longe, até onde os estilos de época definidos pela História tradicional da literatura nos esclarecem de fato alguma coisa sobre os autores, suas épocas, estilos e temas. Mas essa é uma discussão para outro lugar...
Por ora gostaria aqui de apresentar Coleridge a partir de um resumo de seu fabuloso poema fantástico em sete partes A Balada do Velho Marinheiro; Resumo este que, diga-se de passagem, faz parte da própria obra. Obra onde elementos pagãs subordinados a uma lógica cristã, ao gosto do maravilhoso medieval, definem a narrativa revelando algo sobre os conflitos pessoais do autor...

“Um velho marinheiro encontra três Galantes convidados a uma festa nupcial e detém um. O convidado nupcial é enfeitiçado pelo olhar do velho homem do mar, e obrigado a ouvir sua história.
O marinheiro conta como o navio velejou para o sul com vento favorável e bom tempo. Até alcançar o Equador. O convidado ouve a música nupcial; mas o marinheiro continua sua narrativa.
O navio é impelido por uma tempestade rumo ao Pólo Sul. A terra do gelo e dos sons terríveis. Onde nenhum ser vivo se podia ver. Até que uma grande ave marinha, chamada o Albatroz. Veio entre a névoa. E foi recebida com grande alegria e hospitalidade.
E eis que o Albatroz se revela uma ave de bom augúrio, e segue o navio em seu retorno para o norte em meio à neblina e ao gelo flutuante. O velho marinheiro inospitaleiramente mata a ave de bom augúrio. Seus companheiros de bordo protestam contra o velho marinheiro, por matar a ave da sorte. Mas quando a neblina se ergueu eles o justificam. Tornando-se assim, eles próprios. Cúmplices do crime.
O vento brando continua; o navio entra no Oceano Pacífico, e veleja rumo ao norte, até alcançar o Equador. O navio foi subitamente imobilizado. E o Albatroz começa a ser vingado.
Um espírito os havia seguido, um dos habitantes in visíveis deste planeta, não almas que se foram nem anjos; a seu respeito, o erudito judeu Josefo e o constantinoplitano platônico Miguel Psellus podem ser consultados. São muitos numerosos, e não há terra ou elemento sem um ou mais.
Os companheiros. Em sua dolorosa aflição, desejavam lançar a culpa toda sobre o velho Marinheiro; como indício de tal coisa, penduraram a ave marinha morta em seu pescoço. O velho Marinheiro avista um sinal ao longe no elemento.
Com sua maior aproximação, parece-lhe ser um navio; e a duras penas ele liberta sua fala dos grilhões da sede. Um lampejo de jubilo; E segue-se o horror. Pois pode ser um navio o que avança sem vento ou correnteza? Parece-lhe apenas o esqueleto de um navio. E suas balizas são vistas como barras sobre a face do sol poente. A mulher espectro e sua companheira morte, e ninguém mais a bordo do navio esqueleto. Tal nave, tal tripulação!
A morte e a vida em morte disputam nos dados a tripulação do navio, e ela ( a ultima) conquista o velho Marinheiro.
Nenhum crepúsculo nas cordas do Sol. Ao levantar-se a Lua, Um após outro, seus companheiros tombaram mortos. Mas a vida em morte começa a trabalhar o velho Marinheiro.
O Convidado Nupcial teme que quem lhe fala é um Espírito; Mas o velho Marinheiro o reassegura de sua vida corporal, e prossegue o relato de sua horrível penitência. Ele despreza as criaturas da calmaria, Despeitado porque elas vivem, e tantos jazem mortos. Mas para ele a maldição vive no olhar dos homens mortos.
Em sua solidão e imobilidade, ele anseia pela Lua a viajar, e pelas estrelas que restam fixas mas ainda assim avançam; e em toda parte o céu pertence a elas, e é seu designado repouso, e seu país natal e seus próprios lares naturais, onde elas ingressam sem anuncio prévio, como soberanas que são certamente aguardadas e, no entanto, há um jubilo silencioso `a sua chegada . À luz da Lua ele contempla as criaturas de Deus na grande calmaria. Sua beleza e felicidade. Em seu coração ele as abençoa. Começa a quebrar-se o encanto. Pela graça da Santa Mãe, o velho Marinheiro é revigorado pela chuva. Ele ouve sons e vê estranhas visões e comoções no céu e no elemento. Os corpos da tripulação do navio são inspirados e o navio se move. Mas não pelas almas dos mortos, nem pelas entidades da terra ou do ar intermediário, mas por uma legião abençoada de espíritos angélicos, enviada pela invocação do santo guardião.
O espírito solitário do pólo sul leva o navio até a linha do equador, em obediência a legião angelica, mas ainda exige vingança. As entidades companheiras do Espírito Polar, os habitantes invisíveis do elemento, compartilham sua indignação; e dois deles relatam, um para o outro, que longa e dura penitência havia sido imposta ao velho Marinheiro pelo Espírito Polar, que retorna ao sul.
O Marinheiro foi lançado num transe hipnótico; pois o poder angélico faz a embarcação rumar para o norte mias depressa do que a vida humana pode suportar.
O movimento sobrenatural é retardado; o Marinheiro desperta, e sua penitência recomeça. A maldição é finalmente expiada. E o velho Marinheiro contempla seu país natal. Os espíritos angelicais deixam os corpos mortos, E aparecem em sua próprias formas de luz. O Eremita do Bosque, aproxima-se do navio com espanto. Subitamente o navio afunda. O velho Marinheiro é salvo pelo bote do Piloto. O velho Marinheiro sinceramente suplica ao Eremita que o absorva; e sobre ele recai a penitência para a vida.
E para todo o sempre em sua vida futura uma agonia o compele a errar de terra em terra; E a ensinar, através do próprio exemplo, o amor e a e a reverência por todas as coisas que Deus criou e ama.”

(S. T. Coleridge. Poemas e excertos de “biografia literária”/ introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. SP: Nova Alexandria, 1995, p. 37-79)

domingo, 14 de setembro de 2008

TIME



Procurei existir,
Persistir ao infinito
Contra o passar das coisas
Diminuindo em cada minuto
De acontecimento mudo.


Entre ruídos de ratos e ruínas de mundo
Contemplo memórias distantes
De tempos que não conheci
Aprendendo meu próprio passado
Como o futuro impossível
De muitos outros
Antes de mim.


And the water runs,
Runs faster...
Into a deep paund.

INDIVIDUALIDADE E REALIDADE CONTEMPORÂNEA



Em um mundo onde não mais vigoram certezas absolutas ou universais e a realidade só se torna cognoscível através de fragmentos, de “imagens quebradas” e provisórias de pensamento, o estatuto da individualidade humana alterou-se sensivelmente.
A individualidade contemporânea pressupõe o efêmero como projeto, já não se encontra aprisionada em uma meta coletivista representado por um ideal de família ou Estado, Pelo contrário, tornou-se surpreendentemente livre e abandonado a si mesmo no ilegível do próprio destino. O que hoje da sentido a existência individual é o consumo de bens materiais e simbólicos que propiciem uma certa configuração confortável e lúdica da existência, um pequeno universo pessoal capaz de contrapor-se a realidade do mundo.A vida social tornou-se como nunca um assombroso misto de incertezas e hostilidades despido de qualquer significação autêntica.
Se a autonomia do individuo na contemporaneidade coincide com a sua mais profunda e ontológica solidão, também representa uma nova e inédita forma de codificar o real que talvez pressupunham uma virtualização cada vez maior da própria alma e digitalização da vida.

IMAGINAÇÕES



A imaginação
Se faz impreciso intervalo
Entre pensamento e palavra,
É como uma sombra de alma
A desconstruir cada frase
Desafiando o concreto
Dos gestos ou atos
Que me desenham nos dias.


Sei que existo plenamente
Apenas nos ermos das imaginações
Onde indiferente ao correr do tempo
Contemplo em perplexo silêncio
A existência nua e desfeita
Em desejo bruto.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

HOBBES E A PESSOA HUMANA


O Leviatã de Hobbes pode ser classificado como um livro profundamente pessimista e sombrio. Nada mais compreensível quando consideramos o fato de que o autor o concebe profundamente impactado pelos acontecimentos da guerra civil inglesa e da chamada revolução gloriosa.
Para Hobbes, na alvorada da modernidade, momento de profundas angustias e dilemas, a condição humana é definida essencialmente pelo conflito, conflito, segundo ele, entre o homem cidadão, o homem cristão e o homem natural, e que só pode ser pacificado através da subordinação do indivíduo ao artifício de um corpo político/coletivo.
Em nossa contemporaneidade, marcada por tantos medos e incertezas, Hobbes se faz paradoxalmente atual em nossas desconstruções do iluminismo, desmistificações da razão tradicional e questionamento da domesticação das massas em nome nome de um abstrato e cada vez mais virtual bem comum.
Bom lembrar que dentre os teóricos do absolutismo, Hobbes foi o único que, recusando a justificativa do direito divino para o poder absoluto do rei, legitimou-o partir do mito do contrato social, fato que atesta certo materialismo pragmático em sua reflexão...
Neste sentido, considero de singular significado, na primeira parte do seu Leviatã,  o capitulo XVI, intitulado “Das pessoas, autores e coisas personificadas” do qual aqui reproduzo alguns significativos fragmentos:

“ Uma pessoa é aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer como suas próprias quer como representando as palavras ou ações de outro homem, ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja com verdade ou por ficção.
Quando elas são consideradas como suas próprias ele se chama uma pessoa natural. Quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro, chama-se uma pessoa fictícia ou artificial.
A palavra “pessoa” é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outros; e daquele que representa outro diz-se que é portador de sua pessoa, ou que age em seu nome ( sentido usado por Cícero quando diz: Unus sustineo três Personas; Mei Adversarii, et Judicis- Sou portador de três pessoas; eu mesmo, meu adversário e o juiz). Recebe designações diversas, conforme a ocasião: representante, mandatário, lugar tenente, vigário, advogado, deputado, procurador, ator e outras semelhantes.”

(Thomas Hobbes. LEVIATÃ ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil/ tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva- 2º ed. SP: Abril Cultural, 1979 ( Coleção Os Pensadores) , p. 96 )

O caráter teatral da pessoa humana define a esfera pública como um teatro, um artifício. A vida social é um grande palco onde estabelece a  subjetividade se apresenta como artifício politico através de palavras e ações.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

ENIGMA BIOGRAFICO

Um amanhã brinca criança
Com os fatos
E o abstrato do vago presente;
Faz dançar pensamentos,
Quase reinventa o próprio tempo
No não passar de todas as coisas
Desfarçadas de hoje.

Tento saber como tudo
Que faz o comportado caos
Dos dias acontecer
Pode impor realidades
ao ilegível de uma biografia
aberta em liberdade
e provisório sentido
de profundamente ser
apenas uma biografia
no sem nome do mundo.

domingo, 7 de setembro de 2008

PEQUENO DEVANEIO EM TORNO DO ULISSES DE JAMES JOYCE



O eterno irlandês exilado James Joyce, autor/reinventor do mito de Ulisses em moderno imaginário de fragmentos e des-sentidos, as vezes, surge para mim em palavras como uma virtual companheiro de goles de imaginações em noites abertas e sem ponto final.
Não raramente as imaginações dizem o mundo e as pessoas mais profundamente do que o imediato de qualquer gesto ou palavra. O mundo inteiro, afinal, é uma viagem sem retorno, um distanciar-se constante de mim mesmo na ilegível direção daquilo que minimamente será para mim fatidicamente a existência em sua absoluta finitude.
Imerso no absurdo mudo do mundo sonho a sombra clara de redefinidas infâncias que através de vontades e desejos inventam futuros.


“... O estrangeiro olhava ainda na cara ante ele a lenta recessão nela daquela falsa calma, imposta, ao que parecia, por hábito ou algum estudado ardil, quanto a palavras tão amargas que pareciam acusar no seu falante malsanidade, um flair, pelas coisas cruas da vida. Uma cena desencadeia-se na memória do observador, evocada, parecê-lo-ia, por uma palavra de tal trivialidade como se aqueles dias estivessem de fato presentes ali ( como alguns o pensavam) com os seus prazeres imediatos.
(...)
Anota isto mais e recorda. O fim chega de súbito. Entra nessa antecâmera do nascimento onde os estudiosos se congregam e observa suas faces. Nada ai, ao parecer, de irrefletido ou violento. Antes quietude de custódia, condizente com sua estada nessa casa, o vigilante cuidado dos pastores e anjos perto de uma manjedoura em Belém de Judá há muito. Mas tal qual antes do raio as tempestinuvens compactas,, pesadas comm excesso preponderante de umidade, em massas tumefactas turgidamente distensas, encompassam terra e céu num vasto torpor que impende por sobre campo crestado e gado modorrento e mangrado vingar de macega e verdura até que num instante uma chispa fenda seus centros e com a reverberação do trovão tombe a sua torrente, assim e não de outro modo a transformação, violenta e instantânea, à prolação do verbo.”


(James Joyce. Ulisses/ tradução de Antônio Houaiss. SP:Abril Cultural, 1983, p.483-484)

MUTUAL PEACE

Give me the moon at my feet
E certamente serei teu céu
No abstrato desejo de imensidões
In gem of mutual peace.

O amanhã jamais chegará
Na intensidade de nosso presente
Renitente entre o passados e o futuro
De nós mesmos.

Give me the moon at my feet
In gem of mutual peace.

sábado, 6 de setembro de 2008

NIETZSCHE E O ALEM DO BEM E DO MAL



Ninguém mais do que Nietzsche foi tão fundo na leitura do mundo moderno, explorou e reagiu aos seus labirintos e paisagens de pensamentos e verdades. No que diz respeito a isso, considero Alem do Bem e do Mal um dos grandes momentos de sua filosofia, de sua zombaria do racionalismo critico e da moral cristã em favor da afirmação da vontade criadora que dorme em cada individuo e define mais do que qualquer outra coisa a singularidade da condição humana.
Em Alem do Bem e do Mal Nietzsche nos oferece a transmutação de todos os valores, o fim do maniqueísmo doentio “bem/mal” cravado como uma ferida aberta em nossa cultura ocidental.
Vale a pena aqui lembrar uma de suas passagens:


“Toda moral é, em oposição ao laisser aller, uma parte da tirania contra a “natureza”, e também contra a “razão”: isso porem, não é ainda uma objeção contra ela, senão já se teria de decretar outra vez , a partir de alguma moral, que toda espécie de tirania e irrazão não é permitida. O essencial e inestimável em toda moral é que ela é uma longa coação: para entender o estoicismo, ou Port Royal, ou o puritanismo, convém lembrar-se da coação sob a qual até agora toda linguagem chegou a força e liberdade- da coação métrica, da tirania de rima e ritmo. Quanta dificuldade criaram para si, em todos os povos, os poetas e oradores! Não excetuando alguns prosadores de hoje, em cujo ouvido mora uma consciência inexorável – “por uma tolice”, como dizem broncos utilitários , que com isso se pretendem espertos- “por submissão a leis arbitrárias”, como dizem os anarquistas, que com isso se julgam “livres”, e mesmo de espírito livre. O curioso estado de coisas, porém, é que tudo que há ou houve de liberdade, refinamento, ousadia, dança e segurança magistral sobre a terra, seja no próprio pensar, ou governar, ou no falar e persuadir, nas artes assim como nas eticidades, só se desenvolveu em virtude da “tirania das leis arbitrárias”; e, com toda seriedade, não é pequena a verossimelhança de que precisamente isso seja “natureza” e “natural”- e não aquele laisser aller!”


(Friederich Nietzsche. Obras Incompletas; seleção de textos de Gerard Lebrun ; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, posfácio de Antônio Candido- 5ºed. SP: Nova Cultural, 1991 ( Os Pensadores), p.60.)

THE FICTION

Não basta
Abrir a janela
Para saber as paisagens
Do mundo.

Entre o que vejo, sinto e digo
Existem mais distâncias
Do que estrelas
Nos silêncios do céu noturno.

Como Blake, penso apenas:
“Do what you will,
This word’s a fiction.”
Pois nada existe verdadeiramente
No alem daquela janela entreaberta...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

AMY WINEHOUSE: ENTRE A ARTE E A VIDA


Em um mundo cada vez mais hipocritamente definido pela voga do politicamente correto, pelo anti-tabagismo, pelo anti-alcoolismo e pelo renascimento dos fundamentalismos religiosos e políticos/ identidários, nada mais salutar do que a popularidade de figuras publicas e polêmicas como a jovem cantora britânica de apenas 24 anos Amy Winehouse.
Senhora de uma voz indiscutivelmente prodigiosa e um estilo único e inclassificável, foi entretanto pelos seus inúmeros escândalos envolvendo violência domestica, drogas, álcool e conseqüente cancelamento de vários shows que ela se notabilizou nos noticiários e no imaginário popular como um verdadeiro ícone da musica popular contemporânea e global.
Amy ganhou visibilidade na industria fonográfica em 2006 quando fez estrondoso sucesso com o single REHAB, uma divertida e simples canção sobre a recusa de ser internada em uma clinica de reabilitação para dependentes químicos. Já estava ali a marca do seu sucesso, ou seja, a capacidade para criativamente fundir sua vida com suas composições a ponto de, a gosto dos românticos do séc.XIX, transformar em arte sua própria biografia. Seja como for, apesar dos pudores reinantes, Amy já conquistou vários Grammys provando ser portadora de muito mais do que simples talento.
Se suas desventuras, segundo a lenda, estão vinculadas essencialmente a decepção amorosa vivida com o videomaker e badboy Blake Fielder Civil, isso não a faz, absolutamente, uma fútil e superficial garotinha inglesa, mas intensamente mulher na radicalidade de suas emoções e dilemas existências na medida em que as traduz muito competentemente em arte. Creio eu, que nunca antes qualquer outra artista foi capaz de traduzir em musica tão honesta e humanamente seus dilemas íntimos. Impossível não admirá-la por brilhar em nosso imaginário como um anjo torto na contracorrente dos artificialismos e lugares comuns que definem a condição do artista nos cenários da poderosa industria da musica.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

DAY...

No intocável do céu
O sol me ignora
Penetrando-me física
E indiferentemente
Com a luz do dia.

Não me acorda, porem,
As inércias e preguiças,
Não dissipa a noite
Ainda desperta
Em meus pensamentos.

Irriquieto
Percorro a manhã de rotinas
Levando em silêncio
Um sonho no bolso esquerdo
E um brilho de liberdade
Em minhas retinas.

VIDA E PALAVRA

Nunca sei se as pessoas revelam-se em suas palavras ou se escondem nelas de si mesmo tentando ser qualquer outra coisa alem daquilo que são em múltiplas perspectivas e realidades.
Pois se os discursos se fazem por intermédio dos homens, possuem em contrapartida uma existência e natureza autônoma que transcendem seus portadores.
A realidade inventa-se em palavras na mesma medida em que a palavra inventa o homem.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

HAMLET E A QUESTÃO DA AUTO CONSCIÊNCIA


Dentre todas as tragedias shakesperearianas, Hamlet permanece para mim como a mais completa e impactante. Nela nos deparamos de modo dramático com a problemática central da linguagem trágica: o conflito entre destino e vontade, que revela a vida como um campo limitado de opções, como uma farsa ou um jogo a ser jogado por todos, uma mentira cotidianamente vivida através do combate dos indivíduos uns com os outros e, em plano mais profundo, consigo mesmo, no grande palco do mundo.
Hamlet é, portanto, muito mais do que a história de uma vingança, é um exercício de introspecção, de reflexão sobre a própria condição humana no apertado universo da consciência individual. Nesse sentido, Hamlet é nosso contemporâneo, também sobre ele pesa o imperativo da recusa de um mundo caótico e sem sentido e o desafio da auto-consciência como medida da própria existência. A genial loucura de Hamlet é, portanto, em muitos sentidos, um desafio ao nosso próprio tempo...
Vale ainda observar que a história de Hamlet, imortalizada pelo velho bardo, não é entretanto uma invenção sua, como esclarece Geraldo de carvalho Silas na introdução que faz a sua tradução da obra para o português:

“ A lenda de Hamlet vem da Escandinávia: conta a tragédia de um jovem que, para poder vingar o assassinato do pai, cometido pelo próprio irmão deste, finge de louco.Marinheiros vikings levaram a saga para a Irlanda, que lá retornou à Dinamarca, já romanceada pelo folclore céltico. A legenda consolidou-se na Gesta Danorum, de Saxo Grammaticus. Nesta narrativa, um soberano da Dinamarca é morto pelo próprio irmão que se casa com a mulher do assassinado. Amlethus ( filho do rei trucidado) representa o papel do maluco e, expulso para a Inglaterra levando carta que ordenava a sua execução, na viagem descobre a missiva, troca-a por outra, volta ao seu país e tira vingança da morte do pai. A Gesta Danorum- que circulou durante a Idade Média- saiu em livro em Paris em 1514 e foi reimpressa na Basiléia em 1534.”

(Geraldo de Carvalho Silos. Introdução in William Shakespeare. Hamlet RJ: Editora JB, 1984, p. XV.)

Ainda Segundo o tradutor, podemos encontrar na narrativa significativas referências de época:

“ Quando Shakespeare pisou em Londres, encontrou uma cidade que deixava de ser porto obscuro e que se transformava num centro de decisões políticas e econômicas da Europa. A Inglaterra iria derrotar a Espanha ( no ato 1 de Hamlet há clara alusão aos preparativos bélicos, à atividade febril nos canteiros navais, à compra de armamento no estrangeiro, à vigilância estrita das sentinelas- toda a atmosfera dos meses que precederam a destruição da Grande Armada espanhola), firmar o seu poder e iniciar a escalada que a transformaria num gigantesco império colonial. O ciclo dos descobrimentos e as viagens dos exploradores navais ingleses chegaram ao apogeu ( no solilóquio Ser, ou não ser, Hamlet compara a morte ao “pais desconhecido para nós vivos e de cuja fronteira nenhum viajante retorna”). A expropriação dos mosteiros, abadias e propriedades rurais dos religiosos católicos empreendida em virtude da ruptura com Roma e o afluxo de trabalhadores rurais a Londres produziram certas conseqüências sociais e políticas, sobretudo na vida do povo e talvez na sua atitude em relação a monarquia. Essex, na rebelião contra Elisabeth I, esperava receber apoio popular. No ato 5 de Hamlet, diz este: “ há longo tempo, Horacio, tomei nota disso: a nossa época tornou-se tão refinada que o camponês esta afetando as maneiras do cortesão a ponto de ( para o desconforto do ultimo) haver pouca diferença entre eles”. Ainda no ato 5 de Hamlet, o coveiro e o seu ajudante, dois camponeses, irreverentemente, ironizam os reis, os nobres, os políticos, os advogados e os grandes proprietários rurais. A critica mais virulenta e mordaz dirige-se aos latifundiários e contra as trapaças judiciais para espoliar os pequenos donos de terras hipotecadas. Ao afluxo das riquezas de alem mar , à inflação acelerada ( J Maynard Keynes, no Treatise on Money, refere-se aos efeitos do processo infracionário no tempo de Shakespeare), às transformações sociais e políticas somou-se a revolução no plano das idéias produzida sobretudo pelo Renascimento e pela Reforma religiosa. Lembre-se que Hamlet, o personagem, estudou em Wittenberg, a universidade de Lutero.”

(Idem p. XXX )


Em que pese a relevância destas informações, o fato é que não se igualam ao impacto atemporal e simbólico do famoso monologo da caveira:

“Ser ou não ser, eis a questão. Acaso
é mais nobre a cerviz curvar aos golpes
da ultrajosa fortuna, ou já lutando
extenso mar vencer de acerbos males?
Morrer, dormir, não mais. E um sono apenas,
Que as angustias extingue e á carne a herança
Da nossa dor eternamente acaba,
Sim, cabe ao homem suspirar por ele.
Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe?
Ai, eis a dúvida. Ao perpétuo sono,
Quando o lado mortal despido houvermos,
Que sonhos hão de vir? Pesá-lo cumpre.
Essa a razão que os lutuosos dias
Alonga do infortúnio. Quem do tempo
Sofrer quisera ultrajes e castigos,
Injúrias da opressão, baldões do orgulho,
Do mal prezado amor choradas mágoas,
Das leis a inércia, dos mandões a afronta,
E o vão desdém que de rasteiras almas
O paciente mérito recebe,
Quem, se na ponta da despida lâmina
Lhe acenara o descanso? Quem ao peso
De uma vida de enfados e misérias
Quereria gemer, se não sentira
Terror de alguma não sabida coisa
Que aguarda o homem para lá da morte,
Esse eterno país misterioso
D’onde um viajor sequer há regressado?
Este só pensamento enleia o homem;
Este nos leva a suportar as dores
Já sabidas de nós, em vez de abrirmos
Caminhos aos males que o futuro esconde;
E a todos acovarda a consciência.
Assim da reflexão à luz mortiça
A viva cor da decisão desmaia;
E o firme, essencial cometimento,
Que esta idéia abalou, desvia o curso,
Perde-se, até de ação perder o nome.”