quarta-feira, 30 de abril de 2008

CHUVA E DELIRIO

Imaginações sem rumo
Misturam-se a chuva
Redesenhando a cidade
No brilho de arcaicas fantasias.

Figuras coloridas
Passeiam sobre a solidez
De uma parede incolor
Dentro de mim...
Vislumbro
Um quase outro mundo
A vestir o olhar
E a gritar a vida
Que se dissipa no tempo
No quase ser outra coisa
De cada acontecimento.

terça-feira, 29 de abril de 2008

ACROSS THE UNIVERSE


Talvez um dos mais interessantes e significativos acontecimentos deste inicio de século tenha ocorrido por ocasião das comemorações dos 50 anos da NASA mediante o lançamento ao espaço, em direção a Estrela Polar e através do sistema de antenas Deep Space Network, da primeira musica humana ao infinito sideral. A escolhida foi à canção Across the Universe dos Beatles. È curioso que a privilegiada melodia tenha sido composta pela mais importante banda da história do rock, conseguindo dizer com simplicidade, o profundo das fantasias e buscas da aventura humana em sua ilimitada sede de transcendência e recusa dos limites de sua condição que, por definição, define-se pelo vinculo ao planeta terra ...
Seria desleal impor ao evento certa formalidade e seriedade que ele não teve. Restrigindo-se a um lúdico e descontraído esforço simbólico e imaginativo, ele nos fala singularmente de nossas mais profundas imagens coletivas de futuro e aventura de humanidade. Mesmo que nada vá mudar nosso mundo...
"... Sons de risada,
sombras da terra estão soando por minhas vistas abertas
Me incitando e me convidando
Amor imortal sem limite,
que brilha ao meu redor como um milhão de sóis
Ele (o amor) me chama repetidamente através do universo.."

Across the Universe
Composição: John Lennon & Paul McCartney
Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither wildly as they slip away across the universe.
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind,
Possessing and caressing me.
Jai guru deva. Om.
(guru)(deva)
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Images of broken light which dance before me like a million eyes,
They call me on and on across the universe.
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box,
They stumble blindly as they make their way across the universe
Jai guru deva. Om./(guru)(deva)/Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Sounds of laughter, shades of love are ringing through my opened mind
Inciting and inviting me.
Limitless undying love, which shines around me like a million suns,
And calls me on and on across the universe
Jai guru deva. Om.
(guru)(deva)
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.
Jai guru deva.
Jai guru deva.
Jai guru deva.
Jai guru deva.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ESBOÇO

Busco ser um pouco menos
Do que penso que sou
E algo daquilo
Que pretendia ser.

Tento saber
O provisório inacabamento
Que desenha a vida
Nas apagadas paisagens
Do mundo.

Procuro-me nas ausências
E carências
De pueris vontades
Em busca da essência
Da peculiaridade
Dos meus porquês.

CRONICA RELÂMPAGO XXV


“Depois de haver meditado longamente sobre a essência da música, recomendo o gozo dessa arte como a mais deliciosa de todas. Não há outra que atue mais diretamente, mais profundamente, porque também não há outra que revele mais diretamente e mais profundamente a verdadeira natureza do mundo. Ouvir longas e belas harmonias é como um banho de espírito: purifica de toda a mancha, de tudo que é mau, mesquinho; eleva o homem, e sugere-lhe os pensamentos mais nobres que lhe seja dado ter, e ele então sente claramente tudo o que vale, ou antes quanto poderia ser.”

Arthur Schopenhauer. As Dores do Mundo. / tradução: s/d. Bahia: Livraria Progresso Editora, 1957, p. 146

A percepção cotidiana da existência é um fenômeno complexo, multifacetado, que normalmente nos escapa na miopia da objetividade de fatos e atos dispostos na linearidade de nosso modo de conceber o tempo. Essencialmente, porem, a existência de uma vida humana acontece através de um sentimento ritmo ou qualitativo; de um modo peculiar de perceber e apreender o real, condicionado as diversas fases e conjunturas que ao longo de nossa biografia sucedem-se no quase aleatório exercício da existência em nosso fluir, antes de tudo, biológico. Certamente, aos cinqüenta ou sessenta anos, não vivemos ou agimos dentro da mesma imagem de mundo na qual vivíamos aos cinco ou dez anos.
Nada mais apropriado do que vincular os tantos e diversos sentimentos de vida e mundo que compõem nossa existência a evolução de uma melodia. Não falo, naturalmente, com referencia ao que diz respeito à objetividade de sua estrutura matemática, mas ao seu aspecto “qualitativo”, imagético, ou subjetivo, isto é, sua capacidade de traduzir as paixões humanas de modo único e enigmático. Uma peça musical é composta por vários momentos em seu desenvolvimento... assim como nossas existências.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

KERNUNNUS


Vislumbro, às vezes,
No sem pensar de momento,
O senhor dos animais
Em imagem e vento.

Kernunnus se faz presente
Em natureza e aventura
De imaginações perdidas
E acalantos de sonhos.

Deus possível de mim mesmo
Que me sonha e é sonhado
Em alguma floresta
Ou bosque
Em quer me faço vento
E tempo sem nome
In nemeton...

ROAD

Não sei a origem do caminho
Ou a porta do meu destino
Que justifica os passos
Que pela vida derramo.

Perdi-me do ato
De me buscar
Para encontrar
No vento aberto a magia
De ser e escapar.

Não tenho posses,
Nem mesmo um rosto.
A estrada é meu lar,
Meu lugar labirinto
Entre ausências e vontades
Sem nome.

Sou no grito de cada momento
Chama e velocidade
Que se perde e realiza...
Light my fire....

ABSTRAÇÃO DE EROS


Amo meus silêncios vividos,
Meus gritos estendidos
Sob ou sobre
A urbana noturna paisagem
Indiferente de agora.

Amo os sonhos
Que me sondam
A alma animal
Em infinitos de raios
E cores,
Que correm
Pelo pensamento
Até o riso do abismo
De não pensar.

O mundo, afinal,
É uma porta
Entre aberta em sonhos
De realidades herdadas.

terça-feira, 22 de abril de 2008

SHE'S LEAVING HOME

Ela abandonou suas paisagens vividas
como a personagem triste
de um qadro antigo.
Não deixou palavras ou saudades,
saiu de cena
como quem se ausenta
de um apartamento vazio.

Se quer lembro seu rosto
ou os passados que a inventaram
em meus dias.

Talvez nunca tenha existido
no saber de um sonho vivo
em noites de perdidas realidades.

IMANENCIA, INDIVIDUALIDADE E EXISTÊNCIA

A imanência, quando tomada como premissa básica para experiência do mundo vivido, conduz a uma espécie de “desrealização da realidade” ou desconstrução daquele informal principio de veracidade e certeza que sustenta nossas construções imaginais do real.
Nesta perspectiva, a vida humana torna-se um jogo simbólico, um fluir de significados e significações entre nossa consciência pessoal das coisas e as infinitas alternativas de configurações da consciência representadas pelos milhares de indivíduos com os quais direta e indiretamente interagimos na fantasia ilimitada do social.
Mas se tal fantasia tende para a afirmação de imagens totalizantes e de ordem, a intersubjetividade e reconhecimento do mundo humano como pluralidade caótica e complexa de individualidades, afirma a indeterminação e fluir como princípio da existência.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

ALONE ON A HILL


Entre o desaparecimento do sol
E o nascer da noite
Existe um hiato,
um lugar
sem tempo e espaço
onde se perdem
imagens e sentimentos.

Pode-se sabê-lo
Como uma colina distante
Onde solidões afagam
Ilusões de mundo
E abandonadas infâncias.

Entre o dia e a noite
Um ponto mágico grita
Dentro do corpo do vento
Tudo aquilo que perdemos
Em sonhos que não nos queriam.

O TEMPO E O DIA

Esqueço-me
No fundo do dia
Explorando as paisagens
De incompletos pensamentos.

Quase vontades visitam-me
Sem ânimo
Em metafísica preguiça
Ditando a paz de inércias.

Percorro-me de um ponto ao outro
Do limitado espaço etéreo
Em que sou existência.

Mas não encontro
Em qualquer parte
Algo além da marca
Do dia presente.

O futuro é agora
Uma ilusão distante
Que me esconde
O infinito do rosto
Fechado no tempo.

domingo, 20 de abril de 2008

CINEMA E MITOLOGIA CONTEMPORÂNEA NA PRIMEIRA MEDADE DO SEC. XX


A importância e significado adquirido pelo cinema na primeira metade do séc. XX, as novas sensibilidades e imaginações originárias desta nova linguagem artística, diretamente relacionada ao impacto e transformações ocasionadas na vida cotidiana pelo processo de industrialização, é um dos mais vivos exemplos daquilo que podemos aqui denominar como mitologia moderna.
É bem verdade que nos dias de hoje não é com muita facilidade que apreendemos o significado do cinema para os homens da primeira metade do séc. XX, a mítica que envolvia os atores e atrizes da época.
Se hoje um ídolo do cinema não passa de uma mera celebridade mundana, até os anos 60 do último século, através do gramour ele era investido de uma aura sagrada, cultuado pelos seus milhões de admiradores como um verdadeiro deus entre os homens.
O próprio cinema de então, inspirado no old money, apostava deliberadamente em uma estética aristocrática e elitista emprestando a linguagem cinematográfica algo de onírico e mágico.
Basta pensar no verdadeiro culto e veneração ilimitada dedicado a atores como Betty Davis, Rodolfo Valentino, Greta Garbo, Hedy Lamar ou Marlene Dietrich para se ter uma idéia desta verdadeira religião laica que foi um dia a indústria de mitos e icones wollywoodianos.
Pode-se mais precisamente falar de uma religiosidade do desejo, do sex appeal, do luxo, da elegância, do poder e do romance projetados a uma grandeza infinita capaz de sensibilizar a imaginação de multidões em imagens de cinematógrafo.

A CONTEMPORANEIDADE DA POETICA DE LORD BYRON


LI

“Ah! Tivesse eu pena leve e profusa
Para subir até o cume do Parnasso
Lá, onde ficam a escrevinhar as Musas
Esses versinhos de sucesso fácil,
Eu haveria de compor às dúzias
Relatos sírios, assírios ou trácios,
Poemas do mais fino orientalismo,
Com ocidentalissimo pieguismo.

LII

Mas eu não tenho nome- sou um dândi
Falido, a viajar daqui para ali, mas
Levo comigo, onde quer que eu ande,
Meu dicionário, onde colho rimas
Boas ou más, e me divirto à grande,
Sem cultivar dos críticos a estima;
Às vezes cogito cair na prosa,
Porem a poesia é mais rendosa.”


(Beppo: Uma História Veneziana./ tradução de Paulo Henriques Britto. RJ : Nova Fronteira, 2° ed, 2003, p. 99)


Existiria nas letras do rebelde aristocrata inglês Lord Byron uma contemporaneidade a ser resgatada? Ele que, objeto de culto ao longo do séc. XIX, com o advento do modernismo, declinou em influência passando a ocupar um lugar menor na história das letras inglesas?
Podemos considerar Don Juan, The vision of Judgament e Beppo: a venetian story, suas obras de maturidade e mais expressivas realizações do seu talento. Mas mesmo nelas nos defrontamos com uma linguagem poética de muitos modos estranha a nossa sensibilidade pós modernista.
Como bem avalia, entretanto, Paulo Henriques Britto no ensaio O Romance Neoclássico que serve de introdução a segunda edição revista de sua tradução de Beppo:

“...Byron situa-se entre duas eras e duas mentalidades, e em sua essência pertencente mais ao mundo do ancien régime do que do que ao século das revoluções; deste fato decorrem as contradições que ele jamais conseguiu resolver de modo satisfatório em sua obra. E é justamente por isso que relutamos em ver mesmo em seus poemas mais bem realizados aquela grandeza genuína que não hesitamos em atribuir a um artista como Wordsworth, muito embora boa parte da obra de Wordsworth hoje também nos pareça datada e enfadonha. A poesia madura de Byron, com todo o seu brilho, sua espontaneidade, seu rigor, que a tornam tão próxima de nós e nos levam a sentir pelo autor uma atração irreprimível, ressente-se desta incoerência, desta presença de elementos antagônicos que jamais chegam a combinar-se de forma harmoniosa. Porem , no momento em que nos entregamos ao prazer da leitura, as contradições tornam-se quase irrelevantes, chegam até a constituir mais um atrativo, como os defeitos de certas pessoas fascinantes que, quando estamos em sua presença, só fazem aumentar o fascínio que nos inspiram.
E há mais um motivo para reler Byron agora: os defeitos de sua poesia decorrem de uma exuberância que é muito difícil de encontrar nos melhores poetas da modernidade. Onde Byron peca por excesso é justamente onde o poeta moderno, na maioria das vezes, peca pela escarcez. Numa era em que alguns dos poetas mais representativos cultivam uma depuração formal que tende ao silêncio, tratando a palavra como significante quase vazio, é salutar nos depararmos com esta abundãncia de opiniões, atitudes, posturas, com freqüência contraditória, num poeta que nunca colocou o amor a literatura acima da paixão pela vida, para quem escrever sempre foi, acima de tudo, dizer algo a respeito de si próprio e do mundo.”

(Paulo Henriques Britto. O Romântico Neoclássico, in Beppo: Uma História Veneziana. RJ : Nova Fronteira, 2° ed, 2003, p. 44 e 45)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

TEMPO INTIMO

Por vezes
Tudo se resume
Na imprecisa aventura
De desvelar um rosto
No segredo do dia.

Carrego o passado
Nas costas
Sofrendo o peso
De muitos futuros,
Temendo o fluir
Do tempo
A me privar de caminhos.

Muitos hojes
já se perderam de mim
no degredo de sonhos antigos.
Hoje
quase não sei de mim.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

HISTORIOGRAFIA, IDENTIDADE E DESCONSTRUÇÃO DA MITOLOGIA NACIONALISTA


Publicada entre nós em 1998, a coletânea de ensaios intitulada Sobre a História do celebre historiador britânico Eric Hobsbawn, oferece generosamente uma rica leitura dos dilemas da historiografia contemporânea, das suas polêmicas metodológicas e impasses ideológicos, de modo amplo e elegante. Mesmo quando não concordamos com o autor é impossível ignorar sua sinceridade e rigor intelectual.
Mas quero aqui desta interessante obra resgatar uma única questão: a relação entre a historiografia e a construção de um mito moderno: o nacionalismo. Tema já trabalhado pelo autor em A Invenção das Tradições.
Procurando ser breve, valho-me de um fragmento de ensaio da obra em questão para dizer os impasses que se escondem no imaginário coletivo em torno da problemática das identidades sociais modernas e ainda, de inúmeras maneiras, contemporâneas:

“O Problema para os historiadores profissionais é que seu objeto tem importantes funções sociais e políticas. Essas funções dependem de seu trabalho- quem mais descobre e registra o passado além dos historiadores?-, mas ao mesmo tempo estão em conflito com seus padrões profissionais. Essa dualidade está no cerne de nosso objeto. Os fundadores da Revue Historique tinham consciência disso quando declararam, no avant-propos de seu primeiro número que “Estudar o passsado da França, que será nosso interesse principal, é hoje uma questão de importância nacional. Isso nos possibilitará restabelecer ao nosso país a unidade e a força moral de que necessita”.
É claro que nada estava mais longe de suas mentes confiantes e positivas que servir a nação de outro modo quer não servir a busca da verdade. No entanto, os não acadêmicos que necessitam e consomem a mercadoria que os historiadores produzem, e que constituem o seu mercado mais amplo e politicamente decisivo, não se incomodam com a nítida distinção entre os “procedimentos estritamente científicos” e as “construções retóricas” que eram tão fundamentais para os fundadores da Revue. Seu critério do que é “boa historia” é a “história que é boa para nós”- “nosso país”, “nossa causa”, ou simplesmente “nossa satisfação emocional”. Quer gostem disso ou não, os historiadores profissionais produzem a matéria-prima para o uso ou abuso dos não-profissionais.
Que a história esteja indissoluvelmente ligada a política contemporânea- como continua a demonstrar a historiografia da Revolução Francesa- provavelmente não é hoje uma dificuldade importante, pois os debates dos historiadores, pelo menos em países de liberdade intelectual, são conduzidos dentro das normas de disciplina. Além disso, muitos dos debates mais carregados de conteúdos ideológico entre historiadores profissionais referem-se a questões sobre as quais os não-historiadores menos sabem e se importam. No entanto, todos os seres humanos, coletividades e instituições necessitam de um passado, mas apenas ocasionalmente o passado é revelado pela pesquisa histórica. O exemplo padrão de uma cultura de identidade, que se ancora no passado por meio de mitos disfarçados de história, é o nacionalismo. Ernest Renam observou a mais de um século, “ Esquecer, ou mesmo interpretar mal a história , é um fator essencial na formação de uma nação, motivo pelo qual o progresso dos estudos históricos muitas vezes é um risco para a nacionalidade”. As nações são entidades historicamente novas fingindo terem existido durante muito tempo. É inevitável que a versão nacionalista de sua história consista de anacronismos, omissão, descontextualização e, em casos extremos, mentiras. Em um grau menor, isso é verdade para todas as formas de identidade, antigas e recentes.”
( Eric Hobsbawn. Não basta a história de identidade, in Sobre a História/ tradução de Cid Knipel Moreira- SP: Companhia das Letras, 1998, p284 et seq.)

LITERATURA INGLESA XXVI


A Projeção alcançada pelo poeta aristocrático Lord Byron (ou Gordon Noel Byron/1788-1824) e por sua personalidade ultra romântica e desafiadora no séc. XIX europeu através do “byronismo”, é um testemunho do impacto de sua sensibilidade e singularidade poética sobre os seus contemporâneos. De muitas maneiras Byron transmutou-se em um mito do romantismo e do aristocracismo que lhe é inerente. Sua imagem foi associada a abuso sexual, incesto, homossexualismo, divórcio, e, cabe ressaltar, segundo me parece, devemos a ele os primeiros escritos sobre o efeito da maconha sobre o organismo humano.
O fato é que Byron viveu uma vida errante e mundana de radical questionamento da cultura tradicional e das certezas do seu tempo no mais profundo estilo romântico.Percorreu as paisagens inglesas, suíças, italianas e gregas, etc. em um radical grito de plena e intensa individualidade e liberdade. Na Itália, particularmente, participou ativamente do movimento dos Carbonários.
Com o ingênuo intuito de aqui deixar algo de sua poderosa e singular personalidade reproduzo dois dos seus poemas:


TREVAS
(Tradução de Castro Alves)

Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas
Vagueavam escuras pelo espaço eterno,
Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra
Girava cega e negrejante no ar sem lua;
Veio e foi-se a manhã - Veio e não trouxe o dia;
E os homens esqueceram as paixões, no horror
Dessa desolação; e os corações esfriaram
Numa prece egoísta que implorava luz:
E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,
Os palácios dos reis coroados, as cabanas,
As moradas, enfim, do gênero que fosse,
Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se
E os homens juntavam-se junto às casas ígneas
Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;
Felizes enquanto residiam bem à vista
Dos vulcões e de sua tocha montanhosa;
Expectativa apavorada era a do mundo;
Queimavam-se as florestas - mas de hora em hora
Tombavam, desfaziam-se - e, estralando, os troncos
Findavam num estrondo - e tudo era negror.
À luz desesperante a fronte dos humanos
Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos
Neles batiam os clarões; alguns, por terra,
Escondiam chorando os olhos; apoiavam
Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam;
Muitos corriam para cá e para lá,
Alimentando a pira, e a vista levantavam
Com doida inquietação para o trevoso céu,
A mortalha de um mundo extinto; e então de novo
Com maldições olhavam para a poeira, e uivavam,
Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos
E cheias de terror voejavam junto ao solo,
Batendo asas inúteis; as mais rudes feras
Chagavam mansas e a tremer; rojavam víboras,
E entrelaçavam-se por entre a multidão,
Silvando, mas sem presas - e eram devoradas.
E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,
E qualquer refeição comprava-se com sangue;
E cada um sentava-se isolado e torvo,
Empanturrando-se no escuro; o amor findara;
A terra era uma idéia só - e era a de morte
Imediata e inglória; e se cevava o mal
Da fome em todas as entranhas; e morriam
Os homens, insepultos sua carne e ossos;
Os magros pelos magros eram devorados,
Os cães salteavam seus donos, exceto um,
Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava
Em guarda as bestas e aves e famintos homens,
Até a fome os levar, ou os que caíam mortos
Atraírem seus dentes; ele não comia,
Mas com um gemido comovente e longo, e um grito
Rápido e desolado, e relambendo a mão
Que já não o agradava em paga - ele morreu.
Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois,
Dois inimigos que vieram a encontrar-se
Junto às brasas agonizantes de um altar
Onde se haviam empilhado coisas santas
Para um uso profano; eles a resolveram
E trêmulos rasparam, com as mãos esqueléticas,
As débeis cinzas, e com um débil assoprar
E para viver um nada, ergueram uma chama
Que não passava de arremedo; então alçaram
Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram
O rosto um do outro - ao ver gritaram e morreram
- Morreram de sua própria e mútua hediondez,
- Sem um reconhecer o outro em cuja fronte
Grafara o nome "Diabo". O mundo se esvaziara,
O populoso e forte era uma informe massa,
Sem estações nem árvore, erva, homem, vida,
Massa informe de morte - um caos de argila dura.
Pararam lagos, rios, oceanos: nada
Mexia em suas profundezas silenciosas;
Sem marujos, no mar as naus apodreciam,
Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem,
Dormiam nos abismos sem fazer mareta,
mortas as ondas, e as marés na sepultura,
Que já findara sua lua senhoril.
Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens
Tiveram fim; a escuridão não precisava
De seu auxílio - as trevas eram o Universo.


UMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO HUMANO
(Tradução de Castro Alves)

Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.

Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.

Mais vale guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
- Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.

Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.

E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...

DESAFIO

Procuro no breu da existência
Qualquer sorte
Maior do que
O grito da vida
A se espalhar no tempo
Em busca
De outra face
De si mesma.

Procuro o perder
Do meu orgulho
No negar aos outros
E ao mundo
O próprio rosto,
A vã certeza
De que em tudo
Há um rumo.

terça-feira, 15 de abril de 2008

VIAGEM

Toda viagem
É um afastar-se do que somos
no aprendizado das coisas
Em si mesmas,
Uma aventura estranha
Na qual cada momento
Pressupõe um uso único
Da vida.

Viajar é perder-se
No mover-se em desconhecidos
Instantes de sensações,
É esquecer-se em
Destinos
E mundos em labirintos,
É guardar na alma
Um inexplicável sabor
De nada
Que nos preenche de um novo,
De sorte e de morte,
no fluir da existência.

ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE


Marie Louise von Franz, em Adivinhação e Sincronicidade: A Psicologia da Probabilidade Significativa, ocupa-se basicamente do significado do Irracional em Psicologia Analítica, mediante a reunião de uma série de palestras sobre o tema realizadas no Instituto Jung de Zurich no outono de 1969.
Assim sendo, o foco central de suas considerações confunde-se com a busca pela delimitação do fundamento psíquico sobre o qual o fenômeno da adivinhação se assenta; o que nos conduz ao principio da acausalidade ou, como denominou Jung, da sincronicidade.
Como nos esclarece a autora em uma interessante comparação entre o modo de pensar europeu/ocidental e o do chinês tradicional ou arcaico:

“... O modo ocidental de pensar é uma orientação extrospectiva, ou seja, primeiro observamos, ou seja, primeiro observamos os eventos e depois extraímos um modelo matemático. O modo chinês ou oriental consiste em usar um modelo mental intuitivo para ler os eventos, a saber, os números inteiros naturais. Eles se voltam primeiro para o evento de lançar ao ar cara ou coroa, que é um evento psíquico e psicofísico. A pergunta do adivinhador é psíquica, ao passo que o evento é a moeda cair ou de cara ou de coroa, fato a partir do qual os eventos internos e externos subseqüentes podem ser interpretados. Logo, trata-se de um modo de ver inteiramente complementar ao nosso.
O que é importante na China, conforme também sublinhou Jung em seu ensaio intitulado “
Sincronicidade: Um Principio de Conexão Acausal”, é o fato de os chineses não terem se fixado, como aconteceu em muitas outras civilizações primitivas, no uso de métodos divinatórios somente para predizer o futuro- por exemplo, se um homem deve ou não se casar. Pergunta-se ao sacerdote e ele diz: “ Não, não a conseguirá.” Ou “ Sim, vai consegui-la.” Isso é algo praticado no mundo inteiro, não só oficialmente, mas por muitas pessoas no silêncio de suas salas, quando dispõem sobre a mesa as cartas do Taro, etc..., ou quando se dedicam a pequenos rituais: “ Se hoje brilhar o sol, então farei isso ou aquilo.” O homem pensa constantemente desse modo e até os cientistas tem essas pequenas superstições, dizendo para si mesmos que, como o sol brilhou no quarto deles, ao saltarem da cama, sabem que hoje tal e tal coisa correrá a mil maravilhas. Mesmo que rejeitemos em nossa Weltanschauung consciente tais superstições, o homem primitivo que existe em nós, usa esse tipo de prognóstico do futuro com a mão esquerda, por assim dizer, e depois nega-o envergonhado ao seu irmão nacionalista, embora fique muito aliviado ao descobrir que o outro faz a mesma coisa!”

(Marie Louise von Franz. Adivinhação e Sincronicidade: A Psicologia da Probabilidade Significativa./ tradução de Álvaro Cabral. SP: Cultrix, s/d, p.11)

Tal complementalidade, nos termos aqui expostos, ente o modo de pensar ocidental e oriental, foi que levou Jung reformular o conceito de Unus Mundus, de origem medieval:

“Em seu estudo sobre a sincronicidade, Jung enfatiza que, como os domínios físico e psíquico coincidem dentro do evento sincronistico, deve existir em algum lugar, ou de algum modo, uma realidade unitária- uma realidade dos domínios físico e psíquicos, para a qual ele usou a expressão latina unus mundus, o mundo uno, conceito que já existia na mente de alguns filósofos medievais. Esse mundo, diz Jung, não pode ser vislumbrado por nós e transcende, por completo, a nossa apreensão consciente. Só podemos concluir ou pressupor a existência em lugar de tal realidade, uma realidade psicofísica, como poderíamos chamá-la, que se manifesta esporadicamente no evento sincronístico. Mais tarde, em Mysterium Conjunctionis, Jung diz que a mandala é o equivalente psíquico interno do unus mundus.
Isso significa, como sabemos, que a mandala representa a unicidade essencial da realidade interna e externa, e aponta para um conteúdo psicológico transcendente, que só pode ser apreendido indiretamente, através de símbolos. As muitas formas de mandalas parecem apontar para essa unicidade, sendo os eventos sincronisticos o equivalente parapsicológico do unus mundus e apontando, também, para essa mesma unicidade dos universos psíquico e físico. Portanto, não surpreende encontrar na história combinações desses dois motivos, isto é, das estruturas da mandala e das tentativas de passadas de adivinhação, a fim de apreender a sincronicidade. Eu chamo essas mandalas, mandalas adivinhatórias.”

( idem p. 117)

ADIVINHAÇÃO, TEMPO E ACASO


Toda forma oracular pressupõe o acaso, o ato único de um evento aleatório, material e concreto, como fonte de informações sobre a totalidade de uma dada situação psicológica interna e externamente vivida ou determinada. Há, em outros termos, uma fusão entre a materialidade do instrumento e a imaterialidade do resultado na aventura lúdica da consulta.
Trata-se de um modo de se ler os eventos da vida através de qualquer código simbólico onde o significado surge como meta-linguagem, como experiência psíquica e irracional que não deriva da necessariamente do ato ou evento concreto que lhe originou em termos ingênuos do pensar em causas e efeitos. Diga-se de passagem, é o estado/intensidade emocional experimentado pelo indivíduo que consulta um oráculo que condiciona à maior ou menor eficácia da experiência.
Nesse sentido, um argumento muito comum contra as mancias é o diagnóstico de sua imprecisão lingüística e abstração simbólica que, em tese, permitiria a validade de qualquer resposta desde que “interpretada” subjetivamente a contento.
Os defensores deste tipo de argumentação se esquecem, entretanto, de que em uma consulta oracular, não é necessariamente o pré-dizer de um acontecimento determinado, o que teria por pressuposto qualquer forma ingênua de fatalismo. Mas sim a delimitação de um campo qualitativo de eventos, possibilidades e probabilidades circunscritas a experiência emocional e concreta de um dado recorte temporal e temático de existência. O que realmente se busca através de um oráculo é um padrão de leitura da realidade; isto significa uma experiência introspectiva do real tanto quanto a integração do inconsciente, premissa que nos leva a questão de um ordenamento acausal do mundo físico e humano onde a psique se faz matriz de toda idéia de consciência de uma dada imagem de realidade.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

CRÔNICA RELÂMPAGO XXIV


Há algo de inevitavelmente limitado em todas as nossas considerações sobre as coisas. Algo que pressupõe a maior ou menor “eficácia” de nosso auto sentimento de mundo nas constâncias e variações do ato de viver.
Falar sobre tal limitação é perceber também a pequenez de nosso mínimo universo vivido frente à vastidão do mundo que nos cerca e suas possibilidades e diversidades infinitas. Nesse sentido, a limitação é uma condição ontológica da própria individualidade, algo incontornável.
Admitir nossos limites, ou nosso limite ontológico frente à vastidão que nos cerca e da qual raramente nos damos conta em toda a sua complexidade, é um verdadeiro e amargo desafio cuja única finalidade é a plena consciência do que não somos, das imprecisões de nossas auto representações.
Cada um de nós é um quase nada de mundo... vislumbrando em tudo uma oportunidade de laica transcendência. Não se trata absolutamente de preservar a mera auto- estima, mas de nos levarmos mais a sério do que deveriamos.

ABSTRAÇÕES DA VIDA

Um devanear imprudente
Sobre as sobras do ontem
Inaugura o dia
Em uma preguiçosa manhã
De abril.

Todo dizer possível
Não cabe em uma única frase
De dizível percepção
Das coisas.

A vida sabe nos surpreender
A todo tempo
Confidenciando ao acaso
Nossos limites e desrazões,
Nosso viver fechado
Em pensamentos
E certezas vãs.

sábado, 12 de abril de 2008

SENTIMENTO DE OUTONO


O fundo fosco da natureza
em serenidades
que definem o outono,
conduz meu sentir
a abstratos espaços
de lugar comum
e nenhum
de não pensamentos.
Deito-me nas horas vazias
do dia de hoje,
para mim já esquecido,
vislumbrando meus tempos perdidos,
saboreando o depois
de todos os atos,
sabendo em tudo
um ngolpe de acaso
e aleatório desejo.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

NOSTALGIA

Leio os silêncios
Entre os rabiscos
De versos antigos
Tentando reencontrar
Meus tantos rostos
Que se perderam
No tempo.
Como se fosse possível
Desfazer-me
Dos vazios presentes
E mergulhar em passados
Até recuperar prometidos futuros.

LITERATURA INGLESA XXV


Charles John Huffam Dickens (1812-1870) pode ser considerado o mais popular e influente dentre os romancistas ingleses e britânicos da chamada era Vitoriana. A vitalidade sua obra é atestada por sua sobrevivência nos dias de hoje por intermédio de inúmeras adaptações cinematográficas e de animações.
Definitivamente, Dickens é um clássico britânico e principalmente anglófico.
Vale à pena observar que boa parte de seus romances e contos foram escritos em episódios regularmente publicados em jornais, o que proporcionava uma interação curiosa e única entre o autor e seus leitores que, mediante o maior ou menor numero de vendas dos exemplares, influenciava os rumos da narrativa; mas sem diminuir a qualidade do texto...
Embora um tanto quanto melodramático, os romances de Dickens são em grande parte obras de critica social, embora mais voltadas para o enterterimento do que para qualquer modalidade de “realismo”.
Grandes Esperanças ( Great Expectations) e o quase auto biográfico David Corpperfeld são considerados seus mais perfeitos romances. Mesmo assim sendo, emntretanto, vale a pena destacar, dentro do conjunto de sua produção, o romance histórico “ Um Conto de duas cidades” sobre a Revolução Francesa e a Revolução Industrial Inglesa.
Seu conto “Canção de Natal” é, entretanto, o mais conhecido e popular dentre seus escritos.

JEAN BAUDRILLARD: UMA CURIOSA LEITURA EUROPEIA DA AMERICA


Dentre as mitologias laicas que definiram a modernidade ocidental ao longo do século XIX e XX, o mito da América e da emigração européia, privilegiadamente representada pela america anglo-saxã, constitui uma das principais heranças de nossa contemporaneidade ocidental.
Um livro que muito bem ilustra essa “revolução permanente” chamada Estados Unidos é o relato de viagem, ocorrida durante a era Reagan, produzido pelo filosofo francês Jean Baudrilard entitulado AMERICA.
Sirvo-me aqui de uma passagem muito interessante sobre o significado cultural dos Estados Unidos para as configurações de mundo em que vivemos a partir das trocas simbólicas entre o velho mundo europeu e o novo mundo americano.
Pode-se dizer, em poucas palavras, que os Estados Unidos, enquanto imagem coletiva externa e interna da experiência de uma pluralidade de indivíduos, realizou o ideário do progresso oitocentista ao fundar a primeira e única verdadeira sociedade moderna não europeia.

“A América corresponde para o europeu, ainda hoje, a uma forma subjacente do exílio, a um fantasma de emigração e de exílio, e, portanto, a uma forma de interiorização de sua própria cultura. Ao mesmo tempo, ela corresponde a uma extroversão violenta e, por conseguinte, ao grau zero dessa mesma cultura. Nenhum outro país encarna a esse ponto essa função de desencarnação e, em conjunto, de exacerbação, de radicalização, dos dados de nossas culturas européias... Foi por um golpe de força, ou um golpe teatral, o do exílio, o do exílio geográfico redobrando, nos pais fundadores do século XVII, o exílio voluntário do homem em sua própria consciência que o que substituiria na Europa de esoterismo critico e religioso transforma-se no Continente Novo em exoterismo pragmático. Toda a fundação americana responde a esse duplo movimento de um aprofundamento da lei moral nas consciências, de uma radicalização da exigência utópica que sempre foi a das seitas, e da materialização imediata dessa utopia no trabalho, nos costumes e no modo de vida. Aterrissar na América é, ainda hoje, nessa “religião” do modo de vida de que falava Tocquanville. O exílio e a emigração cristalizaram essa utopia material do modo de vida, do êxito e da ação como ilustração profunda da lei moral, e transformaram-na, de certo modo, em cena primitiva. Nós, na Europa, foi a revolução de 1789 que marcou, mas não com o mesmo caráter: com o selo da História, do Estado e da Ideologia. A política e a história continuam sendo a nossa cena primitiva, não a esfera utópica e moral. E se essa revolução “transcendente” à européia já não esta muito assegurada, hoje em dia, de seus fins nem de seus meios, o mesmo não poderia ser dito da, imanente, do modo de vida americano, dessa asserção e pragmática que constitui, hoje como ontem, o patético do novo mundo.
A América é a versão original da modernidade; nós somos a versão dublada ou com legendas. A América exorciza a questão da origem, não cultiva a origem ou a autenticidade mítica, não tem passado nem verdade fundadora. Por não ter conhecido uma acumulação primitiva do tempo, vive numa atualidade perpetua. Por não ter conhecido uma acumulação lenta e secular do principio de verdade, vive na simulação perpetua, na atualidade perpétua dos sinais. Não tem território ancestral, o dos índios esta hoje circunscrito às reservas que são os equivalentes dos museus onde amarzena os Rembrandt e os Renoir. Mas isso é sem importância – a América não tem problemas de identidade. Ora, a potência futura é dedicada aos povos em futuro, sem autenticidade, e que saberão explorar essa situação ate o fim. Vejam o Japão, que numa certa medida, realiza essa tarefa melhor do que os próprios Estados Unidos, conseguindo, num paradoxo para nós iminteligível, transformar a potência de territoriedade e da feudalidade na territorialidade e da imponderabilidade. O Japã já é um satélite do Planeta Terra. Mas a América já foi, em seu tempo, um satélite do planeta Europa. Queiramos ou não, o futuro deslocou-se para os satélites artificiais.”

( Jean Baudrillard. América. / Tradução de Álvaro Cabral. RJ: Rocco, 1986; p. 65 e 66.)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

MUSICA E SÉCULO XX: O JAZZ ENQUANTO FENÔMENO JUVENIL


A música no século XX tornou-se um fenômeno social e psicológico sem procedentes. Basta para ilustrar tal conclusão citar o papel desempenhado pelo Rock’ n’ Roll no Pós II Grande Guerra e ao longo dos anos sessenta e setenta, a verdadeira revolução de valores que sacudiu parte da Europa e os Estados Unidos e que podemos considerar mais do que um fenômeno de juventude, uma verdadeira ruptura com o ethos moderno que balizava até então a cultura ocidental. A transformação da musica e do hábito de ouvi-la, sua conversão em uma gigantesca indústria e referencial identidário coletivo, ancorada nas inovações tecnológicas que permitiam sua reprodutividade em qualquer hora ou lugar através de um aparelho doméstico, representam uma inovação psico-historica das mais relevantes. Se a musica foi, ao lado do cinema, uma das principais linguagens definidoras do espírito do último século, o Jazz pode ser considerado, no contexto norte americano de Pós- recessão de 29, o inicio de tudo aquilo que o Rock posteriormente representaria como linguagem.
François Billard, em uma passagem de seu divertido livro NO MUNDO DO JAZZ, da Coleção A VIDA COTIDIANA, entre nós publicada pela Companhia das Letras, nos ajuda a pensar o lugar do Jazz no século XX enquanto fenômeno psico- histórico e juvenil:

“ A juventude podia viver no presente, tinha, enfim, sua música. Basta imaginar as apresentações de Benny Goodman no Paramount Theatre de Nova York, em março de 1937. O preço do ingresso era apenas 35 cents. Na estréia havia mais de 20.000 pessoas numa sala onde cabiam 3.650 sentadas. Todo mundo dançava e pulava.Era a musica deles, e ninguém iria economizar energia. Nunca, talvez, os Estados Unidos, viram tal fenômeno, e o jazz era o grande vencedor. Aquela “cultura” própria do jazz tornava-se a cultura de toda a juventude, e todo mundo aproveitou-a. A partir de então, todos os movimentos que animariam a juventude americana se traduziriam com uma força impar na música, primando a forma sobre o conteúdo, retomando a velha distinção filosófica; o meio de comunicação era a mensagem.
A música adquirira uma força com a qual nenhuma outra forma de expressão podia lutar. Em relação a essa forma, o jazz ocupava uma posição particular, na medida em que ressaltava muito mais o novo, o inédito. Ainda que continuasse a utilizar um repertório conhecido, tomado de empréstimo ( acaso não seria o repertório das melodias populares?), ele o manipulava em seu benefício. O que contava não era tanto o que dizia, mas a maneira como o fazia, o que excluía a repetição servil: “De minha parte”, disse a cantora Billie Holiday, “ não consigo cantar duas vezes do mesmo modo a mesma canção, menos ainda durante dois ou dez anos. Se alguém é capaz de fazê-lo, trata-se então de torneio, de exercício, de tirolesa, qualquer coisa, menos de música.”.
Entre esses jovens nasceu uma minoria particularmente ativa, os hipsters, os caras “para frente”. Eles viviam a música e praticavam uma linguagem de iniciados, o jive talk. Não era uma criação totalmente nova na sociedade americana, e o livro de “ Mezz” Mezzrow e Bernard Wolfe, Really the Blues, descreve comportamentos semelhantes no correr dos anos 30, em Chicago. Os músicos eram seus heróis e exemplos, adotando em público atitudes destinadas a chocar, “por exemplo, a recusa de se conformar com a antiga convenção que obriga o músico, no momento de terminar o solo, a indicar com um sinal de cabeça que o que toca em seguida deve emendar; a expressão de tédio que lhes parece obrigatória, para executar inovações musicais mais ousadas; o costume de tocar de costas para o público, de movimentar-se no palco e sair dele, arrastando os pés, após terminar seu solo, sem olhar para sala.”

(François Billard. No Mundo do Jazz/ tradução de Eduardo Brandão. SP: Companhia das Letras/ Circulo do Livro, 1990 ( Coleção A Vida Cotidiana, p. 245 et seq.)

POEMA NOTURNO

O fragil equilíbrio
Dos meus sentimentos ausentes
Bate e arde em meus pensamentos
Em comoção de luas e estrelas.


Sei apenas
que é a noite,
que relógios me gritam
O superficial das horas
Enquanto me afogo
No negro
Que esta lá fora.

Entre luzes e sombras urbanas
adivinho desertos,
sinto a face do outro
que me define em sonhos.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

A DANÇA DA VIDA


Alfabetos explodem
Em cada palavra dita,
Perdida,
No ato da expressão
Turva
Do acaso de cada momento.

Danço a vida
Em ritmos desconhecidos
De pensamentos,
Danço em emoções
E sentimentos
Escrevendo cores
No tempo.

Entre vontades
E ações
Vislumbro abismos abertos.

Mas tudo é puro movimento,
Mudança, perda
E transformação
No impreciso da dança
em que o mundo se faz
limite.

POEMA DELIRIO


Um branco minguante
Empilhado sobre
Um degrau
De pedaço de sonho
Veste-se
De negro e sombra.

Combatentes formas em confusão
Desenham uma paisagem noturna
Na qual me deito
Sobre as esperanças
De amanhãs esquecidos.

Já é tarde,
Quase longe,
Para o passo
Que perdi no escuro.

Reapreendo o mundo
Em todas as cores
E coisas da imaginação.

Sou de repente
Todos os meus limites,
Ventos, risos, gritos
E provisões de razão
No vazio do labirinto
Que me faz ser
No abstrato de cada ato.

terça-feira, 8 de abril de 2008

FRONTEIRAS, PASSAGENS, PAISAGENS NA LITERATURA CANADENSE


Um dos livros mais interessantes que li nos últimos tempos foi a coletânia organizada pela professora Maria Bernadette Porto intitulada Fronteiras, Passagens e Paisagens na Literatura Canadense que resume o dialógico esforço de pesquisadores brasileiros e canadenses em torno da produção literária no Canada e sua leitura da experiência única da realidade e significado simbólico do continente americano no contexto daquilo que, em termos culturais, poderíamos chamar de extremo ocidente em sua versão americanista . Cabe observar que a citada coletânia ocupa-se privilegiadamente do Canadá Francês. Mas, definitivamente, vale à pena reproduzir aqui uma passagem da apresentação da obra, feita por sua organizadora, na qual comenta brevemente os ensaios reunidos :

“Baseando-me no conceito de “coletividade nova” que designa o conjunto de sociedades criadas a partir do séc. XVI, em decorrência de migrações provenientes da Europa em direção a territórios considerados novos, Gérard Bouchard nos fornece pistas para compreender a formação do imaginário e da identidade quebrenses graças à apropriação do espaço e de si mesmo realizada no interior desta comunidade.
Ao privilegiar em seu ensaio a análise do confronto entre cultura erudita e cultura popular no Quebec, o sociólogo salienta conseqüências, visíveis ainda hoje, do projeto de letrados que se esforçavam para a criação de uma cultura nacional graças a uma literatura calcada no modelo francês, em detrimento da cultura popular que vicejava através de uma língua hibrida onde se inscreviam os sinais da americanidade. Em decorrência da ação dos letrados, valorizou-se a idéia de homogeneização da sociedade canadense francesa. Daí decorreria, aos olhos de Bouchard, a dificuldade de vivenciar a dupla relação com a Europa e a América, conhecida até hoje pelos quebranistas.

(...)

A partir de um olhar critico que foge a qualquer tendência a considerar o feminino através de uma perspectiva essencializante, Sandra Regina Goulart de Almeida desenvolve reflexões em que problematiza as questões de gênero e o termo pós-colonial em referência ao Canadá. Ao ressaltar a inscrição do feminino na paisagem literária canadense, a autora salienta o lugar de onde falam escritoras contemporâneas: tirando partido das margens, do lócus dos exilados, tais escritoras encaram o espaço de alteridade onde se encontram como fértil e transgressivo e ai questionam as brechas e os silêncios do discurso partriacal. Adotando a visão de um outro lugar, buscam uma escrita “aparentemente impossível e irrepreensível”, uma cartografia própria para a voz feminina. Assim, ocupam “um inevitável entre-lugar, [...] um espaço que se situa ao mesmo tempo dentro e fora do circulo de produção pós-colonial [...] dentro e fora da estrutura de poder partriacal”.
(Maria Bernadette Porto (org.) Fronteiras, Passagens, Paisagens na Literatura Canadense. Niterói: EdUFF:ABECAN, 2000, p. 8)

Através de um fragmento do ensaio da própria organizadora presente na coletânea, podemos assim resumir o espírito desta singular coletânia:

“... Falar em fronteiras, passagens e paisagens próprias a América remete-nos, antes de tudo, à noção de metamorfose, ao devir de povos cujas histórias supõem experiências plurais de desterritoriarização e de outros enraizamentos.
(...)
Trata-se, ainda, de levar em conta a América como espaço privilegiado de coletividades novas, surgidas num passado relativamente recente, em decorrência de migrações internacionais ou intercontinentais a partir de velhas áreas de povoamento em direção a territórios novos ( BOUCHARD, 1986). Apesar de diferenças em seus percursos históricos, tais populações apresentam em seu intinerário os seguintes traços, pelos quais se atualiza a prática da metamoforse: a) o fenômeno de continuidade ou ruptura ( em maior ou menor grau) em relação ao modelo cultural da mãe pátria; b) utopias de recomeço e de reconstrução cultural; c) gestos de apropriação do novo território ( no plano material e simbólico) ( BOUCHARD, 1996).

( idem p. 51 et seq.)

OLD

As sobras do vento
E das dores do tempo
Passeiam sem dó
Pelo indeterminado pensamento
Do meu amanhã.

Nada tenho a dizer
Sobre o hoje
Ou sobre as coisas
Aleatoriamente espalhadas
Na superfície
Da mesa da sala deserta.

As time goes by
That old feeling
Sumertime.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE ACONTECIMENTO

A maioria dos dias não passam de notas de rodapé para o grande texto que é cada existência humana.
****
A noção de acontecimento tornou-se negativa na medida em que nos reconhecemos em rotinas biográficas para as quais a regra é o fato previsível de nossas ritualísticas obrigações diárias.
****
O acontecimento, enquanto ocorrência de um inesperado evento de significados e implicações imprevistas, em seu aspecto sombrio, confunde-se com a fatalidade e o indesejável de uma desconstrução trágica de contextos vividos ( confronto com a morte ou ocorrencia de acidentes).
Em seu aspecto positivo, entretanto, vivenciamos a experiência do acontecimento quando realizamos viagens a lugares distantes e inéditos, quando nos retiramos da cultura e cotidiano em que estamos inseridos e percorremos o desconhecido de qualquer estrangeira paisagem física e humana.
O que entendo aqui por acontecimento é muito mais do que a banal ocorrência de fatos e eventos, mas a vivência de situações numinosas, alheias ao cotidiano e prenhe de significado psicológico e imagético.

A DESCONSTRUÇÃO DA PALAVRA

Preservar o tempo através de missivas, diários e memórias foi uma das paixões difusas das abastardas classes medias vitorianas. Tais narrativas não literárias corresponderam a um modo ingênuo e otimista de conservar para alem de si e do momento a concretude do efêmero, a imediata experiência do vivido através da qual desenha-se a singularidade de uma biografia. Através desses relatos buscava-se construir alguma compreensão de si através da fugacidade da experiência intima e privada, de sua continuidade, diversidade e unidade, ao longo do intervalo cronológico definidor da própria vida singular.
Nos dias de hoje tal habilidade em grande medida se perdeu tanto quanto o médio controle do vocabulário e da gramática, indispensáveis mesmo a esse exercício lúdico de leitura e escrita intima.
Indo um pouco mais longe e reafirmando teses que já sustentei aqui em outro momento, diria que a palavra escrita deixou de definir a cultura e a civilização do mundo ocidental. A palavra já não é mais “sentida” como um espelho da natureza, da vida e das coisas, já não goza de qualquer importância significativa para a construção ou “materialização” de nossa experiência de existência. Não estamos mais restritos em nossa consciência do externo do mundo aos muros de qualquer discurso ou verdade.
Se quer buscamos uma continuidade entre o que fomos, o que somos e o que seremos, relegando o efêmero a dimensão do descartável e provisório reservado sem pudor a experiência da sucessão de dias que faz a vida e naturalmente se perde.
O sentimento contemporâneo do mundo é cada vez mais um aprendizado do metafórico deserto que nos envolve intimamente...

domingo, 6 de abril de 2008

HUH ME WORRY


The time nevermore
The soul nevermore
the song nevermore
and the melody
whose child
chose jour face
to understand
the world.

But jan sessions
Who will listen sttill
the downtown
in the past
in case of she can touch
the face of the future
in the old neughborhood house.

( Poema escrito originalmente em ingles com a indispensável participação da amiga Nora Soares de Magalhães)

Versão em portugues:

Nunca mais o tempo...
Nunca mais a alma,
nunca mais a melodia
na qual a criança
escolheu seu rosto
para esclarecer o mundo.

Mas uma jam sessions
ainda escutaria
na parte baixa
do passado
caso pudesse tocar
o rosto do futuro
na velha vizinhança.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

OS 50 MAIORES ESCRITORES BRITÂNICOS


No inicio deste ano o Jornal The Times disponibilizou em seu site uma interessante lista reunindo os 50 maiores escritores britânicos desde 1945. O que é mais interessante nesta iniciativa é a construção de um cânone capaz de dizer a produção literária britânica contemporânea, considerando a barbarie representada pela Segunda Grande Guerra e suas tragicas consequencias para a vida cultural europeia.

Lista dos 50 Maiores Escritores BritânicosThe Times5 de janeiro de 2008

1. Philip Larkin - The Whitsun Weddings (1964)
2. George Orwell - Nineteen Eighty-Four (1964)
3. William Golding - To the Ends of the Earth: A Sea Trilogy (1980-89, que inclui Rites of Passage)
4. Ted Hughes - Crow (1972)
5. Doris Lessing - The Golden Notebook (1961)
6. J. R. R. Tolkien - O Senhor dos Anéis (1954-55)
7. V. S. Naipaul - In a Free State (1971)
8. Muriel Spark - The Prime of Miss Jean Brodie (1961)
9. Kingsley Amis - Take a Girl Like You (1960)
10. Angela Carter - The Bloody Chamber (1979)
11. C. S. Lewis - O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa (1950)
12. Iris Murdoch - The Sea, The Sea (1978)
13. Salman Rushdie - Midnight’s Children (1981)
14. Ian Fleming - Casino Royale (1953)
15. Jan Morris - Pax Britannica: The Climax of Empire (1968)
16. Roald Dahl - Charlie and the Chocolate Factory (1964)
17. Anthony Burgess - The Wanting Seed (1956)
18. Mervyn Peake - A trilogia Gormenghast (1946-59)
19. Martin Amis - Money (1984)
20. Anthony Powell - A série A Dance to the Music of Time (1951-75)
21. Alan Sillitoe - The Loneliness of the Long-Distance Runner (1959)
22. John Le Carré - The Spy Who Came in From the Cold (1963)
23. Penelope Fitzgerald - The Blue Flower (1995)
24. Philippa Pearce - Tom’s Midnight Garden (1958)
25. Barbara Pym - Tom’s Midnight Garden (1958)
26. Beryl Bainbridge - The Birthday Boys (1991)
27. J. G. Ballard - Crash (1973)
28. Alan Garner - The Owl Service (1967)
29. Alasdair Gray - Lanark (1981)
30. John Fowles - The French Lieutenant’s Woman (1969)
31. Derek Walcott - Omeros (1989)
32. Kazuo Ishiguro - The Remains of the Day (1989)
33. Anita Brookner - Hotel Du Lac (1984)
34. A. S. Byatt - The Virgin in the Garden (1978)
35. Ian McEwan - The Child in Time (1987)
36. Geoffrey Hill - Mercian Hymns (1971)
37. Hanif Kureishi - The Buddha of Suburbia (1990)
38. Iain Banks - The Wasp Factory (1984)
39. George Mackay Brown - Magnus (1973)
40. A. J. P. Taylor - The Trouble Makers (1957)
41. Isaiah Berlin - Russian Thinkers (1978)
42. J. K. Rowling - A série Harry Potter (1997)
43. Philip Pullman - Fronteiras do Universo (1996)
44. Julian Barnes - Flaubert’s Parrot (1984)
45. Colin Thubron - In Siberia (1999)
46. Bruce Chatwin - On the Black Hill (1982)
47. Alice Oswald - Dart (2002)
48. Benjamin Zephaniah - Propa Propaganda (1996)
49. Rosemary Sutcliff - The Eagle of the Ninth (1954)
50. Michael Moorcock - Mother London (1988)

LITERATURA INGLESA XXIV


Originalmente publicado em 1922, o romance Ulisses do escritor irlandês James Joyce ( 1882-1941) é uma das mais originais e interessantes obras da literatura inglesa do séc. XX. Impossível descrevê-la em poucas palavras e muito menos falar sobre o seu impacto no cenário literário da primeira metade do ultimo século. Ao lado de Finnegans Wake e Dublinenses esta obra compõe o cânone joyceano e pode ser considerada o marco inicial do modernismo europeu.
A narrativa complexa, multilingue e fragmentada deste romance povoado de códigos cifrados e collages em um fascinante jogo simbólico proporciona ao leitor uma verdadeira viagem ao extraterritorial compreendido pelo prodigioso imaginário joyceano. Nesse sentido, a referência a Odisséia de Homero não é absolutamente gratuita. Joyce reinventa o mito de Ulisses na mesma medida em que o supera transformando-o em matéria viva de linguagem e do próprio cotidiano. Desta forma, no prosaico ambiente de Dublin, no correr de um único e banal dia por sua paisagem transcrita na experiência de dois personagens, o Ulisses de Joyce nos leva a infinita e inacabável busca do nosso próprio e fugidio centro e realidade de mundo.
Cabe por fim lembrar o itinerário dos 18 capítulos do romance nos permite inúmeras analogias com a Odisséia de Homero. Mesmo não sendo indispensável à leitura da obra, é interessante re-visitar o texto grego para adentrar mais profundamente em seu fantástico imaginário.
Em meu caro exemplar da tradução de Ulysses realizada por Antônio Houais, há uma breve introdução não assinada que assim o descreve mais formalmente:

“ A ação de Ulisses transcorre em Dublin num único dia , 16 de junho de 1904, e é narrada através de um prelúdio em três partes, um núcleo de 12 capítulos e um final tripartido. A divisão ternária, em perfeita simetria, evoca as significações cabalísticas do três. Estudos recentes de lingüística, com auxilio de computador, dão Ulisses como a obra de estrutura matematicamente mais perfeita de toda a literatura. A linguagem utilizada por Joyce, que vai do poema à opera, do sermão à farsa, contem não apenas termos usuais- da prosa clássica à mais grosseira gíria-, mas também elementos criados pelo escritor com base em seus conhecimentos de latim, grego, sâncrito e uma vintena de idiomas modernos. Fazendo um paralelo com a Odisséia de Homero, Joyce cria uma viagem experimental ao mundo de hoje, obtendo vigorosa síntese de suas descobertas cientificas, seus problemas sociais, religiosos, estéticos, sexuais. As personagens centrais correspondem aos protagonistas do epopéia grega: Molly Bloom, esposa do herói., é Penélope; Stephen Dedalus é Telêmaco; Leopold Bloom é Ulisses. Na versão de Joyce, a imagem de Ulisses é a de um ser arrasado, traído pela mulher, totalmente destinto do invencível herói criado por Homero.”

DELIRIO LUNAR

O pálido olho do dia
Cai sobre mim
Em serena expectativa
De céu fechado.

Caleidoscópios ensinam-me o mundo
Em noites de tempestades
De cores e movimentos

A vida me percorre
Em um tiro
De jornal aberto
Compondo fatos distantes.

Percebo-me longe
De mim mesmo
Em cada golpe de sorte
E de imaginações perdidas.

O futuro só dura um segundo
No prenuncio de um mágico
Acaso
De ato aberto de existência.

I feel a little espace out
In heat of the sun.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

O AMOR COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO


A obra do sociólogo alemão Niklas Luhmann ( 1927-1998) abrange uma considerável quantidade de temas, desde a teoria geral da sociologia, da ciência, do direito, do poder, da religião até uma sociologia da intimidade, etc. Podemos classificar sua sociologia como uma teoria dos sistemas elaborada como alternativa ao conceito tradicional de causalidade utilizado pelo funcionalismo.
Nesse sentido, seu método pressupõe a realidade social como uma pluralidade complexa, como um conjunto de interações diversas que produzem conjuntos de sistemas e sub-sistemas definidores de ethos coletivos e, ao mesmo tempo, de alternativas de tendências que configuram o horizonte de experiências que é o próprio mundo.
Mas a pesquisa que pretendo aqui enfocar, dentre as tantas realizadas pelo autor, é aquela apresentada em seu clássico estudo O AMOR COMO PAIXÃO: PARA A CODIFICAÇÃO DA INTIMIDADE, na qual Luhmann aplica com maestria o método aqui muito superficialmente apresentado.
O código do amor como paixão surge na França do séc. XVII como alternativa ao então desgastado código do amor cortes inspirado no séc. XII pela chamada matéria da Bretanha. Trata-se obviamente aqui de uma interpretação possível para origem do amor romântico que figura ainda nos dias de hoje como um código de intimidade, da descoberta do outro como objeto.
Cabe considerar que, segundo Luhmann:

“... o meio de comunicação amor não é um sentimento em si mesmo, mas um código de comunicação cujas regras determinarão a expressão, a formação, a simulação, a atribuição indevida aos outros e a negação de sentimentos, bem como a assunção das conseqüências inerentes, sempre que tiver lugar uma comunicação deste gênero. Como demonstraremos nos capítulos seguintes, já no século XVII, e apesar de todo o ênfase posto no amor como paixão, tem-se plena consciência de que se trata de um modelo de comportamento simulável e que se nos depara antes de embarcarmos na demanda do amor; modelo de comportamento que está disponível enquanto orientação e como consciência do respectivo alcance, antes de acontecer o encontro com o outro, tornando também notória a falta deste, o que por sua vez se pode transformar mesmo num destino. O amor poderá então movimentar-se em primeiro lugar e em certa medida numa zona indefinida e ser orientado para um modelo prospectivo generalizado que facilite a seleção capaz, porem, de perturbar também uma realização emocionalmente aprofundada. Trata-se de uma significação do significado, enraizada no código que proporciona a aprendizagem do amor, a interpretação dos indícios e a transmissão de pequenos sinais para exprimir grandes sentimentos; é o código que permite a experiência da diferença bem como o destaque dado à ausência de realização.”

(Niklas Luhmann. O amor como paixão. Para a codificação da intimidade. Tradução de Fernando Ribeiro. RJ/Lisboa: Editora Bertrand Brasil/ Difel, s/d, p.21)

NIILISMO

Vivo apenas
Do provisório
De cada dia,
Das incertezas futuras
E ausências presentes.

Não pretendo
Mais do que
O acaso
De construir-me
Desconstruindo caminhos,
Refazendo ventos
Na liberdade
De não seguir
Em qualquer direção
Do pensamento.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

TRANSCENDENTE FINITO


Alem dos infinitos
Com os quais brincamos
Em sonho de mundo
Tento sonhar um transcendente finito
Que me ensine a beleza serena
De um rosto que diga
Em todos os sentidos
O melhor da vida.

Sei que tudo é passageiro
E instável
Na natureza que me define
Todas as coisas.

Mas sei também
O esforço da arte,
o fazer que perdura
Na meta natureza da matéria
Que me faz vivo.

SOMBRA

Tenho medo do outro
Que dentro de mim
Existe
Transcendendo o cotidiano
Em tropeços de infinitos.

Tenho medo do impossível
Que me faz em sonho e labirinto
Um estranho para mim mesmo.

Tudo o que não sou ou queria ser
Assombra-me os pensamentos
Em noites de sonos
De quase perfeição de inércias.

Minha sombra me acompanha
No jogo de luz e treva
Que em todos os sentidos
Me faz viver.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Shakespeare, as Nornas e o Destino


Mesmo não se tratando da leitura de um especialista em cultura popular européia, a tese defendida por Michael Howard em sua obra “ A sabedoria das Runas” em torno da presença da Imagem das Nornas, as antigas deusas do destino da mitologia nórdica, no imaginário ocidental e, mais especificamente, na obra de Shakespeare, é digna de consideração apesar de alguns limites.
Segundo ele:

“Malgrado sua supreção pela Igreja, as Nornas emergiram na cultura popular, revestidas das mais estranhas formas. Aparecem como fadas madrinhas, equipadas com uma roda de tear, que se materializam por ocasião do nascimento dos infantes reais. Nos contos de fadas da “Bela Adormecida” e “ Branca de Neve e os sete anões, as Nornas tornam-se madastras perversas. Os contos de fadas que lemos hoje para nossos filhos encerram símbolos pagãos, que sobreviveram na literatura folclórica muito tempo depois de terem perdido seu significado religiosos.
O exemplo mais notável de ressurgimento das Nornas do inconsciente coletivo como imagens arquetipicas é talvez sua aparição na figura das três bruxas da peça clássica Macbeth. Shakespeare, ou quem quer que tenha escrito as peças a ele atribuídas, era muito versado no ocultismo e nas crenças populares da onglaterra elizabethana. Parece ter tido também um conhecimento considerável do paganismo clássico. Suas bruxas, em Macbeth, não invocam o demônio quando estão agachadas em torno do caldeirão na charneca açoitada pelos ventos, mas sim a deusa grega de três cabeças, Hécate. Numa época em que a imagem corrente das bruxas era a de adoradoras satânicas do demônio, essa interpretação radical delas como seguidoras da Velha Religião pagã deve ter causado alguma surpresa entre os freqüentadores de teatro que afluíam para ver a peça.
Shakespeare chama as três bruxas de Irmãs Weird. A palavra do inglês antigo” weird” deriva do radical “wyrd”. No Oxford English dictionary o termo “weird” está consignado em dois verbetes separados. O primeiro confere-lhe o significado de “fado” ou “destino”. O segundo se refere à sua conexão com o destino, mas atribui-lhe também os sentidos secundários de “sobrenatural”, “misterioso”, “estranho” ou “ incompreensível”. Essa diversidade do segundo significado vincula a palavra à velha crença pagã no poder do Destino. Ao chamar suas bruxas de Irmãs Weird, o dramaturgo elizabethano estava dizendo a quem quer que conhecesse alguma coisa sobre os mitos pré- cristãos que elas eram as Nornas sob forma humana.
Em Macbeth, as três Irmães Weird são dotadas do poder sobrenatural de predizer o futuro. É evidente, considerando suas fórmulas encantatórias e os comentários crípticos que dirigem ao nobre escorces, que eram igualmente capazes de controlar as forças do destino. Isso também estabelece uma conexão entre as bruxas e as Nornas. Não deixa de ser interessante conjeturar que a superstição teatral segundo a qual Macbeth é uma peça aziaga originou-se da antiga crença terivel do Wyrd de afetar a vida dos mortais.”

(Michael Howard. A sabedoria das runas/ tradução: Antonio Danesi. SP: Editora Pensamento, s/d, 173 et seq.)

CRONICA RELAMPAGO XXIII

Quando somos surpreendidos por algum desagradável acontecimento cotidiano, nos vemos diante de uma apreensão mais consciente e menos automática ou espontânea da fenomenologia de nosso cotidiano tempo vivido. Mas precisamente, nos damos conta da importância do intervalo temporal compreendido por um mero segundo para configuração de nossas situações biográficas.
O gesto ou ato realizado em um milésimo de segundo pode, em outras palavras, desencadear uma seqüência de acontecimentos em maior ou menor grau decisiva para nossa existência ou sentimento de existência.
Podemos lamentar para o resto da vida a irrefletida decisão ocorrida em um mínimo momento ou o acaso de estar em determinado lugar na mais inconveniente das horas, protagonizando, por exemplo, a tragicidade de um acidente.
Talvez seja possível algum controle sobre essa loteria do acaso. Mas, mesmo se possível, ele seria fatalmente provisório e incerto. E alguma medida não possuímos qualquer razoável controle sobre nossas vidas e destino. Isso não diminui em nada a importância de nossas decisões e opções subjetivas. De alguma forma, a qualidade de nossas escolhas condiciona o leque de ocorrências objetivas possíveis, o campo de eventos aleatórios pelos quais podemos ser tragados.
Em poucas palavras, o grau de consciência que adquirimos nos capacita a lidar melhor ou pior com a ilimitada complexidade da fenomenologia da existência e sua irracionalidade elementar.