sábado, 30 de março de 2019

INTENSIDADES

É na ausência das palavras que fala minha consciência,
Que as intensidades e velocidades do pensamento  dão nova dimensão a existência.

Tudo se resume as superfícies das coisas,
Ao saber da pele

Na orgia de afetos.


Sentir é um modo de saber o mundo
Como uma intensa experiência.
Sentir é quando o corpo pensa.


sexta-feira, 29 de março de 2019

AQUI E AGORA



Estou aqui e agora.
Não em qualquer outra parte.

Este é o meu limite,
O chão que me sustenta
E o tempo que me inventa.

É onde acontecem os encontros,
Onde ganha forma o múltiplo,
O possível.

Estou aqui e agora
Sem qualquer ilusão ou espectativa,
Sem saber o que demasiadamente sei...

terça-feira, 26 de março de 2019

EXCESSOS


Há um excesso de lugares,
De palavras,
De vontades,
De afetos,
De rostos,
De alegrias,
De tristezas,
De livros,
De medos,
De angústias,
Identidades,
Desejos,
Mentiras,
Hipocrisia,
Gritos,
Silêncios,
Filmes,
Vertigens,
Deslumbramento...
Os excessos são quase infinitos,
E tudo que escrevo convida ao silêncio,
A esta miserável impotência de ser
Através da qual escapo a mim mesmo
Me desfazendo em mundo.

A AGONIA DE EXISTIR

É sempre isso que tentamos: criar mundos impossíveis diante de possibilidades possíveis. 

Há de fato em nossos atos e sentimentos  sempre uma boa dose de voluntarismo, de ilusão e desespero de vontades feridas.


O existente, o tempo presente, nunca nos basta. Somos por natureza, circunstância ou destino, seres inconformados, inadaptados a própria vida. Mas é isso que nos torna criativos,
Que inventa em nós o devir.

domingo, 24 de março de 2019

O INATUAL


Sigo ao encontro do inatual,
Daquilo que não cabe no momento,
Que recusa o tempo,
Atravessando todas as épocas.
É um misto de corpo e silêncio.
Um pulsar de vida,
Onde a fragilidade da presença
Inventa um mundo sem tempo
E livre de urgências.
Por um instante me surpreendo
Fora de tudo,
Dentro da natureza.
É como se fosse sempre
O primeiro dia do humano.

sexta-feira, 22 de março de 2019

MODESTAS ESPERANÇAS



A vida ainda comporta algumas modestas esperanças. Coisa pequena que pode parecer restrita ao âmbito da chamada vida privada. Falo de uma polidez de gestos e palavras decorrentes de um modo particular de sentir e agir. 

Dizendo de forma bastante simples e direta, a vida deve nos acontecer como uma boa musica. A esperança nasce disso: da possibilidade de comover e ser comovido no jogo cotidiano das pequenas coisas. É cultivar a sensibilidade para perceber que somos, através de tudo aquilo que nos rodeia, um simples pedaço de natureza.


quinta-feira, 21 de março de 2019

NOMADISMO

Sou aquele que não se move,
Que permanece inerte
No meio das coisas.

Sou a paisagem em seu movimento.
Não sei um rosto,
Não tenho casa.

Tudo em mim é acontecimento,
Poesia e afeto
Que não se conforma a palavra.

Existo fugindo do que me define fora da paisagem.
Existo como vivem às pedras,
E, entretanto, nada em mim é inércia.

.

quarta-feira, 20 de março de 2019

FORA DO MUNDO



Ignoro a urgência cotidiana das coisas.
Sou indiferente as pressões do trabalho,
Aos assuntos de família,
E aos eventos sociais onde impera sempre o efêmero e o dispensável.
Cultivo a paz de minhas inercias,
O silêncio da minha preguiça
E os afetos que me consomem.
Não estou disponível às dores do mundo.
Aprendi a ser intenso através de ausências.
Não tenho interesse em participar de nada.

quarta-feira, 13 de março de 2019

SOBRE VER E ENXERGAR


GEOGRAFIA FILOSÓFICA


Vida é deslocamento,
Existir é  experimentar espaços,
Lugares de dizer, ver e mover,
Habitando significados.


Estar em trânsito é nosso modo de ser,
De saber o mundo,
Entre as interdições e possibilidades
De um plano vivo de existência.


Existir é geografia,
Viver é cartografia,
Acontecemos na experiência
De paisagens em movimento.

terça-feira, 12 de março de 2019

A VIDA COMO ESPETÁCULO

Sei que a obra viva  da minha existência desafia minha própria consciência. Sou o ator, o autor , o espetáculo e o espectador do teatro da minha existência. Mas não há enredo que defina meus atos, nem espontaneidade em meus improvisos. Tudo é um acontecimento sem sentido, um espetáculo sem qualquer brilho que, surpreendentemente, transcende o grande espanto que define o sublime.

O DESAFIO DAS PALAVRAS


O encanto das palavras está no seu potencial para significar a  vida. Não a vida cotidiana e imediata que silenciosamente nos define concretamente no espaço e no tempo de uma época. Mas a vida que inventamos, que adivinhamos através do pensamento.

As palavras são como um jogo. Não basta apenas conhecer suas regras. É preciso criatividade para jogar com elas, para fazer dizer justamente aquilo que nos deixa mudos. 

Eis o desafio das palavras: fazer a vida ir além do vivido, comunicar aquilo que nos faz ausentes do mais elementar acontecer de nossos corpos.

As palavras inventam a vida para que o nosso viver  se torne suportável.

domingo, 10 de março de 2019

A ANTI FILOSOFIA DO SIMPLES AQUI E AGORA

Não há nada mais complexo do que o simples estar aqui e agora acontecendo como um corpo vivo. Não é possível separar a condição sensitiva, intelectual e vegetativa que nos define como parte de um dado ambiente, como algo que se move e realiza coisas. Somos a soma de vários processos que em sua totalidade escapam ao significado, a armadilha do intelecto.   Se quer temos controle sobre isso. Viver é o acontecer do corpo e , para o corpo, o pensamento e a consciência não passam de um detalhe. Ele existe para locomoção e interações ambientes que visam unicamente sua reprodução. O pensamento procedeu um desvio, uma curva,  que nos inventou "o humano" como um artifício contra natural. Mas, apesar disso, toda a nossa existência ainda gira em torno da imediaticidade do simples aqui e agora.

quinta-feira, 7 de março de 2019

DESCAMINHOS

Todas as noites afundado na bagunça dos meus cacos, faço um inventario das minhas perdas e ganhos ao longo dos anos.

Constato sempre de novo o absurdo da sucessão de cotidianos, épocas, fases e rostos. Não compreendo como cheguei ao aqui e agora. 

Não me reconheço em nada daquilo que me define agora.

ESTESIA: A UNIDADE DO AFETO E DO PENSAMENTO


Estesia é um sinônimo de sensibilidade, remete a nossa capacidade de apreender através de sensações e sentimentos. Podemos pensar a produção de qualquer saber, de qualquer experiência de conhecer, como possuindo um componente estésico. Razão e sensibilidade confluem na compreensão da realidade. De muitas maneiras, todo saber é sensível, pois pressupõem uma experiência sensorial (impressão) traduzível em alguma forma de linguagem (expressão). A tradição logocêntrica da cultura ocidental, tende a afirmar a dicotomia entre corpo e pensamento, desqualificando o corpo e a dimensão sensória em beneficio de uma idealização do intelecto, de uma mitificação da razão.  Na pratica, entretanto, somos produtos de nossas afetações, da intensidade de nossas impressões. Não há como separar sentimento (escolha/eleição) da atividade de pensar, daquilo que é produzido pela mente  como pensamento.  


LINGUAGEM, INDIVIDUO E PREDICADO


O individuo humano se define por seus predicados. Ele não possui substancia em si mesmo como unidade isolada ou fato empírico. É preciso que se faça através da linguagem, dos símbolos e signos que articula na ação de dizer a si mesmo e o mundo. Mas seu dizer não se realiza através de um esforço descritivo e de reconhecimento do que existe, ele se dá mediante a criação de um sentido próprio inerente ao próprio exercício de dizer. Expressão e interpretação coincidem no ato criativo  de dizer.

O mundo acontece na medida em que é interpretado e naturalizado através de códigos socialmente estabelecidos. O individuo acontece como função inerente ao ato do discurso, ele acontece quando faz deste discurso uma singularidade. Deste modo, aquilo que tenho a dizer não pode ser dito da mesma maneira por qualquer outro e, entretanto, comporta o dizer de todos os outros como possibilidade infinita do discurso.  O modo próprio do dizer de alguém é seu mais autêntico predicado.


SOBRE O MUNDO

Andei nos últimos tempos indiferente às pessoas e as paisagens da cidade. O que eu mais queria era estar em mim mesmo, saber tudo o que há para saber sobre o que fui e serei, sobre quem é aquele que me definiu como um eu. 

Mas não demorou muito para perceber que isso de ser eu não existe, que não sou nem na primeira ou na terceira pessoa do singular, que só persiste o mundo, que segue indiferente a mim e aos outros, sem saber se quer que é mundo, que é mudo, e existe sendo tudo que há na consciência e sentimento das coisas.Não existe nada em mim que já não diga este mundo, que já não me ultrapasse como possibilidade e realidade.