terça-feira, 27 de outubro de 2020

DEFINIÇÃO DE ANSIEDADE

Vivo espantado comigo e com o mundo mergulhado num sonho, num delírio  absurdo de perder  o corpo  no mar.

Há em mim uma fome de naufrágios,
Uma vontade que não  tem realidade,
Que ama o impossível,
 O delírio e melancolia
De um morrer a tarde
Antes do por do sol 
De nossa frágil humanidade.

DESAFIO

Antes que o mundo acabe,
Respire e se embriague
Com um pouco de liberdade.

Tome um banho de lama
Contra toda ilusão  de humanidade.

Não  pense, aconteça,
Contra toda ilusão
De realidade.

INDETERMINAÇÃO E VIDA

Entre o que somos e aquilo que não  somos mais, há  uma zona de indeterminação,  de improviso, que da corpo ao inédito e imprevisível.
É  neste plano incerto de nós mesmos onde somos criadores autênticos e nos percebemos além das determinações e confissões e certezas, verdades ou identidades.
A incerteza, a ausência urgente de nós  mesmos, é  onde a vida se transforma e a ilusão do Ser não nos condiciona.
É onde o outro nos habita como movimento da própria vida.

PALAVRA ABRIGO

 


Dentro das palavras

inventei um abrigo

contra o silêncio do mundo.

Reaprendi infâncias,

reinventei meu corpo,

e acordei um mar na garganta.


Moro agora no verso e na prosa

que me acontece no sem tempo da imaginação.

Quase não sou gente.

Sou feito de imaginação,

de experimentações e ensaios

com a pele das coisas.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

ESTADO DE EMERGÊNCIA

 


 

 

Sucumbimos a caduquice da verdade,

a miséria da realidade

e a hipocrisia de velhas certezas.

O mundo que morre nos adoece.

E o futuro ignora o dia seguinte….

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

ETICA POETICA DO INTEMPESTIVO (UMA ANTI ONTOGIA)

 


 

O intempestivo não  é  apenas aquilo que escapa ao contingente e ao cotidiano. É  o que transborda, o que personifica a vontade de potência como o inumano da vida que há em nós. É algo que busca existência, que se afirma tornando-se o meio em que existe na medida em que o transforma e converte em plano imanente de maquinações,  de sentidos e paradoxos infinitos que produzem a diferença,  a aberrancia criativa do caos. 
O intempestivo é  o lado de fora, um acontecimento, que nos faz resistir ao presente mediante diversas e múltiplas estratégias de delinquência.

Ele é a poesia como ação ética,  como afeto e subjetividade criadora de singularidades. Resumidamente , ele é  o grande não  de um pensamento ainda selvagem, movente e incerto que faz do inventar conceitos e palavras aladas um território concreto de experimentação,  de intensidades e vizinhanças que nos conduzem a vida não orgânica das coisas, transfiguração de uma sensibilidade sem sujeito, como puro acontecimento e ambiência.  
Há  uma fissura na superfície do real que nos conduz além do exterior( sociedade) e interior ( pensamento diferenciado) no experimentar cotidiano de nós mesmos através de um corpo livre da ilusão  de alma e de todo juízo de deus.

Em uma entrevista concedida a Antônio Negri, O devir Revolucionário e as criações políticas ( ou Controle e Devir, in Conversações), Deleuze nos esclarece de forma muito oportuna a relação entre subjetividade, intempestivo e acontecimento, em sua dimensão politica rebelde e concreta:

Pode-se falar em processos de subjetivação quando se consideram diversas maneiras de por meio das quais os indivíduos ou as coletividades se constituem como sujeitos: tais processos são validos apenas na medida em que, quando ocorrem, escapam tanto aos saberes constituídos quanto aos poderes dominantes- mesmo que , em seguida engendram novos poderes ou tornem a integrar novos saberes. Contudo, no momento em que ocorrem, eles possuem uma expontaneidade rebelde. Não há nenhum retorno ao ‘sujeito’, isto é, a uma instância dada de deveres, de poder e de saber. Em vez de um processo de subjetivação, poder-se-ia falar também em novos tipos de acontecimento: acontecimentos que não se explicam pelos estados de coisas que os suscitam ou para os quais eles retornam. Eles se elevam por um instante, e é esse momento que importa, é essa chance que precisamos capturar. Ou, então, poder-se-ia falar simplesmente em cérebro: o cérebro é exatamente esse limite de um momento contínuo reversível entre um dentro e um fora, essa membrana entre ambos. Novas trilhas cerebrais, novas maneiras de pensar não se explicam pela microcirurgia. Ao contrário, é a ciência que deve se esforçar para descobrir o que pode ter ocorrido no cérebro para que possamos pensar desta ou daquela maneira. Subjetivação, acontecimento ou cérebro parecem-me um pouco a mesma coisa. Crer no mundo é aquilo que mais nos falta; nós perdemos o mundo, fomos despossuidos dele. Crer no mundo é também suscitar acontecimentos, mesmos pequenos, que escapem ao controle, ou fazer nascer novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.”

in O devir Revolucionário e as Criações Políticas; Antônio Negri. Deleuze e Guattari: Uma Filosofia para o século XXI; organizado por Jefferson Viel. SP: Editora Filosófica Politéia, 2019, p. 125 e 126 

 Escapar aos saberes tradicionais, a própria ideia de sujeito, por meio do acontecimento, pressupõe, antes de tudo , um reaprendizado do corpo em novos espaço-tempos. 

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

SOCIEDADE DO DESEMPENHO E O AVESSO DA VIDA

 

O reverso do inverso é a transfiguração dos valores vigentes , a morte do social e do político em seu sentido moderno, a conversão da liberdade e emancipação racional em nova modalidade de servidão.
 
A população, categoria política essencial da cultura política do mito do Estado Nação, agoniza no território ( predominantemente urbano), disciplinado pelos tribunais de todas as razões, pela imaterialidade do novo mundo tecnológico, governado pele pathos do desempenho e do narcisismo, pela domesticação absoluta, através  do eu ideal e abstrato definido pela consciência e subjetividade moderna desde Descartes e  Hurme em  últimas suas transformações.  

Segundo Byung-Chul Han em sua A Sociedade do Cansaço.

 “ Na transição da sociedade de disciplinar para sociedade de desempenho o superego acaba se positivando no eu-ideal. O superego é repressivo. Pronuncia acima de tudo proibições. Com ‘o traço duro e cruel do dever de ordem’, como ‘caráter de restrição árdua,, da proibição cruenta’, ele impera sobre o eu. Contrariamente ao superego repressivo, o eu-ideal é sedutor. O sujeito de desempenho projeta a si mesmo na linha do eu-ideal, enquanto que o sujeito de obediência se submete ao superego. Submissão e projeto são dois modos de existência bem destintos. Do superego provém uma coação negativa. Ao contrário, o eu-ideal exerce uma pressão positiva no eu. A negatividade do superego restringe a liberdade do eu. O projetar-se do eu-ideal, ao contrário, é explicado como um ato de liberdade. Se o eu se enreda num eu-ideal inalcançável, vê-se literalmente fatigado ao extremo por ele. Do fosso quer se abre então entre o eu real e o eu-ideal, acaba surgindo uma autoagressividade.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade do Cansaço. Petropólis: Editora Vozes, 2º edição ampliada, 2017, p.100)

 Pode-se-ia dizer, de modo meramente performático ( não  representativo), que o  abismo do eu é a vertigem da consciência e do desejo, a morte da vontade de potência, a agonia biopolítica dos corpos no aquário do simulacro da vida contemporânea. Mas mesmo tais aberrâncias verbais, não dão conta do absurdismo que nos oferece a atualidade. 

O mesmo, autor, desdobrando sua reflexão sobre a sociedade do Cansaço através da equivalente imagem de uma Sociedade da Transparência, que bem complementa a anterior, aprofunda, assim, o paradoxo entre liberdade e opressão através da igualmente paradoxal relação entre transparência e isolamento:

“ A sociedade de controle atual apresenta uma estrutura panoptica bastante específica. Contrariamente à população carcerária , que não tem comunicação mutua , os habitantes digitais estão ligados em rede e têm uma intensiva comunicação entre si. O que O que assegura a transparência não é o isolamento, mas a hipercomunicação. A especificidade do panóptico digital é sobretudo o fato de que seus frequentadores colaboram ativamente e de forma pessoal em sua edificação e manutenção, expondo-se e desnudando a si mesmos, expondo-se ao mercado panóptico.”

( Byung-Chul Han In a Sociedade da Transparência. Petropolis: Editora Vozes, 4º edição, 2019, p.108)

O  que aqui se coloca como desafio de um pensamento/espanto é o pânico da discurso crítico. 

 

 


 


CONTRA TODA TRADIÇÃO

A sabedoria,
Como estado estranho de consciência,
Me ensinou o esquecimento,
O futuro como vertigem,
E abismo do desconhecido.
Não há nada a aprender com o passado
Na liberdade que nos oferece o futuro.
A vida frequenta o solo virgem do inédito.

VONTADE DE POTÊNCIA

Vontade de potência é a ação de viver ,
De buscar crescer,
Fazer-se mundo,
Afirmar os pés no chão
Na ciência da terra
No afeto inumano
Da mais profunda imaginação, 
Além de toda moral e verdade
Da ilusão  de Ser.

 

terça-feira, 13 de outubro de 2020

CIVILIZAÇÃO EM COLAPSO

"O progresso técnico deixará apenas um problema: a fragilidade da natureza humana."
Karl Kraus

Entre a imaterialidade do digital, o virtual da potência,  e o inumano desvelado no abismo do humano, nos confrontamos no tempo presente com a impossibilidade do futuro. Através da orgia de amanhães múltiplos e desconectados,
Já não  vivemos em um único mundo, em uma experiência comum ou universal de realidade.
O "pós real", já intuído por Jean  Baudrilard,  talvez coincida com uma nova época destinada a levar as últimas consequências a experiência da desigualdade social, da desconstrução da ideia clássica de civilização  e sociedade.
Talvez sejam os algoritimos e a inteligência artificial o feto de um novo leviatã, não mais como alegoria de um poder soberano absoluto, mas como uma multidão  de demônios, uma antitese do mito jusnaturalista tão  caro aos modernos.
 

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

SOBRE AS HETEROTOPIAS OU O CHARMOSO RISO DE FOUCUALT

 



Há, [...] e isso provavelmente em qualquer cultura, em qualquer civilização, lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contra-posicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais, todos os outros posicionamentos reais que se podem encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis. Esses lugares, por serem absolutamente diferentes de todos os posicionamentos que eles refletem e dos quais eles falam, eu os chamarei, em oposição às utopias, de heterotopias.”

Michel Foucault



  1. Repensando a espacialidade

O conceito de Heterotopia é originalmente conhecido na ciência medica para designar a posição anormal de um órgão ou tecido caracterizado por uma anomalia genética ou um trauma, mas é ressignificado por Foucault em duas referencias marginais presentes em sua vasta produção acadêmica. Primeiramente no prefacio de As Palavras e as Coisas ( 1966), no ano seguinte em uma conferencia escrita na Tunisia e proferida ao Circulo de Estudos Arquiteturais de París.

Basicamente, o conceito de Heterotopia, procura dar conta de mudanças não reconhecidas no campo das ciências humanas quanto aos arranjos de seus objetos e sujeitos, de seus métodos e conteúdos, enquanto campo disciplinar, ou conjunto de arquivos. A aplicação deste conceito não configura uma ciência ou especialização dentro de qualquer disciplina, mas estabelece a possibilidade de uma leitura ou redimensionamento de nossa relação com a própria noção de espaço.

Pode-se dizer que uma heterotopologia, tal como proposta por Foucault, sob o riso provocado pelo texto desconcertante de Borges, pretende perturbar nosso conceito de identidade, nosso modo de catalogar e representar o outro, os espaços de significação linguísticos e a codificação funcional de um território. Afinal, Heterotopia remete, ao lugar do sem lugar, ao inclassificável, que contradiz a norma estabelecida. Nossas representações normativas e utilitárias do espaço como objeto, não são universais, mas estão sujeitas a rupturas, limiares, crises, que estabelecem um tempo e espaço diferenciado do linear e convencionalmente estabelecido por nossas representações mais cotidianas. Existe o devir, o intempestivo...

Recorrendo ao prefácio aqui já mencionado, em um comentário sobre sua inspiração i, Foucault assim define esta inquietação heterótopica,

As heterotopias inquietam, sem duvida porque solapam secretamente a linguagem, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a ‘sintaxe’, e não somente aquela que constrói as frases- aquela, menos manifesta, que autoriza ‘manter juntas’ (ao lado e em frente uma das outras) as palavras e as coisas. Eis por que as utopias permitem as fábulas e os discursos: situam-se na linha reta da linguagem, na dimensão fundamental da fábula; as heterotopias (encontradas tão frequentemente em Borges) dissecam o propósito, estancam as palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e imprimem esterilidade ao lirismo das frases.” ii

Mas não é da linguagem que nos ocuparemos aqui, embora exista um segundo texto do autor dedicado a Heterotopias no qual ele aplica o conceito a dimensão espacial da linguagem e a construção de um corpo utópico.iii Para os objetivos deste artigo basta aqui dizer que uma eventual e hipotética história “quase foucaultiana” dos espaços se confundiria com um mapeamento da espacialização das relações de poder a partir das relações de força configuradas pelas tecnologias de biopoder configuradas em um determinado territòrio. Compreenderia tal fantasiosa história tanto a macro politica das normativas coletivas ou estatais, quanto as micro táticas de resistência que brotam no habitat urbano molecular. É neste segundo caso que as heterotopias propostas por Foucault se encaixam contra as formas fixas e sedentárias de presença em um “espaço estriado”, como diriam Deleuze e Guattari. O fato é que vivemos condicionados a posicionamentos fixos em uma dimensão espacial qualitativamente organizada a partir dos seus usos e recortes identidários inspirados por uma racionalidade estreita e banalizadora.

As heterotopias, na ampla tipologia proposta por Foucault, correspondem a um uso não banal dos espaços sociais, referem-se a lugares reais que ganham utilizações e representações que se contrapõem as normativas coletivas, provocando algum tipo de deslocamento existencial. Podemos citar como exemplo os cemitérios (heterotopias de cemitério, onde os mortos são incorporados a uma cidade outra projetando as relações parentais em um plano geográfico de memória) os hospitais, hospícios e prisões (heterotopias de crise ou desvio, onde se isolam os delinquentes), museus e bibliotecas (heterotopias do tempo que se acumula, arquivos gerais).

O espaço é aqui pensado em sua dimensão relacional, em sua heterogeneidade, como um campo de coordenadas e sítios irredutíveis uns aos outros, mas que estabelecem vizinhanças, sobreposições, usos e representações jurídico administrativas normativas ( territoriarizadas) ou transgressivas ( nômades ou heterotópicas).



2-Heterotopias: O barco através do espelho

No espaço contemporâneo, enquanto campo de vizinhanças, fluxos e jogos de força, o lugar, a localização, torna-se crucial enquanto referencia de identidade e orientação. Se a sociedade de controle se define através de segmentações duras e sedentárias, em contra partida, não há quem não transite por diferentes espaços e lugares, estabelecendo compensatoriamente segmentações fracas, nômades, para lembrar Deleuze e Guatarri em Mil Platôs.

Neste contexto, existem lugares que possuem a propriedade de estar em relação com todos os outros, que invertem ou neutralizam o conjunto de relações que designam ou refletem. Acabam se definindo, assim, como um campo de experimentações (um sitio) ou, simplesmente, um agenciamento maquínico desejante que transborda em linhas de fuga.

Não por acaso, o exemplo mais radical de heterotopia, segundo Foucault é o navio,

Bordéis e colônias são dois tipos extremos de heterotopia, e se imaginarmos, afinal, que o barco é um pedaço de espaço flutuante, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que é fechado em si e ao mesmo tempo lançado ao infinito do mar, e que, de porto em porto, de escapada em escapada para terra, de bordel a bordel, chega até as colônias para procurar o que elas encerram de mais precioso em seus jardins, você compreenderá porque o barco foi para a nossa civilização, desde o Século XVI, aos nossos dias, . ao mesmo tempo não apenas, certamente, o maior instrumento de desenvolvimento econômico (não é disso que falo-hoje), mas a maior reserva de imaginação, O navio é a heterotopia por excelência. Nas civilizações sem barcos os sonhos se esgotam, a espionagem ali substituí a aventura e a polícia.” iv

Foucault usa aqui os bordeis e as colônias como exemplo de dois tipos distintos e opostos de heterotopia que desapareceram em nossa civilização. Os bordeis oitocentistas seriam heterotopias de compensação (não de ilusão). Nestes espaços, a sexualidade ilegal era abrigada, compartimentalizada, o que lhe proporcionava uma aparente legitimidade social. Mas penetrar em tais lugares tinha o sentido de ser ou estar excluído, constituía uma transgressão, embora legitimada e reversível.

Quanto ás formas coloniais, Foucault tem em mente a primeira onda de colonização do continente americano durante o século XVII. Tanto nas colônias puritanas inglesas da américa do norte, quanto nas colônias jesuítas da américa do sul, através das quais a cristandade buscava moldar a geografia do novo mundo em função de um ideal de perfeição da condição humana. Disciplinar o espaço através de hábitos e ritos equivalia a fundar uma nova terra.

O barco, por sua vez, simboliza uma desterritoriarização intensa, uma linha de fuga, um estar em transito, que perpassa vários sítios e engendra múltiplos agenciamentos. De alguma forma, ele equivale ao espelho que, em uma dada dimensão, representa a experiência utópica, na medida em que projeta a imagem de alguém em um espaço irreal, que lhe devolve sua própria visibilidade. Em outra dimensão, entretanto, o espelho também simboliza a experiência heterotópica, na medida em que igualmente permite que alguém se reconheça onde está justamente através da sua projeção neste espaço virtual, como uma espécie de duplo.

Sobre a imagem do barco, cabe ainda, na perspectiva das chamadas ciências humanas, uma comparação entre a geografia histórica proposta por Braudel com as cartografias construídas por Foucault. Tal possibilidade é, por exemplo, sugerida por Durval Muniz de Albuquerque Júnior,

Braudel descreve uma civilização na qual os barcos têm uma enorme centralidade, mas os pensa apenas como instrumentos de desenvolvimento econômico e de dominação política, de dominação colonial. Foucault pensa os barcos como reversas de imaginação, um pedaço de espaço flutuante, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que, embora fechado em si mesmo, está lançado do mar, espaço liso por excelência, difícil de ser estriado pelo poder. Braudel faz a grande história dos Estados Nacionais, dos Estados territoriais, grandes maquinas de sedentalização e teritoriarização, de prisão dos homens à terra, à sua terra, mesmo quando enviados a viajar, mesmo quanto vão em missão ao exterior. Foucault também fez essa história, mas preferiu também ver nela as reservas de sonho, as possibilidades dos nomadismos, de desterritoriarização, os lugares de passagem que habitam por dentro dessas grandes maquinarias, como as saunas gays californianas, lugares fora do lugar. Diz Foucault: ‘Nas civilizações sem barcos os sonhos se esgotam, a espionagem ali substitui a aventura e a polícia, os corsários e os piratas.”v

Trata-se aqui de escapar, no caso de Foucault, aos agenciamentos maquínicos sedentários de categorias como desenvolvimento econômico, organização social, ordem politica, etc. que sempre conduzem a logica das estruturas. Contra elas é preciso buscar desterritoriarizações e linhas de fuga que nos lancem a aventura de dizibilidades outras. Trata-se de construír a margem das disciplinas acadêmicas, um outro olhar sobre velhas questões e conceitos convencionais a partir de uma perspectiva marginal as metanarrativas dos modelos.vi


3-Interseções entre Foucault e Deleuze: A dobra ontológica

O espaço em que vivemos, no qual somos constantemente arrebatados para fora de nós mesmos, de nossas vidas, o espaço que se constitui como uma experiência cartográfica através da qual se passa de um lugar a outro, de um tempo a outro, em múltiplos planos e tipos de experiência, é o que define a espacialidade urbana como vivência coletiva. Trata-se de uma paisagem complexa, cheia de interseções, cruzamentos de linhas, pontos, onde não existem especificidades, mas segmentalidades duras e flexíveis, populações, agenciamentos coletivos, mas onde não existem sujeitos, mas apenas a cidade através de seus fluxos e segmentos, rupturas e conexões. Foi Deleuze, em um dos artigos reunidos em seu FOUCAULT, livro publicado originalmente em 1986, quem batizou o autor de As Palavras e as Coisas como um novo tipo de cartógrafo.

De fato Foucault nos oferece a possibilidade de pensar a realidade social em termos de relação, de tensões, de configurações espaciais de poder, através de uma cartografia politica dos espaços, principalmente de suas margens e fronteiras, como no caso das heterotopias que aqui discutimos e que remetem indiretamente a temas que lhe são caros, como a loucura, a clinica e as prisões.

Como cartógrafo de um novo tipo, Foucault, tanto no período dito arqueológico quanto genealógico de sua obra, estabeleceu diagramas de força, construiu mapas de intensidade e densidade que esboçaram um desenho novo das práticas sociais, das visibilidades e dizibilidades dos saberes e experiências coletivas, onde o conhecer se apresenta também como uma questão de localização, de abertura de espaços ao pensamento. Trata-se, antes de tudo, de mapear o poder; revelar o poder como um campo de forças complexo, como um circuito que integra todos os espaços e os qualifica.

Segundo Deleuze, Foucault mostra que,

....o próprio Estado aparece como efeito de conjunto ou resultante de uma multiplicidade de engrenagens e de focos que se situam num nível bem diferente e que constituem por sua conta uma ‘microfísica do poder’. Não somente os sistemas privados, mas as peças explicitas do aparelho de Estado tem ao mesmo tempo uma origem, procedimentos e exercícios que o Estado aprova, controla, ou se limita a preservar em vez de instituir. Uma das ideias essenciais de Vigiar e Punir é que as sociedades modernas podem ser definidas como sociedades ‘disciplinares’, mas a disciplina não pode ser identificada com uma instituição nem com um aparelho, exatamente porque ela é um tipo de poder, uma tecnologia, que atravessa todas as espécies de aparelhos e de instituições para reuni-los, prolonga-los faze-los convergir, fazer com que se apliquem de um novo modo.”vii


O poder é algo que circula, que só funciona em circuito, que estabelece relações de sujeição que produzem sujeitos sedentários. O poder está em todas as partes por que é algo que define redes que extrapolam o próprio Estado. Ele personifica relações estratégicas e estruturantes do jogo social. É algo passível de ser planificado, cartografado.

Em uma entrevista reunida na coletânea Microfísica do Poder, Foucault nos fala sobre o uso ou apropriação que faz de vários conceitos correntes na geografia. Segundo ele, suas metáforas geográficas lhe permitem estabelecer as relações existentes entre o saber e o poder.

O saber pressupõe a imposição de condutas a uma multiplicidade humana; o que se faz através de uma repartição de espaço tempo como bem exemplificam as prisões e o hospital psiquiátrico. O saber forma e organiza materiais, finaliza funções e define sítios. Através dele cada época não preexiste aos enunciados que a exprimem, nem transcende as visibilidades que preenche. Discursividades e evidencias são os dois polos de uma nova cartografia.

Deste modo, o saber torna-se uma questão espacial, geográfica profundamente articulada com o poder. Isso acontece através de uma dimensão informe que Foucault chama de diagrama. Segundo Deleuze, uma de suas grandes inovações do método apresentado em Arqueologia do Saber seria a distinção entre duas espécies de formação politicas: as discursivas, ou de enunciados, e as não discursivas, ou de meios. Seu livro seguinte, Vigiar e Punir dedicou-se a estas últimas formações, que representam a forma do visível que contrasta com a forma dos enunciados. O dispositivo panóptico analisado por ele nesta obra é um diagrama ou, poderíamos ainda dizer como Deleuze, uma maquina abstrata, já que o diagrama se define a partir de matérias informes, sem distinção entre conteúdo e expressão, entre o discursivo e o não discursivo. Ele é feito de densidades e intensidades. É algo que nos permite pensar o poder além da noção de estrutura, é algo que faz fazer e falar.

Por outro lado, existe uma disjunção entre o falar e o ver, entre o visível e o enunciável, como aponta Deleuze:

Em suma, existem procedimentos (procédés) enunciativos e processos maquinicos. Há uma abundância de questões que constituem, de cada vez, o problema da verdade. O Uso dos Prazeres tira a conclusão de todos os livros precedentes quando mostra que o verdadeiro só se dá ao saber através de ‘problematizações’ e que as problematizações só se criam a partir de ‘praticas’, práticas de ver e práticas de dizer. Essas práticas, o processus e o procedimento (procédé) constituem os processos (procédures) do verdadeiro, ‘uma história da verdade’.”viii


Em sua leitura da obra de Foucault, Deleuze parte de Vigiar e Punir e da Arqueologia do Saber, para produzir uma releitura destas duas obras a partir da História da Sexualidade. Em especial de seu segundo volume: O Uso dos Prazeres, que, para ele, mais diretamente representaria um deslocamento em relação à perspectiva das obras anteriores que permanecem prisioneiras do impasse saber/poder. Para Deleuze, essa obra acrescenta um terceiro eixo, distinto do eixo do saber e do poder. Trata-se do eixo do pensamento, que se configura através da disjunção do ver e do falar. Parafraseando o autor, pensar é fazer com que o ver e o falar atinjam seus limites de tal forma que ambos estejam em um limite comum que os relaciona. Pensar vem sempre do fora. O pensamento não encontra nada em si mesmo, exceto este duplicar o fora que nele reside como “impensado”. Pensar é dobrar, duplicar o fora como um dentro que lhe é coextensivo.

Mas como alerta Deleuze,

Esse lado de fora informe é uma batalha, é como uma zona de turbulência e de furacão, onde se agitam pontos singulares, e relações de força entre esses pontos. Os estratos apenas recolhiam, solidificavam a poeira visual e o eco sonoro de uma batalha que se travava por cima deles. Mas, em cima, as singularidades não tem forma e não são nem corpos visíveis nem pessoas falantes. Entramos no domínio dos duplos incertos e das mortes parciais, das emergências e dos desvanecimentos (zona de Bichat). É uma microfísica.”ix


O pensamento afeta a si próprio a partir do interior do exterior. Assim, a topologia do pensamento se consuma dobrando-se ao lado de fora ao lado de dentro, induzindo a interioridades e exterioridades que definem um encontro do Si através do espaço e do tempo mediado pelos estratosx. Pensar é este alojar-se no estrato, no presente que lhe serve de limite, mas buscando pensar de uma outra forma ( futuro), tornando o passado ativo e o presente um fora. Dito de modo diferente, pensar de uma outra forma (futuro) é pensar sua própria história (passado) para libertar-se daquilo que atualmente pensa (presente). Isso altera, evidentemente, o que tradicionalmente compreendemos por pensamento, ou seja, uma faculdade inata. Mas é exatamente essa estratégia que Deleuze vislumbra no “ultimo Foucault” através de seu retorno aos antigos gregos e do resgate do cuidado de si em O Uso dos Prazeres. Neste sentido o cuidado de si funciona como uma linha de fuga.

O que Foucault nos oferece através dos dois últimos volumes publicados em vida de sua História da Sexualidade é uma releitura dos velhos autores gregos onde sua originalidade está apenas no fato de terem inventado uma relação ou campo de forças construído pela rivalidade entre homens livres. Através do cuidado de si, o governo dos outros se torna uma condição do governo de si próprio. Os gregos criaram uma dobra ontológica onde o saber, o poder e o Si estão implicados como uma tripla raiz de problematização do pensamento.

4- Heterotopias e Rizoma: o navio que nos habita

Retornemos agora a imagem do navio como a heterotopia por excelência e como fecunda reserva de imaginação.

A época medieval, segundo Foucault em sua breve conferencia sobre o tema, define o espaço através do ponto como coordenada em uma espacialidade heterogênea e hierarquizada em um plano finito. A partir do sec. XVII, tal espaço começou a ser substituído pela extensão infinita que, na época contemporânea, vem sendo tensionado por um novo tipo de espaço, que é o espaço virtual.

Segundo Foucault, as codificações topológicas de lugar e de localização em uma extensão territorial, passaram a ser concebidos em termos de demografia, fazendo emergir problematizações em torno da questão da vizinhança, tipo de estocagem e circulação de pessoas e coisas. O espaço agora se oferece a nós como uma questão de posicionamento e funcionalidade, exigindo toda uma rede de saber para sua determinação e formatação como uma territoriedade compartimentada através de usos e funções diversas. É como alternativa a esses usos que as heterotopias surgem como um posicionamento outro.

Foucault descreve suscintamente em sua conferência estes vários posicionamentos, mas prioriza o conjunto de relações que definem especialmente os posicionamentos de passagem, os sítios de paradas provisórias ou de trânsito, como as ruas, os cafés, a praia ou, simplesmente o trem ou o ônibus. Falamos de espaços de transitoriedades que perpassam outros espaços, estabelecendo ligações e circulação, linhas fortes e fracas, dobras entre o interior e o exterior, articulando espacialidades e pensamento através de estratégias tanto de assujeitamentos quanto de subjetivação.

Mesmo espaços tradicionalmente representados como privados, fechados ou semi fechados, e dedicados a um posicionamento de repouso, como a casa, o quarto ou o leito, pressupõem uma rede de relações com o lado de fora, são lugares através dos quais se passa de um ponto a outro. Nossa relação com o espaço é definida pelo movimento, pela sobreposição de diversos posicionamentos e agenciamentos. Como diria Deleuze e Gattari, as pessoas, os espaços e as formações históricas são atravessadas por linhas que não se encerram como pontos em uma estrutura, mas florescem como rizomas. Cada uma destas linhas produzem movimentos específicos de territoriarização, reterritoriarização e desterritoriarização.

É possível uma cartografia das heterotopias urbanas desenhando sistemas a-centrados, distituídos de hierarquias e construídos a partir de vizinhanças e linhas de fuga que redefinem constantemente o jogo de forças do espaço estriado da urbs. Mapeia-se, assim, um território existencial ocupado por modos de viver e expressividades. A paisagem é povoada por personagens que criam com e através dela relações de pertencimento. Os sítios heterotopicos, em suas diversas modalidades, definem-se como um lugar de passagem e de produção de subjetividade. Eles sobrepõem o eixo do pensamento aos eixos do saber e do poder na construção do espaço social como um domínio ao mesmo tempo real e virtual.

É esta ideia de movimento, de transitoriedade entre linhas diversas, que define um dobrar do espaço sobre si mesmo, que melhor explica o navio como uma imagem heterotópica radical, como um contra espaço que nos faz deslizar sobre superfícies. Afinal, como explica Foucault, as heterotopias justapõem em um mesmo lugar vários espaços incompatíveis entre si, elas definem multiplicidades, inventando o “fora do tempo” de uma dada sociedade através de um recorte espacial. Como linhas de fuga podem funcionar como espaço possível de criação de autonomia e subjetividade.

Existe uma intervenção apócrifa do espaço urbano, um habitar nômade que floresce no meio da paisagem, que estabelece conexões, define agenciamentos, circuitos, superposições limiares, passagens e intensidades através das quais irrompe o efêmero através de afectosxi, intensidades e fluxos em diferentes velocidades.

5- Da impossibilidade de uma conclusão ou sobre um “conceito que ri”

A ideia de heterotopia busca dar conta de fenômenos que seriam normalmente marginais e inconstantes, que apontam para eminencia de novas representações do espaço social que contrariam os arranjos de poder, as identidades e lugares dominantes em nossas praticas discursivas orientadas por uma racionalidade utilitária. Ela se destina a fugir do convencional, do cotidiano, do pensar normativo e sedentário de um pensamento arborecente. Aplica-se a situações onde o espaço público não é ordenado a partir de uma disciplina estatal e nem mesmo de um objetivo macro politico, mas a partir de múltiplas espacialidades sobrepostas em um mesmo lugar a partir das necessidades de seus usuários e de sua capacidade de produzir e reproduzir este espaço de moto auto gestionário.

Neste sentido, a ideia de heterotopia é deliberadamente vaga e propositalmente provocativa. Ela parte da constatação da imaterialidade das representações sociais do espaço como estratégia de formatação de sua materialidade. Recusa o espaço como um constructo mental, as representações utópicas tão comum entre os urbanistas e agentes públicos, que aspiram a uma racionalização morfológica e harmônica do espaço urbano a partir de convenções normativas.

A ideia de heterotopia é risonha e lança luz sobre o inteiramente outro de um espaço imanente e criativo que atualmente floresce especialmente nos vazios urbanos contra a cidade formal e seus silêncios. Tais espaços só podem ser avaliados através das necessidades que saciam e das estratégias de subjetivação e agenciamentos que lhe formatam a partir das profundezas de sua superfície.


i Trata-se de uma referencia ao O idioma analítico de John Wilkins (https://2serieintegralpaulinia.files.wordpress.com/2018/02/jorge-luis-borges-o-idioma-analc3adtico-de-john-wilkins.pdf) e ao Livro dos Seres Imaginários de Jorge luís Borges, originalmente publicado em 1957, onde a partir da referencia a uma fictícia enciclopédia chinesa, o autor apresenta um insólito bestiário que embaralha qualquer classificação lógica ou racional e provoca estranheza ao pensar ocidental, para o qual é ininteligível, insinuando outros modos de conhecimento. Ver: BORGES, Jorge Luis. O livro dos seres imaginários. Tradução Carmen Vera Cirne Lima. 6 ed. São Paulo: Globo, 1989.


ii FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.8


iii Sobre o assunto ver FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Posfácio de Daniel Defert. [tradução Salma Tannus Muchail]. São Paulo: n-1 Edições, 2013a.


iv FOUCAULT, Michel. Outros espaços. In: ______. Ditos e Escritos III – estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 421 et.seq.

v ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de, Ás Margens d’O Mediterraneo: Michel Foucault, historiador dos espaços in Cartografias de Foucault. BH: Autentica Editora, 2008 ( Coleção estudos Foucaultianos) p. 106 et seq


vi Sobre o sentido das heterotopias, Foucault esclarece que ele não é dado pela formulação de uma “ciência”, palavra tão pepreciada hoje em dia, mas por uma espécie de descrição sistemática, por uma leitura desses espaços ou lugares diferentes, que funcionam como uma contestação simultaneamente mítica e real dos espaços em que vivemos.


vii DELEUZE, Guilles,Foucault. SP: Editora Brasiliense, 1988, p.35


viii Idem.p. 72 et seq.


ix Idem. p. 129


x Em Mil Platôs Deleuze e Guattari definem os estratos como o “juízo de Deus”, pois são planos de organização, os componentes abstratos de qualquer articulação. A estratificação equivale a criação do mundo a partir do caos, compreendem uma dupla articulação, uma dupla pinça, entre as formas e as substâncias, entre os códigos e os meios, um conteúdo e uma expressão, que originam agenciamentos. Nestes, a expressão torna-se um regime de signos ( agenciamento de enunciação) e o conteúdo torna-se um sistema pragmático traduzido por ações e paixões (agenciamento maquínico).


xi O afecto não é a passagem de um estado vivido a um outro, mas um devir não humano do homem. [...] não é uma imitação, uma simpatia vivida, nem mesmo uma identificação imaginária. Não é a semelhança, embora haja semelhança. É antes uma extrema contiguidade, num enlaçamento entre duas sensações sem semelhança [...] in DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que é a filosofia?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, p. 224-25).


Cabe ainda aqui como referencia uma segunda citação:


“ (...) Os perceptos não são percepções, são pactores de sensações e de relações que sobrevivem aqueles que os vivenciam. Os afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles, tornando-se outro (...). O afecto, o percepto e o conceito são três potências inseparáveis, potências que vão da arte à filosofia e vice versa (...): o ritornelo implica as três potencias. In DELEUZE, Guilles. Conversações. SP: Editora 34, 2004, p. 171

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

AS DESVENTURAS DO EU

O mundo não cabe no eu,
O corpo ignora o eu.
O cérebro não  sabe do eu.
A palavra inventa seu próprio eu.
A consciência é  a prisão  do eu.
O eu é  apenas o tu invertido,
A angústia do nós, 
E um sinônimo de ninguém. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

TEMPO, CORPO E MEMÓRIA

O passado é no agora e sempre
Uma atualização constante
Do meu corpo no tempo 
Através da memória.

Ele é transformação e movimento
De uma consciência que se expande
Na persistência de um futuro
Sempre movente.

O passado é o amanhã em movimento
Como lembrança e insistência da vida dentro e fora da imagem tempo,
Na recusa da morte
Através da intensidade
De experiência de ser.