quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O IMPASSE DA VERDADE: DO MODERNO AO PÓS MODERNO

Vivemos uma época em que o velho racionalismo de inspiração iluminista já não nos oferece qualquer segurança e, suas conclusões aparentemente concretas, figuram agora como o resultado débil de uma fé ingenua na racionalidade do mundo. Ao mesmo tempo aprendemos novas formas de perceber  e pensar o mundo.

Paul Zumthor expõe tal dilema de forma dramática e precisa em sua arqueologia simbólica do mito de Babel:

“Existimos em um mundo em migalhas; S.C.Malik evoca uma ‘crise de fragmentação’, o nosso dilaceramento entre as energias sempre ativas da modernidade de ontem e essas outras, incisivamente crescentes, de uma inteligência diferente: por um lado, o dualismo que se diz cartesiano, o gosto vicioso do quantitativo, a predominância dos elementos físicos nas nossas argumentações ; por outro, o aumento dos conhecimentos biológicos e psicanalíticos, com a transformação nocional que eles ocasionam... Todas as enumerações deste gênero não fazem mais que destacar os aspectos do que é menos uma crise do que a emergência de uma nova episteme; menos uma metamorfose intelectual do que a pulsão de uma  outra presença escondida em nós, e que é a nossa própria.”

Paul Zumthror in Babele e o Inacabamento: Uma reflexão sobre o mito de Babel.  Lisboa: Editora Bizancio, 1998,  p. 214

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

ARTE E CONHECIMENTO: ESPECULAÇÕES PÓS MODERNAS

Entre a busca do inumano ou do pós humano  e a superação do conceito de verdade, tento inventar a realidade como estética, como um arranjo subjetivo cada vez mais relativamente autônomo frende as codificações simbólicas e  gramaticas socialmente estabelecidas.

Afinal, o que significa ir além do estabelecido  no plano do pensamento critico em um cenário epistemológico onde , pelo menos aparentemente, já não são possíveis novos paradigmas? O conhecimento foi reduzido a linguagem e como tal não pode nos proporcionar nada mais do que  malabarismos verbais e conceituais. Dai minha preocupação em instrumentalizar a gramatica artística como um recurso a elaboração de imagens subjetivas de mundo e realidade. O conhecimento é de muitas maneiras um jogo. Possui uma dimensão lúdica por muito ignorada pelo objetivismo positivista.  As tramas do discurso e a possibilidade de codificar a realidade e inventa-la como qualquer tipo de narrativa é tudo do que somos capazes.


É muito prudente questionar quais serão, fora do campo da racionalidade instrumental e pragmática, as estratégias de construção de conhecimento mais fecundas em uma cultura global onde o dizer é cada vez mais múltiplo em suas qualificações cientificas e filosóficas. O que define a interação entre  consciências (espaço público) é a intersubjetividade como premissa de todo conhecimento possível a partir dos recursos e perspectivas que se inauguram a partir do artificio nas novas tecnologias. 

DUVIDA RADICAL

“Com efeito, em uma perspectiva estoica, é inútil querer juntar crença à objetividade, à radicalidade do acontecimento! A crença é um valor fraco. Coloco a hipótese de que , por detrás do sistema de crença  com os quais fabulamos um real e lhe damos um sentido, existe em todos ( e não se trata de uma questão de inteligência ou de consciência) um empirismo radical que faz com que, no fundo,  ninguém acredite nesta ideia de realidade. Cada um tem um limiar de radicalidade que lhe dá uma visão do mundo fora de suas ideologias e de suas crenças. Não se deve juntar ao desejo o pathos do desejo. Não se deve juntar à crença o pathos da crença. Não se deve juntar à esperança a esperança. Todos estes valores nos afastam do pensamento. Os estóicos sabiam disso. O importante é encontrar a distancia e o despojamento. Tentar varrer esta proliferação ideológica, subjetiva ou coletiva.”
Jean Baudillardm in O Paradoxista Indiferente: entrevistas com Philippe Petit. RJ: Editora Pazulin, 1999, p.48


Somos pensados por algum sistema de crenças que convertemos em gramatica da realidade. As ideias nos pensam...  Mas podemos duvidar de nossas convicções e tentar perceber a realidade sem filtros ideológicos. É para isso que serve a reflexão filosófica, esta estranha estratégia da consciência para questionar a si mesma e a tudo aquilo que tomamos como verdade. No fundo nenhum de nós encontra-se inteiramente adaptado ou convencido da realidade convencionalmente estabelecida.

Muitas vezes me surpreendo distante de minhas próprias certezas e vazio de mundo. Sou frequentemente acometido por uma duvida radical sobre o sentido das coisas e o valor de qualquer gramatica de mundo.


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A MISÉRIA DA NORMATIZAÇÃO



A normatização da conduta é inerente a qualquer sistema de crenças, seja fechado (dogmático) ou aberto (critico/relativista).  Quando aderimos a uma opinião ou visão de mundo assimilamos determinados padrões de comportamento. Perdemos espontaneidade e passamos a nos comportar de acordo com as expectativas estabelecidas por nossas próprias idealizações do que é ou não é conveniente.

Aderir a qualquer sistema de crenças ou visão de mundo é um ato relacional. Como tal é uma busca por inserção, aceitação e dialogo entre aqueles que reproduzem o mesmo discurso ou conduta. Abdicamos de nos mesmos para viver socialmente uma certeza que personifica um “nós” que nos supre. Trata-se, entretanto, de uma perda de autonomia individual frente ao coletivo.


A adesão a sistemas de crenças inibi a criatividade individual , visto que se baseia em opiniões pré moldadas  e estabelece as conclusões a  que cada um pode chegar. Onde impera a norma não há liberdade de pensamento. Por isso é sempre saudável desconfiar de nossas convicções .  

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

UM POUCO SOBRE A VIDA DOS ENUNCIADOS

O significado de determinado enunciado é tão importante quanto o contexto em que foi construído. Pois não basta a uma narrativa ser pertinente. É preciso que seja interessante às circunstancias e adequada a gramatica imperante em um dado momento. A verdade é um consenso e todo o conhecimento sujeito a ignorância e ao silencio que define qualquer positiva afirmação sobre as coisas. A ignorância sempre nos obrigará a prudência e a conveniência de adequar os rumos da retorica ao gosto dos ouvidos dos outros. É a única forma de não sermos ignorados.

Não importa quão pertinente seja um enunciado. Mais importante é que ele conquiste o publico ou desperte suficiente oposição para ganhar a atenção.  Escritos vivem de leitores e discursos de ouvintes. É sempre destinada ao outro a tarefa de por as ideias em movimento e nutri-las  de emoção até que despertem paixões ou morram de desnutrição.

Esqueçam toda aquela conversa metafisica sobre verdade e as referencias a autoridade dos clássicos. As ideias pensam através de nossas palavras e tentam  sempre a replicação sem limites. Ninguém tem controle sobre isso. Por isso alguns autores se espantam com a recepção de seus livros quando ultrapassados por eles.  Não há nada pior do que ser  tornar um prisioneiro de suas próprias palavras.

domingo, 25 de dezembro de 2016

SOBRE O INACABAMENTO COMO PREMISSA DE NOSSA CONDIÇÃO HUMANA

O inacabamento é a essência da finitude e o trágico destino da existência... Tal constatação me remete a uma passagem muito curiosa do medievalista  Paul Zumthor em seu último livro que , muito apropriadamente, permaneceu inacabado em seu leito de morte....

"Um amigo biólogo afirmava na minha presença que o estatuto do homem é o de um feto extra- uterino. Donde a fragilidade e a extensão da infância; donde a sua indeterminação psíquica e o fato de,  globalmente falando, se tratar de um ser inacabado. E isso é válido, continuava o amigo,  não só para o indivíduo, mas também para a espécie. Do ponto de vista biológico, haverá adultos? A cultura , ia eu pensando no meu íntimo,  ao mesmo tempo que participa deste caráter geral,  tira daí a sua necessidade, pois substitui no ser que nós somos,  a natureza cujo fundamento e limites não são fixos nem estáveis. Na perspectiva semântica, tal como na geométrica,  o sentido do ser- humano ( do facto de ser humano) não é dado. De que modo triunfar deste inacabamento ontológico, quando afinal ele se comunica, como uma infecção, a tudo que nossas mãos moldam, tudo o que nossa inteligência concebe?"

Paul Zumthor in Babel e o Inacabamento: Uma reflexão sobre o mito de Babel. Lisboa: Editora Bizancio, 1998;  p.220

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

SUPERANDO A DIALÉTICA

O mundo, em sua definição mais pragmática, não é um sinônimo de realidade, de objetividade, Ele personifica toda sorte de representação e fantasia que nos acontece no plano da percepção imediata dos fenômenos. Ele é uma constelação de fatos brutos ainda indomados pela interpretação.

Cada momento vivido,  em sua constelação de múltiplas ocorrências internas e externas, é imanência e iminência  de algo que não pode ser antecipado, previsto em suas diversas possibilidades, pois não possui qualquer racionalidade ou propósito.

Isso define a vida cotidiana em sua forma mais crua, em sua vertigem...

O particular despido de universalidade  contradiz a totalidade na coincidência dos opostos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

REALIDADE E CONHECIMENTO



Entre os fluxos de expressão e os fluxos de conteúdos, através dos signos codificamos a realidade em vários ritmos, modos de sensibilidade e estratégias narrativas. A consciência não é em si mesma, mas na forma como percebemos as coisas.

Tendemos a reduzir tudo a uma logica binaria, a um jogo de oposições onde a síntese ou a conclusão nos escapa. É como se o verdadeiro sentido nos escapasse na medida em que não somos capazes de produzir uma coincidência dos opostos, uma transcendência das categorias formais de nossas premissas epistemológicas. Dai a necessidade de subverter a linguagem, de ir além das próprias premissas do entendimento.

O entendimento esta condicionado a um agenciamento pelo próprio desejo de conhecer. Construímos uma relação afetiva com o conhecimento. Nos enamoramos dos objetos que inventamos e, como prova de amor, reduzimos a realidade a seus conteúdos. Tentamos a eles reduzir o fluir do pensamento, Como se ele não fosse instável e provisório em um delírio de interpretação do próprio real.



RESPOSTAS

Perdi muito tempo com respostas fáceis e cômodas,
Me distrai com muitos enganos
Antes de chegar à perplexidade
Como premissa de todo questionamento.

Nossos enganos produzem realidades
No agenciamento de nossos desejos
Mais ingênuos.
Pois o falso e o verdadeiro
Dizem a mesma certeza,
Não passam de uma mesma categoria de consciência.

Perdi muito tempo encontrando respostas
para as perguntas erradas.


INACABAMENTO

Como definir o infinito em uma linha de realidade?
A imaginação não tem limites,
Cria em anarquia as possibilidades do pensamento.
O futuro se desenha como projeto,
Como potencia que desafia o dado
Nas releituras do fato concreto.
Não existem conclusões definitivas.
Tudo que é humano existe sob o signo

Do inacabamento.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NOTA SOBRE A TRANSCENDÊNCIA DO SOCIAL

A possibilidade de representação racional do mundo social no plano epistemológico  torna-se cada vez mais duvidosa. Afinal, o social já não dá mais conta de uma vida coletiva  cada vez mais plural e dinâmica, irredutível a racionalidade instrumental e funcionalista.  Estratégias  comunitárias de construção de identidades e vínculos deram lugar a codificações mais abstratas e fluidas. Nestas o comportamento coletivo é cada vez mais formatado pelo fluxo de imagens e estímulos produzidos pelas novas mídias. Decorre dai uma autonomia maior do individuo nas estratégias de construção de sua identidade e estabelecimento de vínculos societários. Ao mesmo tempo, dar-se no entanto um deslocamento do sujeito e dispersão da identidade. Não mais nos adequamos a nossas personas sociais, mas nos reinventamos constantemente em um exercício de adaptação ao fluxo de experiências efêmeras que compõe o mais imediato dia a dia. Um amalgama de discursos, praticas e usos da realidade estabelecem agora os protocolos da realidade onde nos inventamos como personas de nos mesmos no palco do coletivo. Assim, o próprio coletivo já não é um espaço orgânico racionalmente estruturado a partir de um consenso legitimador de determinadas praticas e representações sociais. Ele se apresenta, ao contrario, como um plano indeterminado onde todos nós co-habitamos dispersos entre signos e conjunturas culturais e simbólicas justapostas. Carecemos hoje em dia de um mapeamento cognitivo de nosso cenário vivencial, das representações de mundo que compartilhamos diariamente. Nenhuma visão de mundo é suficientemente abrangente para reduzir a realidade a uma totalidade dotada de sentido e teleologia. Entre o universo dos significados e o mundo material, agora se impõe o virtual, o ambíguo e o contraditório. O que nos redime de qualquer sentido intencional balizador de nossas ações ou reflexões.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O HORIZONTE DO ALÉM DO HUMANO

Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizestes para superá-lo?” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13

Aprendemos com Nietzsche sobre a impossibilidade da morte de deus sem a superação da forma homem. Este estranho campo de batalha entre apetites diversos que agora se desfaz vitima da violência de seu próprio devir.

Superar ideias fechadas, os conceitos-prisões que definem os humanismos e o orgulho das conquistas da civilização. O pensar racional e conformista é feito de enunciados abstratos que estabelecem a ilusão de domínio sobre a realidade. Tudo que é compreensível e explicável é domesticado. Reduzimos a complexidade dos fenômenos a formulas simples e, assim, tomamos por resolvido o problema que é o mundo. Triste ilusão. Pois nos escapa a própria vertigem e absurdo de nossa condição humana e apenas inventamos uma realidade antropomórfica.

Mas o que nos espera além de toda consciência legada pela civilização? Talvez a reinvenção do corpo e dos sentido sem o peso do pensar metafisico baseado na  verdade objetiva que nos divorcia da concretude de nossa existência  finita em nome da ideia, dos conceitos, do contra-natural. É preciso que nossa ideia de realidade seja de algum modo mortalmente abalada para que este animal malfeito que é homem seja finalmente transcendido.

Sabemos que o humanismo é um conceito recente e demasiadamente moderno e, portanto, perecível.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DEBATE

Como último recurso
Tentei responder a todas as suas perguntas
Calando minhas próprias dúvidas.
Desesperadamente busquei lhe explicar o nada.
Mas fomos envolvidos pela vertigem de nossas ocas palavras
E encontramos em um tumultuado silêncio
A melhor solução.

DENTRO DE UM MINUTO

Dentro de um minuto
No eterno passado do mundo
Direi provisoriamente meu sentimento das coisas.
Dentro dele existo indeterminado
No fluxo impreciso da consciência.
Sou nas sensações e gostos que definem o corpo.
Banal e inútil me desfaço no insignificante.
A vida é superficial,
É insípida como a água  em seu modo de ser essencial.
O significante transborda o significado.

E tudo acontece dentro de um minuto.

domingo, 11 de dezembro de 2016

AFORISMO SOBRE NOSSOS TEMPOS DE PÓS VERDADES

Em tempos de cacofonia de discursos conflitantes que se edificam sobre o cadáver do real, o significante espanca o significado na esquizofrenia dos enunciados.

Ultrapassamos a realidade no império efêmero das opiniões e overdose da razão.
Assim teve início a era da pós verdade.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O INDIVIDUALISMO COMO FUNDAMENTO DO ACONTECER SOCIAL

A vida social é  cotidianamente definida pela tensão e  conflito entre indivíduos. A pluralidade de interesses, perspectivas e sensibilidades que caracterizam os integrantes de um grupo ou sociedade é um dado elementar que verificamos a tomo momento e em toda parte. Muitos leitores, por exemplo, terão criticas a fazer a este texto, enquanto outros tomarão seu partido total ou parcialmente. O fato é que estamos sempre envolvidos em desacordos. Seria mais correto falar de uma federação complexa de indivíduos do que propriamente de sociedade.  A menos, é claro, que tomemos como séria a fantasia republicana fundada no abstrato princípio de soberania popular.

Estamos tão ocupados em reproduzir o que nos ensinaram sobre a realidade, mimetizar comportamentos sociais, que raramente nos ocorre a possibilidade de um estranhamento radical de todos os contextos sócio culturais nos quais estamos involuntariamente inseridos. Fomos induzidos a domesticar nossa singularidade em nome de abstrações racionais que atribuem demasiado valor ao social e suas instituições.


O cotidiano mais imediato de nossos tantos intercâmbios intersubjetivos evidenciam que, mesmo que a cooperação e o compartilhamento de uma série de referencias simbólicos definam os indivíduos inscritos em determinada cultura, ele não elimina as variáveis introduzidas pela peculiaridade das configurações de cada um.  No calculo social, o individuo é uma fator irracional apenas parcialmente controlável. Um enunciado elaborado por um único individuo pode contaminar certa quantidade de seus pares e ser replicado a ponto de constituir uma contra tendência as normatizações até então consensualmente estabelecidas e, em certas circunstâncias, impor-se como normativa emergente. A possibilidade do novo origina-se da iniciativa individual.   Isso não deve ser negligenciado. Pois, se os indivíduos integrantes de qualquer coletivo estão sempre vivenciando algum  tipo de  desconforto em relação as normativas sociais, quando um determinado individuo, elabora uma resposta para seu próprio contexto que também lhes atende, tal reposta não perde seu caráter singular, não se torna “coletiva”, pois, ao mesmo  tempo que se faz objeto de adesões,  também  sofre reelaborações e adaptações. Assim, mesmo uma formulação individual que se torna coletiva por suas consequências sociais, não perde nunca  sua singularidade.

UMA FILOSOFIA DO IMPOSSÍVEL

Sonho possível uma filosofia de questões insolúveis orientada para reproblematização de todas as respostas e soluções até agora imaginadas. Tal filosofia teria por vocação uma narrativa sem qualquer pretensão ou valor , dedicada  a exercícios de imaginação fadados a inconclusão e ao inacabamento. Falo de um exercício de reflexão perpetuamente aberto, indeciso e avesso a qualquer forma de instrumentalização.


Pensar deve ser um exercício lúdico a desafiar nossa ordinária consciência das coisas e mais arraigadas premissas cognitivas.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

FATO E MEMÓRIA

Observo os círculos que uma gota inventa na superfície serena do lago como se fosse o tempo acontecendo em torno do fato do meu nascimento.

O tempo é eterno retorno e esquecimento, enquanto experiência concreta da existência, não uma linha de fatos encadeados em direção ao nada como passamos a imagina-lo depois do seculo XVIII.

O tempo é a medida do inconsciente e se define na sucessão de gerações pelo esquecimento. A seletividade do que é lembrado não depende apenas do vestígio, mas da intensidade de nossas vivencias, de seu impacto passional, impessoal. É ele que define sua conversão a memoria e apropriação consciente como fato histórico.
O passado só é lembrado quando se torna uma presença que nos diz algo sobre o presente.


CORPO E SIGNIFICAÇÃO DO MUNDO


“A palavra não é desprovida de sentido, já que atrás dela existe uma operação categorial, mas ela não tem esse sentido, não o possui, é o pensamento que tem um sentido, e a palavra continua a ser um invólucro vazio (...), a linguagem é apenas um acompanhamento exterior do pensamento” 
(Merleau-Ponty, Fenomenologia da Percepção)


 A objetificação da realidade tornou-se o ponto fraco da modernidade ao estabelecer a ilusão dicotômica entre sujeito e objeto, ignorando a dimensão projetiva da consciência, a indeterminação das fronteiras entre o eu e o mundo. Mais do que isso, ignorou o corpo como lugar da significação das coisas e dimensão intuitiva e instintiva de toda representação do real.

Não existe intencionalidade desvinculada da dimensão irracional inerente ao próprio acontecer humano. Toda percepção do mundo é um estar no mundo e, portanto, experiência e subjetividade. O corpo que somos nós incarna o drama do mundo em nós através da consciência.

A autonomia da linguagem sobre a própria vida e sobre o próprio mundo, seu fechar sobre si mesma, define a ambiguidade do pensamento enquanto fato gramatical e experiência fenomenológica. Existe uma dimensão silenciosa da significação que esta sujeita ao arbítrio do inconsciente enquanto fonte de da própria consciência. O que é dito pressupõe sempre o não dito de nossas compulsões. O próprio conhecimento é um ato instintivo, uma compulsão que formata nossa adaptabilidade ao mundo vivido e experimentado.



quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

MEMÓRIA, HISTÓRIA E "PRESENTISMO"

Tal como o excesso de informação, o excesso de memória nos torna passivos e indolentes através da banalização, do divorcio entre vivificação e cultura, entre mundo e experiência. Já não somos capazes de verificar os rastros do passado dentro do nosso presente. Nem mesmo nos interessamos mais por nossa própria historicidade. Pelo menos do ponto de vista de uma história racional e teleologicamente orientada para o progresso da humanidade. Sob as ruínas da modernidade dilaceramos o mito da razão triunfante e abandonamos as velhas meta narrativas para brincar entre os cacos de seus enunciados.

Somos agora uma pluralidade de forças e tendências em perpetuo devir e a deriva em um tempo presente cada vez mais elástico.

DESCONSTRUINDO CERTEZAS

É preciso lutar contra a arrogância das convicções antes que elas destruam nossas incertezas. O despotismo da verdade é nosso maior inimigo e, ao mesmo tempo, nossa sede, nossa fome. Precisamos lutar também, muitas vezes, contra nós mesmos, contra nossa compulsão a verdade, nossa vocação doentia ao universal e contra a ilusão de que somos plenos senhores de todas as nossas decisões. O decantado  triunfo da razão foi apenas um equivoco triunfante. Não passamos de animais miseráveis, de voluntários prisioneiros nos castelos da boa consciência edificado sobre solidas ilusões. Resta apenas nos refugiar nos subterrâneos das contradições inegáveis para vivermos  algumas noites de danação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

ETERNO RETORNO

Chegará o dia em que não viveremos o passado como antigamente, como uma experiência linear, mas como eterno retorno, como um processo cíclico através do qual a experiência humana do mundo se reedita de modo cada vez mais complexo através das gerações biológicas. Mas no fim das contas é sempre o mesmo em diversificadas roupagens. As mudanças acontecem apenas para perpetuar o mesmo.

Assim, supera-se a ilusão de progresso, de um suposto aprimoramento do gênero humano em interpretações equivocadas do conceito de evolução. Afinal, em termos biológicos a evolução é praticamente um sinônimo de adaptação ao meio. Não pressupõe um juízo de valor qualitativo.


OS LIMITES DA VERDADE


Toda verdade é a realização de um valor e, portanto, personifica um sentido teleológico. O que determina o pensar não é a busca de uma verdade pura, mas a necessidade humana de estabelecer enunciados que tornem o mundo cada vez mais familiar ao próprio pensamento. Mas para tanto, precisa desmistificar a verdade e admitir que qualquer produto do pensamento esta fadado a parcialidade. O pensamento é quase um doer, não pode ser concluído, nunca é conclusivo, mas sempre parcial e inacabado. Muitas das formulações hoje correntes eram inconcebíveis a poucos séculos. O pensamento pressupõe a desconstrução da experiência concreta da realidade.


A VIDA DAS PALAVRAS

Ter uma convicção é replicar uma ideia,
Deixar que ela aconteça através de você
Como ato e palavra.
Talvez as ideias nos  pensem
No universo paralelo dos enunciados.

Ideias inventam o mundo sonhando a realidade,
Dizem quem somos .
Ideias movem pessoas

No suprassumo do idealismo oculto.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

NEO CONSERVADORISMO: A MUDANÇA COMO PERMANENCIA

Cada geração possui uma imagem própria de mundo e um modo próprio de tornar a realidade social previsível e familiar. Para tanto, nossas representações da realidade precisam de uma referencia retrospectiva ou histórica que nos permita definir a especificidade do tempo presente permeando o  cotidiano de significados e roteiros.

Entretanto, a naturalização até mesmo das novidades, tão decisiva em tempos de tecnologias digitais, é agora parte de nossa objetivização do mundo,  orientada cada vez mais por uma dilatação do tempo presente e  alegorização das representações do passado.


Assim, a historicidade já não é mais tão decisiva na construção de nossos referenciais ontológicos. Já não precisamos de identidades, de papeis sociais rígidos,  pois somos cada vez mais híbridos e multifacetados. Isso apenas  significa que a articulação entre permanência e mudança no imaginário contemporâneo vem redefinindo nossas sensibilidades cotidianas. Tendemos cada vez mais a imersão radical no tempo presente, desconsiderando  sua própria historicidade, seja no sentido de uma memoria social, seja no sentido de uma expectativa coletiva de futuro. O imediatismo é nossa filosofia de vida justamente porque tudo parece  mudar  o tempo todo e de modo tão dinâmico, que a própria mudança se tornou permanência, a mais evidente continuidade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

VONTADE E LIBERDADE: A TRANSCENDÊNCIA DO OUTRO

Todo ato de liberdade é dialógico. Somos livres dos outros ou através dos outros. Nunca em relação exclusivamente a nos mesmos.  Por isso não vinculo a liberdade a um agir “responsável” medido por suas consequências, ou ainda  guiado pelos duvidosos preceitos de qualquer moral.

 As regras da liberdade pressupõe o conflito entre o eu e o outro e não a afirmação abstrata de valores ou princípios pretensamente universais. A liberdade é a vontade que se afirma com astúcia contra os imperativos dos fatos dados e das convenções.


A liberdade é um ato de criação e por isso se opõe a toda forma de conformismo. Não podemos  reduzi-la  a falácia da melhor escolha ou do comportamento ético como afirmam os conservadores. Ser livre é pertencer a si mesmo além do bem e do mal. O gozo é um ato privado e solitário. Por isso é livre aquele que na afirmação de si transcende o outro como premissa da afirmação positiva ou negativa de si mesmo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A VIDA COTIDIANA E O DEVIR DA VIDA

O cotidiano e suas micro realidades, é onde a vida acontece no jogo entre continuidades e mutações constantes. Tudo é perene e provisório no se fazer diário de nossos consensos de mundo como representação e rotina.

O domínio do efêmero e do banal é onde a existência ganha ás cores vivas de realidade através do imediatismo da experiência subjetiva. É onde efetivamente existimos, onde as abstrações racionais fazem pouco sentido.

O que torna a existência significativa é justamente a concretude do imediato mais corriqueiro, o existir gratuito como fluxo de momentos aleatoriamente encadeados. Atualmente, o refluxo do pensamento coletivo e das esperanças no progresso da humanidade, levam a um interesse cada vez maior pelo simples senso comum, pelo desenvolvimento de uma consciência do imediato e pelo calculo pragmático de curto prazo como as melhores estratégias para a plena vivencia pessoal da realidade.

A historicidade, enquanto sentido teleológico dos acontecimentos, já não é nítida e muito menos confiável.  Não caminhamos para um mundo melhor. Os anos apenas passam... A vida é o aqui e agora onde vários estilos cognitivos definem  a invenção cotidiana da realidade em suas diversas instancias. Na privacidade da vida domestica não adotamos as mesmas estratégias que norteiam o convívio social, tanto quanto também é diferente daquele que adotamos quando confrontados com nós mesmos e nossa solidão. É como se fossemos varias personas superpostas  que formam , assim, o mosaico que é nossa personalidade, somadas sua dimensão consciente e inconsciente.