sábado, 28 de junho de 2008

LEGADOS E PERMANENÇAS DO IMAGINARIO CELTICO



Em seu competente estudo sobre o druidismo e a cultura celta, W. Rutherford apresenta uma peculiaridade digna de nota: busca identificar as permanências e legados desta cultura no imaginário moderno, nos oferecendo elementos interessantes para a reflexão em torno de sua expressiva marca sobre o imaginário e a cultura ocidental. É neste sentido que julgo pertinente a reprodução aqui de um significativo fragmento de sua obra:

"Em determinado nível, as lendas devem ser tomadas como a sobrevivência de um aspecto do druidismo. Os druidas eram os guardiões da mitologia. As velhas divindades pagãs estão presentes até em versões tão modernas como a de Malory. O que é surpreendente é a facilidade com a qual elas conseguem subsistir com o cristianismo, mesmo da forma como era aceito e praticado no final da Idade Média. A resposta, na verdade, é que o cristianismo céltico era um tipo muito especial, pelo menos aproximado ao tipo original.
Sem duvida alguma, a Igreja céltica era muito diferente das demais. Talvez por ser mais fundamentalista e austero, sempre mais perto do povo e de suas necessidades, o clero se constituía de homens estudiosos e caridosos. E mesmo aqui, em uma religião tradicionalmente antifeminista; havia maior igualdade para as mulheres do que em outras partes. Uma carta ainda existente, datada do séc. VI, e que foi mandada a dois sacerdotes bretões chamados Locvocat e Catihern, adverte-os no sentido de pararem de celebrar a missa com a ajuda de mulheres. Essas mulheres sacerdotisas, chamadas conhospitae, serviam o vinho enquanto os homens sacerdotes distribuíam o pão da eucaristia. Só quando o cristianismo se tornou uma religião estatal, sob o comando de Constantino, passando a ser forçada ao resto do mundo ocidental com essa forma por Carlos Magno, foi que a figura do sacerdote sofreu completa modificação, tornando-se um servidor do estado secular- a propósito, uma situação desconhecida dos celtas, mesmo nos tempos pagãos. No que dizia respeito ao povo, esta imagem trouxe consigo aquele pluralismo por meio do qual os membros do corpo eclesiástico chegaram a possuir títulos de nobreza e até propriedades feudais.
É interessante observar que os celtas estiveram entre aqueles que primeiro aceitaram a Reforma, e foi no País de Gales, na Escócia, na Irlanda do Norte, na Ilha de Man e nas Ilhas do Canal que ela foi mais profunda.
Teria isso acontecido, pelo menos em parte, por causa de algum efeito residual das idéias druidicas sobre os celtas? Não existem duvidas de que as seitas protestantes mais fundamentalistas poderiam ser descritas como cultos de possessão e, de fato, sentir-se-iam orgulhosas por esta descrição. Nas cartas que mandou depois de uma visita à Ilha de Man, John Wesley é pródigo em elogios pelo zelo religioso de seu povo. Em Jersey, onde os sacerdotes huguenotes já eram nomeados para a reitoria de St. Helier desde meados do século XV e continuariam a exercer este cargo mesmo durante a Contra Reforma Mariana, ele encontrou tantos seguidores que logo teve de nomear um sacerdote que falava francês para pastorear o seu rebanho. Este aspecto xamanista deve ter sido notado de maneira especial nos primeiros tempos quando, proibidos de usar edifícios permanentes, eles realizaram suas reuniões a céu aberto, geralmente em lugares remotos onde estavam livres de perseguição.
E, por acaso não existe uma nota fatalista no druidismo, que poderíamos até chamar de calvinista? Ela por certo esta presente nas lendas de Cão Chulainn. John Steinbeck, que morreu no momento em que trabalhava em uma versão da Morte d’ Arthur para os leitores modernos, observa algo parecido ao espírito grego nas páginas desse livro. Quando Arthur sugere a Merlin que o conhecimento do futuro deve permitir ao homem tomar medidas evasivas, o velho mago usa seu próprio caso como exemplo. Apesar de saber muito bem a maneira como vai encontrar sua morte, também sabe que, quando o momento chegar, ele não terá condição de resistir a ela- como fica provado depois.
Se olharmos para o advento do protestantismo, vendo-o como uma das grandes linhas divisórias nas lutas pela liberdade, travadas pelo espírito humano, teremos que reconhecer que pelo menos algumas de suas raízes foram implantadas pelo druidismo. Colocando isso sobre o prato da balança, ao lado dos efeitos que a mitologia, conforme expresssa nas lendas de Arthur, exerce sobre a nossa civilização, teremos de reconhecer a enorme divida que temos para com o passado celta.
É claro que esses efeitos persistem. Uma prova disso está não apenas em sua permanente popularidade- é difícil passar um ano sem que eles reapareçam, de uma forma ou de outra, e nem sempre em “histórias infantis”- mas também na relevância dada a eles pelas sucessivas gerações, cuja maneira de vida é tão diferente daquela que impera nos tempos em que elas vêm a existência. Basta que lembremos-nos de que a Morte d’Arthur foi um dos primeiros livros saídos dos prelos de Caxton.
Quando procurava por um nome para aquela experiência pela qual, segundo seu modo de ver, cada criança do sexo masculino passava, Freud se lembrou do drama Édipo, de Sófocles. Hoje, todos reconhecemos que o profundo efeito exercido em nós pela obra resulta, em grande parte, de sua capacidade de tocar forças que se encontram no fundo de nosso inconsciente. Não podemos evitar a impressão de que existe algo parecido nas lendas arturianas, e de resto em todos os mitos célticos, apesar das distorções com as quais chegaram até nós.
É como se os druidas tocassem determinadas cordas na mente humana, cuja ressonância persiste. Nada exemplifica isso melhor do que as inúmeras histórias nas quais a potência sexual de um homem idoso é ameaçada quando um rapaz começa a cortejar sua filha ou enteada. Como é sabido, os pais de filhas nestas condições, em geral, enfrentam crises psicológicas em momentos assim.
Outro interessante insight céltico é dado por Eliade, em sua obra Imagens e Símbolos. O rei- Pescador cai doente e, à maneira típica dos celtas, sua enfermidade afeta todo o ambiente. As torres desmoronam, os jardins secam, os animais deixam de reproduzir, as águas das fontes deixa de correr e os frutos desaparecem das árvores. Todos os meios conhecidos são usados na tentativa de cura-lo. Mas tudo malogra, até que um jovem cavaleiro chamado Percival ( provavelmente o Peredur das antigas lendas do Pais de Gales) surge de repente entre os cortesões. Ele faz uma pergunta: “Onde esta a taça?” E a pergunta já é o bastante: o rei se levanta de sua cama, permitindo o reavivamento de todo o mundo que o circunda.
Segundo Eliade, “o mundo perece por causa da... indiferença metafísica”. A simples colocação da pergunta é o bastante para mostrar que a indiferença desapareceu.
E esta mesma noção é profundamente inerente às idéias druidicas. Conforme César nos diz, eles gostavam de se entregar à especulação metafísica. Assim, nós encontramos os cavaleiros de Arthur em aventuras nas quais correm perigo de morte, em expedições cujos objetivos declarados são sempre muito diferentes dos verdadeiros. Podemos fazer a pergunta, como é destino dos homens- onde esta a Taça. Mas a resposta ainda não é conhecida. Ou, quando menos, cada ser humano tem a escolha que lhe permite ignorá-la, colocando-se como um moribundo, a exemplo do Rei-Pescador, ou então sair à procura de sua resposta ou, mais provavelmente, apenas de alguma pista a respeito.”


(Ward Rutherford. Os Druidas. Tradução de Jose Antônio Ceschin. SP: Editora Mercuryo, 1994, p.180-182)

WAKING



No primeiro momento do despertar
Não lembro quem sou
Nem sei da vida que levo.
Mínima amnésia
Que quase passa despercebida
No espaço de um instante.
Pois logo visto meu rosto,
Acorda a consciência...
Deixando-me apenas
O abstrato e saudoso gosto
Do vazio do sono
E dos hábitos de sonhos
E outros mundos jamais pensados.

...AND A FLOWER IT TAKES A SUMMER

Invade-me a vontade inútil
De perpetuar o agradável
De um mero instante,
Como se toda a vida
Ganhasse pleno sentido
Na migalha
De uma gota de tempo.
Futuro algum faz sentido
Quando nos guardamos
No aconchego de algum agora,
Quando vislumbramos
A vida inteira plena e estática
Na alma de um perene momento
Em que o mundo quase não existe
Lá fora.
Somos contra o saber do tempo
Como flores
Que ignoram o jardim.

REENCONTRO INTIMO

Em alguma parte do horizonte
Espero encontrar a sombra
Dos meus eus perdidos,
Recuperar sonhos, gostos
E ilusões
Que sustentavam a emoção
De um sorriso.
Sei que em algum lugar de mim,
Fantasmagoricamente futuro,
Aguardam-me com um abraço
Meus rostos passados,
Todas as perdas sofridas
Ao longo da vida.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

TEOGONIA II



De um modo geral, na mitologia das origens surgida na Grécia arcaica, Eros apresenta-se como o grande principio motor e ordenador do cosmos, uma força que impele e que move. Na Teogonia de Hesíodo, podemos observa-lo como um impulso vital, uma espécie de “principio de ligação” capaz de imobilizar e despir de sua divindade o próprio Zeus levando-o a assumir a forma de animais como o cisne ( para seduzir Leda) ou de um touro ( rapto de Europa).
Segundo Diotima de Mantineia no Banquete de Platão, Eros não é propriamente um deus, mas um poderoso daimon, um gênio mediador entre a realidade dos deuses e dos mortais.
Essa imagem arcaica de Eros me parece ter inspirado Jung na definição do binário Anima/Animus, uma vez que é justamente como “principio de ligação” que o feminino é definido por ele enquanto grandeza psíquica. Em contrapartida, o principio masculino, identificado a Logos, parece remeter ao advento da Filosofia e a transcendência do mito.

DRUIDA


À sombra do velho carvalho
Aprendo as palavras do vento,
Descubro o profundo do verde
Que se espalha
Em todas as ditreções
Do dizer da terra.
Leio o céu de hoje
E do ontem
Vagando nas brumas
De algum perdido futuro.
Sou apenas um grão de pólen
Percorrendo vazios
E existências
Na suave canção eterna
Da natureza mãe.
No mais profundo dos ermos
Vislumbro mil liberdades.

TEOGONIA I



Originalmente composta na Grécia dos secs. VIII ou VII a C., a Teogonia de Hesíodo nos conduz a experiência viva da cultura arcaica grega, ou seja, anterior ao advento da polis, do alfabeto e da difusão da moeda. Produto, portanto, de uma tradição oral, os cantos de Hesíodo revelam todo o poder e riqueza simbólica da palavra ainda livre das amarras de um código lingüístico abstrato-conceitual. Predomina neste precioso texto a imagética, o mito e o símbolo personificados pela palavra cantada, receptáculo por excelência da anto-poetica do sagrado.
O nascimento dos deuses e do mundo dar-se a partir da coincidentia oppositorum, da integração dos opostos e do constante jogo dos contrários articulados por uma quaternidade primária em profunda enandiotromia: Eros, Khaos, Terra e Tártaro.
Tal quaternidade é o principio de toda descendência sagrada, do jogo mágico de uniões ( Eros) e dissociações ( Khaos) através do qual nascem as sucessivas gerações de deuses e o próprio cosmos.

domingo, 22 de junho de 2008

NEMETON


Para o homem ocidental deste inicio de milênio, condicionado aos padrões de uma cultura urbana e industrial, a imagem arcaica representada pela antiga cultura celta, que tantas marcas deixou no imaginário europeu ocidental, pode despertar um certo sentimento de evasão e encanto por sua enganosa simplicidade e surpreendente complexidade de significados e conteúdos.
Um dos exemplos disso, certamente não o mais significativo, é a geografia do sagrado personificada em bosques e florestas que traduziam a experiência de uma natureza encantada, de uma materialidade mágica povoada de “poderes” e grandezas” passiveis de interações com a dimensão propriamente humana da existência.
A imagem do “bosque encantado” como personificação do sagrado involuntariamente se contrapõe as diversas imagens de templos e monumentos erguidos pelas mais diversas civilizações urbanas, onde a experiência do irracional é domesticada por abstrações racionais e anti-naturais do sagrado...
Recorro aqui a um antigo trabalho do pesquisador britânico T. G. E. Powell para fornecer um resumido quadro sobre o tema do nemeton:

“... Passemos agora aos recintos de árvores sagradas, imagens e outros objetos de veneração. Com excepção de santuários, como o de Roquepertuse e Entremont, situados numa área particularmente aberta às aquisições de tipo mais refinado, os lugares santos dos Celtas, anteriores ou exteriores ao Império Romano, parecem ter sido do tipo mais singelo.
Uma forma muito generalizada parece ter sido a do bosque sagrado, ou extensão de terreno em que cresciam tufos de árvores. Parece ser esta a implicação geral do vocábulo nemeton, que está amplamente distribuído em topônimos por todas as terras onde passaram os celtas. Alguns exemplos são Drunemeton, o santuário e centro de reunião dos Gálatas da Ásia Menor, Nemetobriga, na Galiza espanhola, Nemetodurum, de que derivou o nome moderno de Nanterre. Na Grã Bretanha havia um lugar Veneraton, e no sul da Escócia um Medionemeton. Na Ilanda, fidnemed queria dizer um bosque sagrado, mas uma glosa latina para nemed dá sacellum, que indica um pequeno santuário ou recinto. Determinado glosário do século VIII contem uma palavra plural ( nimidas) evidentemente derivada de nemeton, e define-a em termos dos lugares sagrados dos bosques, e o cartulário do século XI da abadia de Quimperlé faz referência a um bosque chamado Nemet, mostrando assim a continuidade da tradição celta na Bretanha. Há, igualmente, as referências de autores clássicos aos bosques em que os druidas executavam os seus ritos e sacrifícios, mas a palavra cética em questão não é referida nessas passagens.
(...)
Parece, na verdade, que nemeton pode ter chegado a ter vastíssimas aplicações, e duas categorias há de locais, alem dos bosques, que assim podem ter sido designados. Na primeira contam-se aqueles em que tinham lugar as concentrações anuais do tuath, ou tribo. O centro de Drunemeton, na Gália, e as varias sedes reais da Irlanda, Emain Macha, Tara, Cruachain e outras são possíveis exemplos. Estes ajuntamentos populacionais não poderiam realizar-se convenientemente numa mata, porque corridas, jogos e reuniões públicas de vários gêneros constituíam elementos essenciais desses festivais. Na Irlanda verifica-se que os lugares tradicionais são de fato mais notáveis pelos seus monumentos funerários do que pelos sinais de habitação ou defesa, e na literatura são as elevações funerárias que são recordadas e apresentadas como razão de celebração naquele local.
Na segunda, porem, nemeton parece ter- se aplicado a santuários menores, ou locais, a julgar pela equiparação do termo sacellum, e a uma inscrição dos tempos romanos em Vaiso, Vaucluse, para comemorar o estabelecimento de um nemeton em honra de Belesama. Deve referir-se, certamente, a qualquer espécie de estrutura.”

(T G E Powel. Os Celtas. Portugal: Editora Verbo, 196 ( Coleção Historia Mundi , p. 144 et seq.),

CRÔNICA RELÂMPAGO XXX

Algumas vezes, fazer a coisa certa, realizar em atos nossas mais positivas auto imagens, constitui um erro no aprendizado e experiência do mundo. Nem sempre seguir uma cartilha pessoal de existência é a melhor resposta a dadas situações vividas.
As vezes é imprescindível saber fugir ao próprio rosto e preceitos...desafiar-se e descobrir possibilidades até então não vislumbradas de estratégias de existência.
Na vida, muitas vezes, o mais decisivo é o improviso, o salto no escuro representado pela superação de padrões comportamentais insuficientes para dar conta de situações cuja dinâmica nos obrigam a qualquer novidade.
Isso acontece mais comumente na vida de qualquer pessoa do que se imagina. Mas quase sempre optamos pelo caminho fácil ou cômodo dos continuísmos. Tal atitude conservadora é em grande medida o que nos determina a singularidade do nosso destino e os limites de nossas individualidades.

AUTO CONTEMPLAÇÂO

Procuro viver
Sem saber
o tênue limite
Que diferencia
A dor e o sonho.

Tento ser menos
Do que realmente sou,
Desconstruindo meu suposto eu
Na ignorância de rotas perfeições.


Quero saber apenas
Meu mínimo absoluto
Em um canto de tempo
Onde contemplo
A vida espalhada ao acaso
Entre a bagunça dos fatos.

DIA NUBRADO

Uma paz antiga
Decora-me os atos,
Embriaga o tempo
Que se deixa lento
No fazer das coisas
Entre mansidões
E penumbras.

Há algo
De sonho e infância
No rosto de um dia
Sem sol com sabor de chuva.

Algo que escapa
A palavra
No intenso sentimento
De mim mesmo
Dentro das horas
E do frio.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ENCONTRO E ACASO

Quase não lembro seu rosto,
o contorno do seu corpo
diante de mim
como esfinge.

Nos vimos tão pouco
no viver de nossas personas
em ato e fato
das prisões cotidianas
entre labor e obrigações.


Muito pouco...

Mas na formalidade da ocasião,
do frio do dia,
um sonho acordou de repente
e sem pedir
pelo resto de toda a minha vida.

Assim aprendi seu nome,
sua poesia,
seu calor,
sentimento e sentido
dentro de mim.

LUDICO E SOCIEDADE

Vejo sem usar os olhos
mil coisas de pensamento
e imagens de mundo.

Vejo acasos de sombras nas pessoas,
o fundo escuro dos fatos em caos,
a duvida essencial
contra a qual nos insurgimos
buscando o falso de algum sentido.

Vejo o passado e o futuro
na face do meu presente.

Só não vejo a mim mesmo
brincando em meus entimentos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

SHAKESPEARE AND LOVE



O amor apresenta-se na obra de Shakespeare de modo tão complexo e surpreendentemente familiar que ainda em nossos dias são publicadas coletâneas de citações do velho bardo sobre o tema. Um bom exemplo é o “livro presente” Helen Exley intitulado Shakespeare e o Amor, originalmente publicado no reino Unido em 1999 pela Exley Ptd.
Na obra de Shakespeare, vale dizer, o amor surge como um jogo de linguagem e um desregramento dos atos e pensamentos. Ele é como um raio fulminante a transfigurar a razão e os sentimentos.


“ O amor não é mais do que uma loucura
podendo eu asseverar-vos que merece
quarto escuro e chibatadas, da mesma forma
que os dementes”
(Como Gostais, III : ii)


Sarcasmos como esse misturam-se em sua obra a representação do amor como expressão do maravilhoso, das extravagâncias e obsessões ocasionadas por suas fantasias e atmosfera feerica.
Por outro lado, sujeito ao capricho das dificuldades, sejam aquelas impostas pela família, a sociedade ou pelo próprio destino, a maior fonte de incerteza do amor esconde-se em sua própria natureza. Pois o amor em Shakespeare é também inconstância e incerteza; é como o olhar que corre...

“ O amor é pleno de contradições;
menino caprichoso, trapalhão,
Ele nasce no olhar e, como o olhar,
Cheio de formas soltas, usos, hábitos,
Muda de tema com o olhar que corre,
Variando de objeto como o que v~e.
( Trabalhos de Amor Perdido, V ii, 700-5)


Nada disso, entretanto, apaga a poesia dos amantes, a iniciação e sabedoria personificada pela experiência amorosa, pela contemplação mágica dos olhos da amada .

“ Isso aprendi dos olhos femininos:
Deles tirou sua chama Prometeu;
Eles são livro, arte, academia,
Em que o mundo se mostra e
Se alimenta."
( Trabalhos de Amor Perdido, IV, iii, 350-4)


Em Shakespeare encontramos o amor codificado em uma linguagem que, embora ainda não corresponda a formula moderna do amor romântico, também não se enquadra inteiramente na codificação do amor cortês, embora dela esteja de alguma maneira mais próxima...

SKEPSIS ( INDAGAÇÃO) II


Toda reflexão autêntica, pressupõe uma suspensão do juízo e tem como meta uma serenidade do pensamento. Algo que apenas podemos conceber quando transcendemos as armadilhas das certezas e significados fechados em conceitos, quando a idéia de verdade dissolve-se em um fluir de possibilidades e diversidade de sentidos.
Desta forma, toda reflexão autêntica é inconclusiva, provisória e fragmentada e se define como um ato de imaginação.
A realidade não passa, afinal, de um sonho aberto em mundo e matéria...

terça-feira, 17 de junho de 2008

SKÊPSIS ( INDAGAÇÃO) I

"O verdadeiro cético não é aquele que duvida de propósito deliberado e que reflete sobre sua dúvida; nem mesmo aquele que não crê em nada e afirma que nada é verdadeiro, outro significado da palavra que deu lugar a muitos equívocos. É aquele que de propósito deliberado e por razões gerais duvida de tudo, exceto dos fenômenos, e permanece em dúvida.” (Victor Brochard).


Uma colagem de idéias e fragmentos de imagens e pensamentos é o que chamo de reflexão contemporânea. Trata-se de um exercício de fantasia e linguagem que já não mais se orienta por qualquer referencial de verdade, pela "certeza do significado" ou sua correspondência direta a um objeto.
O ato de pensar tornou-se performance , uma teleológica construção subjetiva e aberta mediante a qual inventamos e reinventamos o mundo.Algo alem disso? Tudo depende do temperamento de cada pessoa. Já não perseguimos fantasmagóricas sombras de universais... Somos todos filhos de Pirro.

The Word’s Morning

Compartilho a manhã
Com os anônimos rostos
Da multidão
Em fluxo.

Vivo entre os outros
A banalidade de ritos
Que definem uma nova manhã
No acordar do dia.

Mas sei apenas de mim mesmo
Nos cotidianos atos de existência.

Save me from that...


A previsibilidade das horas seguintes
Domesticam o inesperado.
Nada sei de mim
Nos atos vagos em cenário de labor.

Save me from that...

Um arcaico vento do norte
Visita meu rosto
Acordando lembranças
De coisas jamais vividas.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

NADA

Neste instante
Coisa alguma me importa.
Apenas a inércia
De estar em lugar algum
Trancado em mil silêncios.

O mundo lá fora
É como um distante sonho triste,
Algo que me escapa inteiramente
No exercício
Do meu viver provisório.

Neste instante,
Reúno todos os meus nadas,
Dou-me as costas
E rasgo todos os pensamentos.

domingo, 15 de junho de 2008

MORTE E CULTURA



“A morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que ele deriva sua autoridade.”


( Walter Benjamim in O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov in Magia e Tecnica, Arte e Politica: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura
Obras Escolhidas. Vol I / Tradução de Sergio Paulo Rouanet. SP: Brasiliense, 4º ed.; p.208 )


Falar sobre a morte é antes de tudo um modo de falar sobre o sentido instintivo e humano de toda narrativa possivel, de nosso modo de construir o real como linguagem e fato vivido.
Mas a morte também é um fenômeno limite, algo que desafia nossas melhores certezas e imaginações de mundo nas convenções cotidianas do exercício de viver, já que toda vida guarda o germe do seu desfalecer e apagar-se na “irrelevância” do fazer-se de todas as coisas vividas em prol de sentidos e significados. De certa maneira, vivemos para morrer e ver morrer...
O que me parece, entretanto, significativo, é que em nosso tempo, mesmo esta obscura dimensão do existir humano já tenha se tornado monopólio de especialistas, uma questão de saúde pública...
Neste sentido, reproduzo aqui um fragmento do historiador francês Philippe Áries, em seu clássico História da Morte no Ocidente, que enfoca a experiência tradicional “do se morrer” no Ocidente como um ponto de reflexão sobre aquilo que, pelo menos na antiga Grécia, nos diferenciava dos deuses, ou seja, a mortalidade. Hoje em dia, possuímos, afinal, rituais de sepultamento e luto, mas a morte tornou-se “selvagem” e estranha, um domínio da medicina e dos hospitais:


Time for Dyng ( fragmento)


"No ritmo em que vão as coisas, certamente tudo se passa como se esquecêssemos como se morria há apenas trinta anos. Em nossos países de civilização ocidental isso se passava de maneira muito simples. Em primeiro lugar, o sentimento (mais que pressentimento) de que tinha chegado a hora: “ Um rico lavrador, sentindo a morte próxima...” Ou um velho: “ Enfim, sentindo-se perto do termino dos seus dias...” Um sentimento que nunca enganava: cada individuo era, ele próprio, o primeiro a ser avisado de sua morte. É o primeiro ato de um ritual familiar. O segundo era preenchido pela cerimônia pública das despedidas, à qual o moribundo devia presidir: “Fez com que seus filhos viessem e lhes falou sem testemunhas...”ou, ao contrário, diante de testemunhas; o essencial era que dissesse alguma coisa, que fizesse seu testamento, que reparasse seus erros, que pedisse perdão, que exprimisse suas últimas vontades e, que se despedisse. “ Aperta a mão de todos, e finalmente morre.” É tudo. Assim as coisas se passavam normalmente. Convinha que o moribundo morresse sem pressa mas também sem lentidão, para que a cena das despedidas não fosse nem escamoteada nem prlongada. A Fisiologia e a Medicina respeitavam, na maioria das vezes, a duração media exigida pelo costume. Este, portanto, só era contrariado em casos excepcionais, como a morte súbita e “improvisada” ( a subitânea et improvisa morte, libera nos, Domine); a trapaça do moribundo que se recusava a reconhecer os signos sempre claros
Do fim (pratica denunciada e ridicularizada pelos moralistas e satíricos); uma irregularidade da natureza, quando o moribundo não acabava de morrer.
Hoje nos damos conta de que esses casos, outrora raros e aberrantes, tornaram-se modelos. Deve-se morrer como antigamente não se devia. Mas quem decide sobre o costume? Primeiramente, os donos do novo domínio da morte e das suas móveis fronteiras- a equipe do hospital, médicos e enfermeiras, sempre certos da cumplicidade da família e da sociedade.
(...)
A morte recuou e deixou a casa pelo hospital; esta ausente do mundo familiar de cada dia. O homem de hoje, por não vê-la com muita freqüência e muito de perto, a esqueceu; ela se tornou selvagem e, apesar do aparato cientifico que a reveste, pertuba mais o hospital, lugar da razão e da técnica, que o quarto da casa, lugar dos hábitos da vida cotidiana.”


(Philippe Áries. História da Morte no Ocidente/ Tradução de Priscila Viana de Siqueira. RJ: Ediouro, 2003, p. 290 et seq)

FREEDOM

No saber dos limites
De mim e do mundo,
Descubro infinitos
No impreciso sopro
De um vento sem nome.
Gente e lugar algum
Me aguarda em retorno.
O horizonte distante
É todo o meu passado
E futuro.
Tudo que sei
É o céu aberto
Como caminho,
Angustia
E susto
De descobrir-me
Perigosamente livre.

1968: 40 ANOS DEPOIS IV








O que faz dos anos 60 uma década singular, dentre outras coisas, é a afirmação da juventude enquanto símbolo e movimento social contra o “sistema” e a própria sociedade. Em outras palavras, a partir de então “ser jovem” ganhou um significado inédito, passou a representar a possibilidade de uma leitura singular de vida, da existência e do mundo, do ponto de vista da independência e da ruptura pessoal com os lugares comuns dos valores sociais e morais consensualmente estabelecidos e institucionalizados.
Em breves palavras, somos um pouco em tudo, ainda, herdeiros do On the Road de Jack Keurouac (1957), da Arte Pop produzida por Artistas como Andy Warhol, Roy Lichetenstein e Robert Indiana, pela musica dos Beatles, do The Who, Roling Stones, da nouvelle vague do cinema francês Jean-Luc Godard ( Acossados), da magia hippie da portuária cidade de São Francisco, que pregava a paz e o amor e o poder da flor(flower power), tanto quanto do movimento dos negros americanos (black power), dos gays (gay power) e de liberação da mulher (women's lib), que mobilizaram jovens em diversas partes do mundo em torno da busca de um novo imaginário, de uma afirmação do plural e da diversidade contra o monoteísmo moral, religioso e político que, em nossos tempos contemporâneos, ainda se mostra um adversário nada desprezível.
Evidentemente, não nos nutrimos do mesmo sentimento utópico que fez explodir o já idoso “anos 60”. Mas de muitas maneiras, reciclamos posturas, bandeiras e buscas, na intensa angustia de afirmar nossas duvidas, fracassos, gritos e, acima de tudo, instintivo e caro compromisso com a liberdade acima de qualquer outro principio e valor que nos seja imposto por qualquer fantasioso “pacto social”.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

SUBJETIVIDADE

Vivo em um minúsculo
Pedaço perdido de mundo,
Em um inventado espaço
De perenes realidades
Em movimento.

Inexistente lugar
De mim mesmo
Em consciência das coisas,

Vivo
Em buscas tolas de felicidades,
De caminhos e horizontes,
Que me conduzam simplesmente,
Mais profundamente,
A mim mesmo
Até o limite do rosto.

Apenas existo no que não existe
No delicado tecer das quatros paredes
E direções de mim mesmo.

Meu mundo
É a vastidão abstrata
Do meu obscuro eu.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

ILUSÕES E VERDADES

Não creio nos fatos.
Sei a ilusão das virtudes
E o quanto à existência
Não acontece nos atos.

Em desleituras de mundo
Vislumbro noites
De pensamento
E a infenuidade da verdade
Nos absurdos de toda fé.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

LITERATURA INGLESA XXX


Dentre o sem numero de pessoas que assistiram a versão épica cinematográfica do Senhor dos Anéis do diretor e roteirista neo zelandes Peter Jackson, um numero muito significativo não teve a prévia experiência direta desta, então adaptada para o cinema, maior obra do escritor britânico J.R.R. Tolkien ( ( 1892-1973). Não significa isso que sua obra não tenha sido lida e difundida antes de sua versão cinematografica. Afinal, Tolkien não foi absolutamente um "autor qualquer", podemos considera-lo o maior narrador de histórias do século XX, o construtor de uma mitologia contemporânea que nos ensina a contemporaneidade da linguagem e imaginação mítica, mesmo em tempos de "realismos".
Não por acaso Tolkien, que escrevera descontinuamente o Senhor dos Anéis como um desdobramento do Hobbit, entre os anos de 1936 e 1949, desaprovava as interpretações da obra como uma analogia simbólica ou alegórica da Segunda Guerra Mundial. Pessoalmente, acho que o livro nos fala de valores inspirados em uma representação do passado europeu arcaico/pagão. Indo mais fundo, ele é também uma critica ao poder, personificado pelo anel e sua potencial corrupção absoluta. No delicado e sutil jogo de interesses que define a existência coletiva quase nunca nos orientamos pela materialização do que temos de melhor em nossa humana condição...
No prefácio que acompanha a edição da obra de Tolkien em português, reproduzido lamentavelmente sem determinação cronológica e contextualização, o autor apresenta-se justamente como um singular e solitário contador de histórias, um narrador único e sem pares:

“O Senhor dos Anéis foi lido por muitas pessoas desde que finalmente foi lançado na forma impressa, e eu gostaria de dizer algumas coisas aqui, com referência às muitas suposições ou opiniões, que obtive ou li, a respeito dois motivos e significados da história. O motivo principal foi o desejo de um contador de histórias de tentar fazer de uma história realmente longa, que prendesse a atenção dos leitores, que os divertisse, que os deliciasse e às vezes, quem sabe, os excitasse ou emocionasse profundamente. Como parâmetro eu tinha apenas meus próprios sentimentos a respeito do que seria atraente ou comovente, e para muitos o parâmetro foi inevitavelmente uma falha constante. Algumas pessoas que leram o livro, ou que de qualquer forma fizeram uma critica dele, acharam-no enfadonho, absurdo ou desprezível; e eu não tenho razões para reclamar, uma vez que tenho opiniões similares a respeito do trabalho dessas pessoas, ou dos tipos de obras que elas evidentemente preferem. Mas, mesmo do ponto de vista de muitos que gostaram de minha história, há muita coisa que deixa a desejar. Talvez não seja possível numa história longa agradar a todos em todos os pontos, nem desagradar a todos nos mesmos pontos; pois, pelas cartas que recebi, percebo que as passagens ou capítulos que para alguns são uma lástima são especialmente aprovados por outros. O leitor mais critico de todos, eu mesmo, agora encontra muitos defeitos, menores e maiores, mas, infelizmente, não tendo a obrigação de criticar o livro ou escrevê-lo novamente, passará sobre eles em silêncio, com exceção de um defeito que foi notado por alguns: o livro é curto demais.”

( J RR Tolkien. Prefácio in O Senhor dos Anéis/ tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves, Almiro Pisetta; revisão de técnica e consultoria Ronald Eduard Kyrme; coordenação Luis Carlos Borges- SP: Martins Fontes, 2001; p. XIV)

Deixo aqui o pouco de um fragmento/momento poético do Senhor dos Aneis, personificado por uma canção citada em um devaneio do Hobbit Bilbo em dialogo com seu sobrinho Frodo, para dizer em detalhe a magia arcaica que encanta na obra de Tolkien:

Sentado ao pé do fogo eu penso
Em tudo o que já vi,
Flores do prado e borboletas,
Verões que já vivi;

As teias e as folhas amarelas
De outonos de outros dias,
Com névoa e sol pela manhã,
No rosto as auras frias.

Sentado ao pé do fogo eu penso
No mundo que há de ser
Com inverno sem primavera
Que um dia hei de ver.

Porque há tanta coisa ainda
Que nunca vi de frente:
Em cada bosque, em cada fonte
Há um verde diferente.

Sentado ao pé do fogo eu penso
Em gente que se desfez,
E em gente que vai ver o mundo
Que não verei de vez.

Mas enquanto sentado eu penso
Em tanta coisa morta,
Atento espero pés voltando
E vozes junto à porta.

( idem; p.290)

Mas cabe aqui ainda, antes de encerrar, uma última citação; um retalho rasgado, da obra do critico alemão Walter Benjamim sobre a decadência da narrativa que nos ajuda a melhor compreender a posição impar ocupada por Tolkien no cenário da literatura inglesa:

“O primeiro indicio da evolução que vai culminar na morte da narrativa é o surgimento do romance no inicio do período moderno. O que separa o romance da narrativa ( e da epopéia no sentido estrito) é que ele está essencialmente vinculado ao livro. A difusão da imprensa. A tradição oral, patrimônio da poesia épica, tem uma natureza fundamentalmente distinta da que caracteriza o romance. O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa- contos de fada, lendas e mesmo novelas- é que ele nem procede da tradição oral nem a alimenta. Ele se destingue, especialmente, da narrativa. O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relata para os outros. E incorpora as coisas narradas a experiência dos seus ouvintes. O romancista segrega-se. A origem do romance é o individuo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los.
(...)
Devemos imaginar a transformação das formas épicas segundo ritmos comparáveis aos que presidem aos que presidiram a formação da crosta terrestre no decorrer dos milênios. Poucas formas de comunicação humana evoluíram mais lentamente e se extinguiram e se extinguiram mais lentamente.”

(Walter Benjamim. O narrador. Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov; in Magia, Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Vol. I, tradução de Paulo Rouanet. 4º ed, SP: Btrasiliense; p.201.)

FINITUDE

Entre o passado
E o futuro
Dormem noites
E adiamentos.

Amanhãs
Quase nunca chegam
Negando as cruas utopias
Dos nossos caros desejos.

Caprichoso é o vento
Do destino
A passear sem rumo
Entre os acasos
De céu e terra.

Linhagem alguma é livre
Dos segredos da deusa
Fortuna.

Tudo aquilo que existe
Guarda o selo de um fim.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

CRÔNICA RELAMPAGO XXIX


Uma manhã qualquer surpreende-me na gratuita perplexidade de estar vivo. Uma manhã limpa, inédita, com gosto e cheiro de gratuita novidade. Talvez o dia, entretanto, seja igual a qualquer outro, um mero recorte cronológico para o exercício de rotinas e personas. Como de costume, ao final de tudo, me deitarei vestido de noite sobre vazios e sombras na expectativa desbotada do amanhecer seguinte. Não importa... Basta-me agora comer a manhã com os olhos e buscar um abraço em suas paisagens cobertas de orvalho.
Alguns momentos da existência, afinal, não precisam ter realidade. É suficiente que existam etereos e incertos dentro da gente, que nos façam não pensar em nada, na embriagante sensação mágica da perenidade de um simples instante de devaneio, pensamentos e saudades sem nome.

domingo, 8 de junho de 2008

ROCK AND ROLL, UMA HISTóRIA SOCIAL BY PAUL FRIEDLANDER



ROCK AND ROLL, UMA HISTÓRIA SOCIAL de Paul Friedlander, é definitivamente uma referência impar para os interessados na história e significado cultural do Rock no século XX e, de muitas formas, enquanto fenômeno sociológico e comportamental ainda contemporâneo. Professor da Universidade de Oregon de História do Rock e membro da Associação Internacional para o estudo da musica popular, o autor nos oferece um quadro realmente completo da evolução e impacto sócio cultural desta significativa vertente da musica popular contemporânea mediante uma cuidadosa analise de seus diversos estilos e variações simbólicas/identidárias.
Cabe frisar que Friedlander adota como referência o conceito de pop rock no estudo do tema. Opção terminológica que justifica da seguinte maneira:


“ Cada livro sobre rock vem com sua própria definição do termo. Alguns autores utilizam “rock and roll” para denotar a musica dos anos 50 e “rock” para representar todos os estilos subseqüentes. Nós utilizamos uma abordagem ligeiramente diferente. A musica compreendida neste livro é o “pop/rock”. Isto reflete uma natureza dupla: raízes musicais e líricas derivadas da era clássica do rock (rock) e seu status como uma mercadoria produzida sobre pressão para se ajustar a industria do disco (pop).
Os numerosos estilos criados durante os primeiros trinta anos do pop/rock receberam nomes específicos segundo suas raízes, características musicais, conteúdo das letras e a relação com o meio político e cultural que os circundavam. Assim, a musica de Chuck Berry, Elvis e outros artistas dos primórdios denomina-se de “rock clássico”, enquanto seus descendentes da Bay Área do final dos anos 60 são chamados de artistas de rock de “San Francisco”.


(Paul Friedlander. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4º ed, RJ: Record, 2006, p.12)


Um aspecto interessante de sua pesquisa é a proposta de uma experiência mais profunda deste gênero musical a partir de um método que, indo além da vivência direta e espontaria do ouvinte/ consumidor conduz a uma perspectiva analítica e a um nível diferente de audição. Nas palavras do autor:

“... Outro tratamento que se pode dar a esta musica é seguir uma abordagem conhecida como “analítica”. Para isto é necessário ouvir uma peça musical com o objetivo de coletar uma grande gama de informações sobre ela. O ouvinte, então, passa a ter condições de realizar julgamentos próprios sobre a natureza da musica, sua qualidade em relação a outras musicas e seu contexto social. Usando o exemplo anterior, o ouvinte pode imaginar por que esta versão de Respect é tão poderosa, escutando para ver quais instrumentos estão sendo tocados e que marcações são enfatizadas. Ele também pode refletir sobre a experiência gospel de Aretha para explicar a potência da sua voz. E pode pesquisar a história pessoal da artista ou seu atual estilo de vida para descobrir um fato-como um marido desrespeitoso- que explique a urgente necessidade de respeito que o artista pode estar sentindo.
Descobrir, organizar e raciocinar sobre o significado de uma extensa gama de informações relevantes enriquece nosso entendimento da obra musical.”


(Paul Friedlander. Rock and Roll: Uma História Social. Tradução de A. Costa. 4º ed, RJ: Record, 2006, p.13)


Tudo isso nos conduz aquilo que o autor chama de “janela do Rock”, em outras palavras, um modo de entender musica a partir da perspectiva analítica aqui sumariamente apresentada.
Em linhas gerais, portanto, o “usuário de rock” encontra nesta singular obra sugestões úteis para um aprofundamento de sua experiência sonora/existencial. Isto é, transcendendo o nível direto e emocional orientado pela mera intuição, o ouvinte e “participante” da magia do rock pode construir uma compreensão maior de suas opções mediante a reunião de um numero significativo de informações sobre uma determinada banda ou cantor a ponto de melhor avaliar sua simpatia e envolvimento pessoal com determinado estilo ou banda.
Se o rock and roll é mais do que um gênero musical e uma industria, se constitui um verdadeiro ethos social, a pesquisa de Friedlander certamente muito nos acrescenta a compreensão de sua contemporaneidade, significado cultural e vivências anônimas.

FÉ E FALÁCIA



Levo o passado
Nos olhos
Buscando desesperadamente
Apenas futuros.
Sei que é preciso
Saber caminhos
Mais do que
A própria vida,
Esquecer a fome
De céu e infinitos,
Seguir adiante
Nos atos
Como se cada dia
De fato me levasse
A algum lugar mágico
Dentro do tempo.

sábado, 7 de junho de 2008

MONTY PYTHON’S FLYING CIRCUS



Basta rever alguns episódios da série Flying Circus exibida pela BBC em fins dos anos 60 e inicio dos anos 70 para saber o quanto o a obra de Graham Chapman, John Cleese, Terry Guilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palim, permanece atual e provocante. Afinal, o que faz o humor do Monty Python ser profundamente singular e fascinante é o dizer através de muito sarcasmo uma realidade elementar e banal cuja validade se aplica a qualquer época ou período da História humana: a sociedade e a vida não passam no fundo de um grande e inútil circo.
Esta talvez seja a essência da “filosofia do Riso” inventada por estes mestres britânicos da comédia que como ninguém mais conseguiu transformar o horror cotidiano de nossos desertos vividos em fino humor.
Clássicos como The Spanish inquisition e The Ministry of Silly Walks são profundamente contemporâneos, revelam o quanto o velho circo voador, com o fascínio e estranheza de um disco voador, ainda pode assaltar nossos horizontes lembrando-nos do ridículo e absurdo que adornam a elementar inutilidade da vida e de nossas tão valiosas e despropositadas ambições cotidianos.
Acreditar em alguma coisa? Bom, apenas que a única saída diante de tudo é rir, enquanto isso ainda for possível... Es o sentido da vida...

INCERTO TEMPO INTIMO

Tenho saudades
De mim mesmo
E dos meus passados perdidos.
Todo tempo presente
É insuficiente
Para o exercício perfeito da vida.
Apenas
Entre passados e futuros
Posso dizer-me nos dias,
No jogo de perdas,
Ganhos e vazios
Que chamamos existência.
Na micro física da imanência
Vislumbro o materialismo
Da mais concreta eternidade
Saboreando silêncios e hiatos
No intimo e vivido
Sabor e saber dos meus tempos.

A ETERNIDADE DA FINITUDE



Não sou do tipo que acredita em metafísicas, no engodo da eternidade das almas. Para mim, a única eternidade possível é a dos ecos dos nossos atos no tempo.
A realização do eterno é, assim, portanto, paradoxalmente uma construção e uma conquista edificada por tudo aquilo que materializamos no mais concreto do tempo.
Escrever livros, compor musicas ou versos, ter filhos, construir um grande império financeiro ou uma pequena casa... não há limites para possibilidades de perpetuação de cada individualidade humana através da realização de uma marca única no infinito universo de experiências de sua existência concreta.
Talvez isso seja no fundo um desafio, pois somos educados para a obscuridade de cumprir mecânicas rotinas na performance das personas quase impessoais que vestimos para adaptação ao existir social.
Infelizmente, grande parte da nossa curta existência é dedicada ao esforço ingrato de imediata sobrevivência ... Mas na soma dos anos revela-se um padrão singular de experiências e realizações que nos diz quem somos e fomos e o tamanho do eco dos nossos atos.
Bom, tudo isso me passou a pouco pela cabeça através da releitura gratuita de um pequeno poema de D H Lawrense...


THINGS MEN HAVE MADE


Things men have made with wakened hands, and put soft life
Into
Are awake throught years with transferred touch, and go on
Glowing
For long years.
And for this reason, some old things are lovery
Warm still with the life of forgotten men who made them.


COISAS QUE OS HOMENS MOLDARAM


As coisas que os homens fazem com as suas mãos despertas,
Passando-lhes uma tenra vida,
Ficam despertas através dos tempos, com aquele contato transmitido,
E continuam a fulgir
Por longos anos.
E é por isso que algumas coisas antigas são tão belas-
Cálidas ainda da vida dos homens esquecidos que as fizeram.
( tradução de Aila de Oliveira Gomes)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

FACT

Todo fato
É um hiato
Entre a verdade
E a vontade,
Uma quase certeza
Ou absurdo raso
De intuições e acasos.

Todo fato
É uma leitura
Algo obscura
Do ato do pensamento.

O mundo não diz
Realidades
Nos porões do verbo

It’s done...

quinta-feira, 5 de junho de 2008

BIO-POLITICAS, CONTEMPORÂNEIDADE E FANTASMAGONIAS


Um dos mais decisivos aspectos da contemporaneidade é aquilo que, muito impropriamente, podemos chamar de suas fantasmagorias, o universo de medos e incertezas coletivas que aos poucos vão condicionando ou inibindo a ação e opções dos indivíduos. Um dos seus exemplos é o medo, real e imaginário, de um terrorismo global, tanto quanto, em outra dimensão e recuando um pouco até os anos 80 do último século, o profundo impacto comportamental representado pelo medo da AIDS, então recém descoberta, bem como o anti tabagismo contemporâneo, a obsessão por uma vida saudável como estratégia de saúde e prolongamento da própria existência muito significativamente ancorada, quase sempre, em um delirante determinismo e utopismo genético.
Creio que tais fantasmagonias devem ser lidas em profunda associação com o conceito de Michel Foucault de bio-poder. Vale esclarecer que tal conceito foi originalmente utilizado por ele na analise do complexo conjunto de poderes e saberes configurados pela medicina no Ocidente e que, a partir do séc. XVIII e XIX, inspiraram políticas, técnicas e práticas de regulamentação e disciplinação da vida de indivíduos e populações cuja analise é vital para uma real compreensão da dinâmica do estado e cultura moderna e “pós-moderna” ou “contemporânea”.
Deixando falar o próprio Foucault:

“ Concretamente, este poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século XVII, em duas formas principais; que não são antitéticas e constituem, ao contrário, dois pólos de desenvolvimento interligados por todo um feixe intermediário de relações. Um dos pólos, o primeiro a ser formado, ao que parece, centrou-se no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na exortação de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos- tudo isto assegurado por procedimentos de poder que caracterizam disciplinas : anátomo-politica do corpo humano. O segundo, que se formou um pouco mais tarde, por volta da metade do século XVIII, centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte de processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevitude, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma bio-politica da população. As disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois pólos em torno dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida. A instalação- durante a época clássica, desta grande tecnologia de duas faces- anatômica e biológica, individualizante e especificante, voltada para os desempenhos do corpo e encarando os processos da vida- caracteriza um poder cuja função mais elevada já não é mais matar, mas investir sobre a vida, de cima para baixo.
A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida. Desenvolvimento rápido, no decorrer da época clássica, das disciplinas diversas- escolas, colégios, casernas, ateliês; aparecimento também, no terreno das práticas políticas e observações econômicas, dos problemas de natalidade, longevitude, saúde pública, habitação e migração; explosão, portanto de técnicas diversas e numerosas para obterem a sujeição dos corpos e o controle das populações.”

(Michel Foucault. História da Sexualidade I : A vontade de saber/ tradução de Maria Theresa da Costa Albuquerque e J A Ghilhon de Albuquerque. RJ: Graal, 1977, p.131)


Considerando as profundas mudanças ou revoluções comportamentais do século XX, especialmente a impulsionada por dois de seus mais expressivos e significativos momentos culturais: os anos 20 e 60, (que diga-se de passagem, ainda carecem de analise em termos de significações e desmembramentos),cabe dizer que, sob muitos aspectos, os novecentos, propiciaram uma afirmação do indivíduo sobre as dinâmicas de controle social então consolidadas pelas racionalidades modernas . Mas é justamente este significativo avanço que é hoje em dia ameaçado pelas novas linguagens e estratégias bio-politicas que nascem com nosso novo milênio... Este, porém é um assunto para futuras e hipotéticas postagens...

MORNING GLORY

Que diferença existe
Entre tudo
Que me escapa,
Que me lança
Ao obscuro turvo
De vontades,
Até o limite de não saber
Lugar algum
E muito menos
Sensatamente de mim?

Depois e longe
Igualmente existem
No vazio tempo
Do sem rosto
De um presente
em Futuros ausentes.

CRONICA RELÂMPAGO XXVIII

Quando procuro contrapor a imagem simbólica e virtual que possuo do ano de 1968 com as desbotadas paisagens do obscuro e insignificante ano de 2008, assombra-me uma indeterminada e imperfeita nostalgia de passados não vividos e sonhos de futuros e fluidas identidades ou cenários, tanto quanto um sentimento de insuficiência dos tempos múltiplos do meu presente.
Afinal, tão tenso e insuportável quanto poder acreditar que pode-se mudar o mundo, é a situação de viver sobre a opressão de um mundo onde a única mudança possível é a certeza dificil do dia seguinte, o não ser de qualquer novidade alem do cardápio de possíveis e previsíveis rotinas de vida inútil ou catástrofe de castelos de areia dos lúdicos voluntarismos da imaginação.
Mas que diabos é, afinal, utilidade, plena realização e intensidade de vida? Estes quase conceitos se desfazem em qualquer pensamento, pois não se explicam ou se sabem em nenhuma palavra escrita ou falada.
Viver é um mistério nas inúmeras direções latentes de nos mesmos. Viver não tem regra ou receita... Não se descobre em segredos ou magias, nem se enquadrando em ideais absurdos de castrações culturais/coletivas, retos caminhos de ilusões impessoais, religiões laicas ou sagradas lhe negam na gaiola do absoluto impositivo de verdades absolutas.
Viver é um mistério sem metro onde nos descobrimos apenas em grito... Em afirmação da mera perenidade de tudo que existe e é neste existir que não compreendemos.

terça-feira, 3 de junho de 2008

OS MALEFICIOS DO ANTI TABAGISMO


Até os anos 80 do último século, a prática tabagista gozou de certo prestigio no imaginário coletivo, foi um símbolo de gramour, refinamento e estética. A partir da chamada “década perdida” e o advento da “geração saúde”, entretanto, isso começou a mudar, o status social deu gradativamente lugar ao estigma mediante uma massiva e apelativa propaganda anti-tabagista centrada nos malefícios do hábito de fumar.
Neste inicio de século, tal propaganda começou a fomentar, a nível global, políticas de saúde pública e uma legislação anti tabaco de caráter profundamente coercitivo que já atinge lugares de franca tradição liberal como os Estados Unidos, o Reino Unido e a França.
Mas diante de tal sombrio conjunto de leis, cujo objetivo último é a inibição e coerção daqueles indivíduos que teimosamente, apesar da cruzada anti-tabagista imperante, insistem na manutenção do seu hábito, é pertinente questionar até que ponto estamos falando apenas de políticas públicas de saúde.
Colocando em segundo plano os efeitos do tabaco sobre o organismo humano, o que me parece alarmante é o fato de ganhar legitimação legislações consagradas a impor controle social sob o direito de escolha e a liberdade dos indivíduos como se disso realmente dependesse o futuro de toda a civilização supostamente saudável.
Há por traz desse tenebroso fato uma tendência perigosa para desconstrução ou questionamento dos valores libertários estabelecidos pelos modernismos e pela contemporaneidade, ao longo do séc. XX, inicialmente através das vanguardas literárias, politicas e estéticas, por exemplo, passando pelo psicodelismo, o feminismo e o poder jovem dos anos 60, até chegar a nova liberdade sexual, identidária e étnica hoje em gestação .
Tudo que afirmo aqui é que, por traz das bem intencionados discursos de nossas autoridades de saúde, dos populares aconselhamentos sobre a necessidade de uma boa dieta alimentar, fazer exercícios físicos e tudo o mais ligado a caricatas versões de “vida saudável”, ganha terreno no mundo ocidental um novo “realismo”, uma volta as “convenções” e uma pseudo estética do belo humano que apenas revela um ideal de controle social ao qual, as cada vez mais frágeis estruturas de poder definidas pelos nossos carcumidos “estados nações”, mostram-se perigosamente permeáveis, diante de um mundo cada vez mais plural, global, diverso e complexo que lhes “foge ao controle”.
Hoje em dia, portanto, quando a própria idéia de que vivemos em uma sociedade é relativizada através da imagem de que existimos como indivíduos imersos em múltiplas sociabilidades (pessoais, impessoais, concretas e simbolicas) formando uma complexa rede de relacionamentos diretos e indiretos, aqueles que ainda deliram o ideal de uma boa sociedade, inventam suas caças a bruxas.
Evidentemente, estou aqui falando sobre tabagismo, quando poderia estar falando sobre muitas outras coisas... Mas a própria critica ao tabagismo constitui hoje uma perigosa metáfora. E, o fato é que metáforas, como já notou a feminista americana Susan Sontag, são bastante perigosas, quando consideramos as políticas de saúde ou controle público de nossas sociabilidades e rituais diários de vida e morte. A mais comum dentre elas é significativamente a da guerra, e sabemos pela História o quanto imagens e sentimentos de guerras santas e cruzadas revelam o que há de pior na condição humana...

“... A metáfora mais generalizada sobrevive nas campanhas de saúde pública, que rotineiramente apresentam a doença como algo que invade a sociedade, e as tentativas de reduzir a mortalidade causada por uma determinada doença são chamadas de lutas e guerras. As metáforas militares ganharam destaque no início do século, nas campanhas de esclarecimento a respeito da sífilis realizadas durante a Primeira Guerra Mundial, e nas campanhas contra a tuberculose do pós-guerra. Um exemplo, extraído da campanha italiana contra a tuberculose nos anos 20, é o cartaz intitulado Guerre alle Mosche ( Guerra às moscas ), que mostra os efeitos letais das doenças transmitidas pela mosca. Os insetos aparecem como aviões inimigos soltando bombas de morte sobre uma população inocente. As bombas trazem inscrições. Uma delas é rotulada Microbi, micróbios; a outra, Germi della tisi, germes da tuberculose; a outra, simplesmente Malattia, doença. Um esqueleto de capa e capuz negrosd aparece no primeiro avião, como passageiro ou piloto. Em outro cartaz, “ Com estas armas conquistaremos a tuberculose”, a figura da morte aparece presa à parede por espadas desembainhadas, cada uma das quais tem uma inscrição referente a uma medida contra a doença. Numa das lâminas lê-se “limpeza”, na outra “sol”, nas outras “ar”, “repouso”, “boa alimentação”, “higiene”. (Evidentemente, nenhuma dessas armas era realmente importante. O que conquista- ou seja, cura- a tuberciulose são os antibióticos, que só foram descobertos cerca de vinte anos depois, na década de 1940.)”

(Susan Sontag. AIDS e suas metáforas/ tradução de Paulo Henrique Britto. SP: Companhia das Letras, 1989, p. 14 e 15)

BRAZIL

Não acredito
No dizer confuso das ruas,
Nas pessoas que decoram
Esses urbanos desertos
Decorando jornais vazios
E TVs toscas.

Não acredito
Em quem vomita
Em português
Virtudes insanas
De céu e de mar
Em vultos e custos
De pouco ser.

Não acredito
Em meu acaso cotidiano,
Na modernidade do atraso
Ou em metaforicas selvas ,
Carnavais e caos.

Brazil
É para mim
Apenas uma ilha imaginária
Em mapas antigos,
Uma lembrança folclórica
E céltica.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

FLORES

Cada flor
É apenas uma flor
No silêncio de cada jardim.
Nenhuma depende da outra
Para florescer,
Escrever-se na vida
Em cores, formas
E sintonias
No vago lapso
Do seu aparecer
E perecer.
Indiferente e única,
Cada flor
É apenas uma flor
Na abstração do jardim.