sábado, 29 de dezembro de 2018

O CAMINHO E O TEMPO

Reduzido ao caminho,
Não vislumbro o fim,
Nem me lembro do início.
Tudo é a paisagem que me contém.
É o cenário que passa,
Através do corpo e intensidades.


O caminho é o tempo.
E o segredo é que ele não se move
No movimento de tudo.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

MINHA VOZ

As oscilações da minha própria voz tentam inventar um território no ar, qualquer lugar de dizer a vida onde eu não me reconheça mais na definição de qualquer coisa. Onde tudo seja intensamente no intercâmbio de tudo até o limite da compreensão.


O mundo é esta confusão, esta incerteza, que me inventa através do dizer das coisas para formatar o deserto, aquele espaço de intenso nada onde todas as palavras intercambiadas definem narrativas de não ligar, de movimento intenso que se espalha por todas as direções do impossível.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

O DESERTO DA VOZ

A incomensurável energia da voz que reivindica urgências produz apenas ruídos  e silêncios.
Quem, afinal, se importa com o que é dito?
Quem participa e se abriga no discurso elevado a potência da realidade do mun do?
Todas as vozes anunciam o deserto, a fragilidade dos enunciados.
Os discursos inventam a tagarelice meta física de verdades perenes.
As gramáticas substituíram a vida,
Mas não pacificaram nossas consciências.
Vox Populi, Vox dei ?

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

OS LIMITES DO QUE É DITO

O que afasta ou  a próxima a potência e o ato no acontecer de uma fala? O que define o dizer em meio as suas tantas virtualidades? 

Muitas vezes o dito não é digno do que foi pensado, obedece seus próprios enredos contra o representado. 

As imagens dizem mais do que as palavras porque transcendem o teleológico acontecimento da fala. Elas sabem a experiência de um acontecimento simbólico que não se confirma a qualquer arranjo de signos.

REINVENÇÃO



"A vida só é possível
reinventada."


Estes versos de Cecília Meireles transcendem a palavra. Pois vida não é uma palavra. É algo quase impossível em meio ao lixo diário da existência, da sobrevivência, dos limites, dores, vazios e desencontros de céu e de lua, contra os quais a vida precisa ser reinventada para ser possível.


É urgente:
A vida precisa ser reinventada para ser possível!

A vida não é uma palavra....

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A MULTIPLICIDADE DO VIVENTE

O vivente se confunde com o mundo orgânico. Ele é múltiplo na constituição de tudo aquilo que vive. Abarca o germe, o vegetal e o animal em suas interseções. Por isso não é possível uma ciência do vivente. Ele é impreciso entre o animado e o animado. É uma espécie de efeito e não uma presença. Tudo que existe produz um movimento vivente. Afinal, porque não podemos dizer que uma estrela vive? Mesmo quando no céu ela não existe, perpetuando-se como reflexo  na escuridão noturna, contra o tempo ela persiste.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O NÃO SENTIDO DE SER

O ser que me define é tudo aquilo que me controla.
São meus órgãos além do organismo,
Os pensamentos, a vontade,
O desejo e a respiração.
É o ato e a fala.
É tudo isso que demasiadamente sou,
Mas que não sabe o ser.
Sem saber sou o mundo.
Sou química, física e abstração.
Encontro entre o orgânico e o inorgânico.
Sou o que simplesmente não faz sentido.
O resto é ilusão.

O DESAFIO DA FILOSOFIA


Sabemos desde Foucault que a contingência e a singularidade da nossa época define nossas sensibilidades, aquilo que nos é possível pensar e fazer. Nietzsche, antes dele, definiu sua filosofia como uma filosofia futura contra a singularidade de seu próprio tempo. Talvez está seja a condição de toda filosofia ainda possível: a recusa dos limites contra os quais o pensamento se defronta em todo contexto social vigente. Pensar o impensável, o improvável, reinventar a nós mesmos, é o que sempre se coloca novamente no horizonte daquele que se dedica ao desafio de pensar, de contemplar a esfinge  do tempo de agora e seus enigmas.

Uma vertigem sempre nos esclarece a filosofia, não como uma disciplina acadêmica, como um saber canônico, mas como uma experiência de linguagem, um confronto com a impessoalidade, com o amorfo de nossa condição humana. Ela mesma uma construção provisória, um artifício para o entendimento. 

É preciso uma boa dose de ceticismo para levar as últimas consequências a experiência filosófica contra a própria tradição filosófica, contra nossas certezas e premissas. O que nos move é a questão básica sobre o que o pensamento é capaz de criar , o quanto ele nos permite escapar do mais corriqueiro e naturalizado senso comum.

SOBRE O FATO DO PENSAMENTO

Não nos é possível uma genealogia do pensamento e da consciência. Só podemos dizer que pensar é estabelecer conexões entre um fora e um dentro, entre o eu e o mundo. É um processo que se amplia com nossa passividade e do qual somos em alguma medida inconscientes. Sofremos um pensamento. Não somos seus autores. Ele acontece no plano da linguagem, dá produção e circulação social dos signos e símbolos.

Pensar é um modo de produção da realidade que nos transcende.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

SOBRE A GEOGRAFIA DA ESCRITA

A palavra é sempre um dizer das coisas. Mas tal dizer, em todas as gramáticas possíveis, é sempre ficção.

O virtual define a palavra como potência. O conceito de realidade lhe escapa, apesar de sua intenção de verdade.

Se a palavra é o ser do próprio pensamento ela é antes de tudo um lugar, um plano. Escrever é percorrer a geografia viva das palavras construindo e reconstruindo constantemente sua paisagem. Escrever é basicamente um ato de imaginação, de criar imagens através de cenários conceituais.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

UMA FOLHA CAIU

Um pequeno poema de Cecília Meireles inventou, em franco ataque de lirismo inútil, uma vertigem de vento.
Um movimento de silêncios antigos acordou o tempo e o espaço nas permanências de um eterno retorno contra o imperativo dos significados.
Uma folha caiu em todos os tempos....

EPIGRAMA N 9

O vento vai,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.

Haverá mesmo algum pensamento
Sobre essa noite? Sobre esse vento?
Sobre essa folha que se vai?

Cecília Meireles

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ENTRE O PASSADO E O FUTURO

Não viver mais em um mundo prisioneiro do peso da tradição e da autoridade significa antes de tudo que já não  sofremos o peso de qualquer representação do passado. Somos livres para ousar o inédito, o imprevisível, contra todas as expectativas e normas estabelecidas. Ao mesmo tempo, carecemos de criatividade no cenário virgem de um princípio de século onde tudo está em aberto, suspenso e em mutação. Mas nos contentamos com citações e atualizações de passados que já não mais nos frequentam.

Ainda não somos capazes de vislumbrar o contemporâneo em toda a sua radicalidade. Enquanto o ontem devora o hoje, o novo agoniza e se espalha através de múltiplas versões de um futuro inconsciente. Tudo que se oferecer no horizonte volta-se, então, contra tudo aquilo que nos define na prisão do imediato do agora.

sábado, 24 de novembro de 2018

A GEOGRAFIA DAS MINHAS AUSÊNCIAS

Tenho sido desafiado pelo implacável tema de uma geografia das ausências. Nela cabem meus mortos, o desejo, as representações ocas dos discursos que tende sempre a verdade, minhas incertezas e frustrações diante da própria escrita que me escapa.

A vida e a palavra são preenchidas por ausências, povoadas por faltas que me preenchem. Sobre elas paira sempre um quase silêncio, uma presença não discursiva que é a própria nudez da existência. Hábito em minhas ausências. Elas são a pátria de todos os afetos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O CREPÚSCULO DO PENSAMENTO

Podemos definir uma escala de probabilidade para julgar a veracidade de uma informação.

Afinal, em tempos em que o dito não busca o fato, mas o comentário, é razoável duvidar das fontes e informantes disponíveis. Pois nós mesmos estamos comprometidos ou corrompidos por determinada opinião, orientados  para moldar a realidade de acordo com certa versão que nos parece conveniente.

Selecionamos nossas informações como quem escolhe frutas na feira pois fomos reduzidos à consumidores de informações.
Não há mais um real ao qual elas se reportem. Tudo depende de interpretação e a informação visa apenas mais informação, a seleção e acumulo de  dados que previamente me escolheram como receptáculo e que são compatíveis entre si.

Desta forma, sou feito para determinado discurso em detrimento de outros. Replicar este discurso eleito é existir, sentir nele uma certeza que me define a ordem das coisas, que me sustenta o querer e dever ser do mundo. Estamos todos lutando contra os fatos, servindo a um determinado discurso.
Somos  agora espécies de copistas que corrigem o texto original. A veracidade é o que dá valor a uma informação. Os fatos são menores do que os acontecimentos e sustentam as guerras de opinião.

O valor corrompeu o conhecimento. A moral do rebanho se tornou absoluta. Nos tornamos escravos de opiniões e identidades coletivas, rótulos e bandeiras cognitivas.

Fomos corrompidos  pelo sentimento moral e o elevamos a condição de dispositivo de verificação. O tribunal da razão revelou-se como um novo tribunal  moral.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

O QUE É CONHECIMENTO?

O que é conhecimento? Esta pergunta se confunde na cultura ocidental, desde Platão, com outra: O que é verdade? Em termos contemporâneos, a resposta seria simples e midiática: informação. Mas, seguindo nesta linha, seria mais correto responder que conhecimento e verdade hoje não passam de um acontecimento ou ato de linguagem passível de variações quase infinitas. Conhecimento e verdade são "efeitos" que  informam comportamentos e ações nos diversos planos das atividades humanas. Em nada mais se relacionam com a noção de sabedoria.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

NAS DOBRAS DO ALÉM DO AGORA ENCONTRO SEMPRE LINHAS DE FUGA

Os dizeres e fazeres, as visibilidades e obscurecencias, que codificam os limites deste intenso agora, não me impedem de fugir a micro geografia dos jogos de dominação que agenciam as forças coletivas e aprisionam o tempo.

Afirmo a potência da minha própria existência em inerte movimento no meio das coisas. Afetos  me reinventam em acontecimentos. Sei o intempestivo e o vento de lugares outros de pensamento e vida onde a imaginação transborda.

De muitas maneiras já não pertenço ao meu tempo, pois sou composto da vida em todas as formas que definem a paisagem.  Eu sou esta terra nova que me ultrapassa e esclarece o vento.

sábado, 17 de novembro de 2018

O "IMPODER"



O "impoder" é a ausência de poder. Poderíamos explora-lo como experiência através da palavra risonha e sem pretensão à verdade.  


Para ser um "impoder" ela não pode definir-se como um " contra poder" que, por definição, estaria fadado a ambição de um novo poder. Seu dizer deve ser ficção, um lúdico jogo de prazer, experimentação e criação.

A linguagem despida de valores e significações torna-se um dizer estético da vida como obra de arte e não um saber. Tal palavra se propõe como ficção.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O OFÍCIO DE ESCREVER

Escrever para esquecer é o que faz de alguém um escritor. Trata-se de esquecer de si mesmo, de afastar-se de todo cotidiano, através da geografia abstrata das letras. É um desafio a vida e a morte, ao tempo e ao esquecimento.

Não há escritores no dia a dia, apenas na solidão do ofício da escrita onde quem escreve se faz invisível, inventa a si mesmo como um desconhecido.

Maurice Blanchot já nos alertava para esta estranha fronteira que é a literatura, entre o território do dizível e do vívido.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

O VIVENTE COMO ANTI SUJEITO


O vivente é aquele que sofre,
Que come,
Defeca,
Sua,
fede,
Chora e ri.
O vivente é o que sente,
O que dorme, acorda.
É ele quem vive e morre.
É o que tem frio, valor
ou sede.
O vivente é aquele que sabe o peso do mundo,
A necessidade e a expressão do corpo
Como coisa que é gente.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O MEIO E O VIVENTE


A categoria “vivente” pressupõe toda forma de vida. E toda forma de vida pressupõe seu meio, seu ambiente. O vivente é um ser fora de si, sua sobrevivência é uma constante busca do que lhe ultrapassa. Nada mais distante da imagem de mundo construída pela racionalidade moderna formatada por uma subjetividade definida por um eu abstrato e autônomo inspirada pelo dualismo cartesiano. O vivente, ao contrário, é definido pela nudez biológica da existência inserida em um eco sistema. Para o vivente o meio é o seu ser. É o espaço e não o logos que o define como tal através de interações físicas, biológicas e cultural que fazem coincidir um  dentro e um fora como atividade de existir.

sábado, 10 de novembro de 2018

O VIVENTE

O vivente não se confunde com o humano, esta abstrata fabulação de nós mesmos. Mas também não é o organismo. É o biológico em sua radicalidade nua do corpo mundo como caos de multiplicidades. 

O que vive é composição variante do inorgânico. É o que perpassa tudo sem fazer qualquer sentido.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

DEFINIÇÃO DE LIBERDADE



Talvez liberdade seja somente este sentimento de permanente estado de incacabamento, de rearranjos intermináveis que articulam o eu e o mundo através do corpo.

Liberdade é poder ser ninguém. É fugir a toda identidade e determinação. Ninguém é livre quando se prende a qualquer definição de liberdade. Liberdade não se define.

Liberdade é qualquer coisa que te afeta e provoca um riso, um contentamento desmedido e sem razão.
Liberdade é riso!

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A PALAVRA MENOR


A palavra menor dedica-se ao exercício de deriva da escrita, escapa ao livro como meio e objeto, como dispositivo de linguagem.

A palavra menor é titubeante, cheia de reticencias. Ela se perde em aforismos, em inacabamentos, descontinuidades e recomeço, sem precisar seu objeto. Ela é jogo. Nada representa. Diz a si mesma. Persegue a nudez do pensamento que já não expressa.
A palavra menor escreve-se na pele.


O SER VIVENTE


O ser vivente definido pela biologia,
Pela mente que se faz mundo,
Que se dilui em palavra
E desaparece nas coisas
Através da experiência,
É um comporto entre um dentro e um fora.
É um apêndice da existência onde somos todas as coisas.
O que vive persiste em indeterminado  movimento.

AS MARGENS DO ÚLTIMO HOMEM

A nudez do vivente como experiência limite, como transbordamento do imediato,  como necessidade ferida, afeto distópico.

A existência transcende o tempo  e traça a geografia de nossa cotidiana fragilidade como novo paradigma ontológico.

Existimos em estado de necessidade, em deriva biológica. O orgânico transcende a forma homem.

O corpo é tudo que nos resta do mundo em tempos em a mente  experimenta vertigens históricas.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A RECUSA DO TEMPO PRESENTE

No combate ao tempo presente, ensaiamos devires, potencializando à vida em cada ensaio de imaginação.

Abandonarmos arquivos, já não queremos saber. Nosso rosto  não passa de um retrato antigo. Buscamos silêncios diante de um mundo mudo. Perseguimos à nudez das coisas.

O intempestivo nos ensina o futuro e aprendemos a  realidade como um relâmpago.

Reduzidos à condição de viventes, reinventado nossos corpos nômades em meio a desertos de existências tomadas.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

PENSAR E EXISTIR



De algum modo, desejo que essa escrita, que transborda para fragmentos de outras materialidades, descreve o próprio movimento de uma procura, procura que liga pensamento e existência em uma experiência fundamental, sendo essa procura a de uma andança.

Maurice Blanchot

Escrever é sentir, tocar, aprender, explorar, expressar... mas nunca é palavra morta jogada na folha.  Nunca é o sentido, o proposito, o arquivo, que de antemão determina o que pode ser dito. O caminho só existe através dos passos. Afinal, o que faz de andar algo mais do que um ato é o  encontro entre o chão e o corpo. Existir é isso: compor e costurar existires, existências. O mundo é uma serie ilimitada de combinações possíveis de arranjos.

Escrever liga pensar e existir na experiência de um movimento que não se move.

Tenha sempre letras dentro da pele!


FORMA E CONTEÚDO


Tudo que existe possui uma aparência e, portanto, uma fisionomia. Podemos conceituar fisionomia como aparência externa ou superfície epidérmica.

Contrariando o convencional, entendo a silhueta física e não apenas o rosto como fisionomia. A impressão física que comunica a presença de uma pessoa é o que aqui entendo como fisionomia.  Pressuponho que o rosto não gera uma impressão dissociada dos demais sinais corporais. Um rosto bonito não define atração física.  Não é preciso argumentar muito sobre isso.

Estamos aqui falando exclusivamente sobre forma e não sobre conteúdo. Principalmente porque a forma nos define mais do que o conteúdo. Através deste ultimo podemos ser reduzidos a equivalências e mimetismos socioculturais que nos afastam de qualquer experiência de singularidade. O mesmo não acontece com a forma que, não é exagerado dizer, nos apresenta uns aos outros como um ente especifico.

Nossa configuração física já é em si uma forma de relação e expressão.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

INFLAÇÃO E SEDUÇÃO

Que sedução ainda pode encantar um texto diante do ilegível que define a mais bruta existência cotidiana? A vida nua é impenetrável para qualquer discurso. Ela resiste e se debate em apetites e afetos selvagens como um animal que explora uma paisagem virgem. A vida foge o tempo todo a domesticação da linguagem afirmando o corpo, a sinfonia de justos através da qual nos apropriados do mundo. 

O texto apela a consciência, ao artifício da cultura. Mas o que nos inspira é a exterior idade da imagem que alimenta a fantasia, o jogo, que aponta sempre para o indizível que transborda em nós como experiência.

O mundo vívido só é pleno quando é impreciso, quando nos arranca a identidade.

Que sedução ainda pode encantar um texto quando estamos saturados de signos ?

As palavras ardem agora em vertigem queimando dentro de algum livro fechado que nos contempla na mudez da estante.
Onde, ainda, afinal, o pensamento respira?

sábado, 3 de novembro de 2018

A PALAVRA NÃO DIZ O QUE É.

Tento me encolher dentro de uma palavra até que sua sonoridade se torne quase musical. Até que eu possa sentir seu gosto, despi-la da coisa que ela tenta dizer e transcender o falso jogo da representação. 

Há uma abissal profundidade na abstrata superfície de uma palavra. Algo que nada comunica. A palavra é um fato em si mesma. Ela é simulacro da própria realidade que inventa ao impor um significado ao caos da percepção e da consciência. Nunca subestime uma palavra.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O ABISMO DA NARRATIVA

A narrativa fugidia e incerta se reinventa em suas descontinuidades. Ela é incapaz de reter um sentido. Já não significa qualquer coisa. Não é feita para o entendimento, mas para o cultivo de derivas. Ela é a escrita despida de si mesma. Não oferece aos olhos famintos qualquer alimento. Ela é um aprendizado de silêncios contra todos os textos que já foram escritos. Ela não pretende nada dizer. Não há mais um autor, qualquer sombra de humanidade. Há apenas um arremedo de comunicação. A narrativa fica a morte, desenha desaparecimento no entrelaçamento de palavras que inventam o sem fim de um pedaço qualquer de página.

O PROBLEMA DA LINGUAGEM E DE SUA INDETERMINAÇÃO



Não quero recorrer à erudição filosófica para falar sobre a linguagem e sua experiência concreta. Afinal, seja em qualquer perspectiva possível, falar sobre linguagem através da linguagem, é no mínimo uma espécie de paradoxo cognitivo. Mas infelizmente não existe um plano exterior a seu exercício ou analise. O ser da linguagem nos escapa, pois não se identifica com o conteúdo de qualquer texto ou narrativa possível que lhe tome como objeto. Não é algo representável. Sua própria significação como experiência de letramento, como exercício normatizado do uso de signos e símbolos que se entrelaçam em significados, que se afastam dos ritos e recursos da fala, não pode ser satisfatoriamente definido conceitualmente.

O ser da linguagem antecede o texto, problemática exaustivamente explorada por Foucault ao longo dos anos 60 do século passado. Retomar o tema é constatar que a experiência da linguagem é a interiorização de exterioridades, é a desconstrução de qualquer noção de sujeito ou de interioridade. Desta forma, nos afastamos do segundo Wittigenstein e seus jogos de linguagem. Não é seu funcionamento que nos interessa, que nos esclarece qualquer coisa. Também recusamos a linguística e qualquer psicologia da linguagem. Ela escapa ao campo de qualquer saber e, ao mesmo tempo, perpassa todos.

Nada de conclusivo é possível dizer sobre o tema. Seu exercício é uma busca, um labirinto, que remete a questão da imaterialidade e indeterminação do sentido que encanta qualquer enunciado.

O que podemos afastar, é a ideia de que a linguagem destina-se a comunicação. Ela não é um meio utilitário ou um instrumento mecânico. 

terça-feira, 30 de outubro de 2018

INDETERMINAÇÃO E AMBIENTAÇÃO: UMA ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA


A interseção entre inteligência e sensibilidade define a terceira parte da Ética de Espinosa e sua teoria dos afetos. É o que confere a sua filosofia o estatuto, já apontado por Deleuze, de uma filosofia prática fundada na experiência. Mas afeto não deve ser aqui entendido como um sinônimo de paixão, mas como uma relação de composição, como um agenciamento entre “corpos”. Tomando corpo como uma singularidade dinâmica e paradoxalmente incorpórea, expressão imanente de uma mesma substância infinita que podemos identificar como a própria natureza.

As afecções remetem ao aumento ou a diminuição da capacidade de agir. Os afetos são potências em variação que engendram modos de existência imanentes, formas de composição com o ambiente, de adicionar realidade a própria vida. Inteligência e sensibilidade não possuem qualquer caráter transcendente.

Derivo desta leitura de Espinosa, de forma muito livre, um conceito de ambientação onde não cabe qualquer dualismo corpo e mente, mas a ideia de uma geografia existencial onde o dentro e o fora compõem um modo de vida, uma forma de habitar a realidade, de reduzir-se a coordenadas como componente de um processo complexo e multifacetado. Vislumbro aqui uma cartografia de nós mesmos como interseção de multiplicidades onde mente, natureza, corpo, signos e símbolos, orgânico e inorgânico, compõem a experiência singularizada da impessoalidade diversa que articula o acontecer de um indivíduo. Individuo que não passa de um campo de afetações, de um afetar e ser afetado, e caracteriza-se como uma indeterminação.

Se somos através de diversas trocas definidos por uma ambientação a determinado meio, qualquer ideia de sujeito torna-se ilusória, tão virtual como o próprio ego que, em uma visão junguiana, não passaria de um complexo entre outros complexos, como a sombra, a persona, anima, animus, na estruturação de uma personalidade. Existe, assim, um paradoxo entre determinação e indeterminação. Ambos são diferentes perspectivas de uma mesma experiência do real que não pode ser reduzida a qualquer definição unívoca. Tudo  que há é uma espécie de ecossistema. Estamos sempre contidos em algo maior, contendo algo menor e esta lógica se reproduz ao infinito.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

DO DIZER A ESCUTA







O que é dito pode ser apenas silêncio onde os ouvidos são mudos. Eis o limite de toda expressão, de toda confissão de verdade. O que entre nos circula como signo e símbolo possui sempre múltiplos significados, pois transcende  o plano da representação. O maior  desafio é esclarecer como uma palavra nos afeta, como ela acontece como consciência... e não como um saber formal.


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

FOUCAULT À SOMBRA DE JUNG: UM RABISCO




Na entrevista "Lacan , o 'libertador' da psicanálise" concedida em 1981 a J.Nobecourt e reunida no primeiro volume da edição brasileira de Ditos & Escritos, há uma frase de Foucault sobre Lacan que é singularmente luminosa:

" A influência que exercemos não pode nunca ser um poder que impomos.".
Poderíamos recontextualizar esta frase e afirma-la como 

uma premissa para pratica de si e de uma ética do 

cuidado. Assim, ultrapassamos os dispositivos de 

poderque nos assujeitam, que nos acomodam a uma 

subjetividade estreita, condicionada a uma racionalidade

torta, que visa sempre a instrumentalização do outro, o 

ego como medida de todas as coisas e os complexos 

culturais como matriz de um comportamento de manada. 

É isso que produz singularidade, individuação, e nos 

irmana no cultivo de uma vida significativa ou simbólica. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

A ÉTICA DA PRODUÇÃO DE SI MESMO


Produzir vida,
Ser o corpo,
O ato e o objeto,
Em um só afeto,
Movimento,
Sentimento e pensamento.

Ser é um acontecimento complexo,
Um acoplamento de corpos/coisas
Para produzir desejo, sentido e subjetividade.

Ser é algo mais do que existir....

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

ESCUTAR COM OS OLHOS, FALAR COM AS MÃOS


Algumas pessoas escutam com os olhos e falam com as mãos.  É uma questão de sensibilidade para as curvas e nuanças da comunicação, para o que há de  verbal e não verbal no ato de expressão. É sempre preciso estar atento para o que é dito em silencio e a margem das palavras. Raramente nos damos da múltipla dimensão do ato de comunicação que depende não apenas do tido, mas fundamentalmente da escuta. Ou mais precisamente, das diversas formas de escuta e apreensão de uma mensagem. De outra forma, comunicar-se não passa de um monologo.

Escutar com os olhos e falar com as mãos é aqui apenas um exemplo  do quanto podemos ser versáteis em nossa  forma de dizer e ouvir ampliando as estratégias de ser visto. Antes de tudo somos seres simbólicos, e a circulação de signos obedece a um fluxo de imagens que definem tudo aquilo que é visível em uma sociedade. Mas é surpreendente o quanto aquilo que contradiz as normativas de expressão nos excita. O que se convencionou no plano das artes como modernismo é juntamente a personificação deste exercício de experimentação.


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

AS ESPIRAIS DO TEXTO



Dentro de um texto existem frases que constituem ilhas de sentido, que destoam da narrativa, e servem de porta para outros textos, para fugas da intencionalidade da totalidade do discurso. Assim se fazem interpretações, apropriações e reinvenções. O texto lido é sempre diverso daquele que foi escrito.

O excerto é sempre uma reduplicação mutante do original. Ele é o texto que estala, que se espalha e escapa ao autor e ao leitor como figuras comunicantes do ato de linguagem.  É fácil entender a incompreensão de um texto, o labirinto da hermenêutica que multiplica os interpretes, os leitores infiéis, os detratores e críticos literários que em longas resenhas vivem as custas das pseudo copias do original.  
  
Todo texto esta condenado a perder-se em interpretações e releituras infinitas, multiplicar-se, neutralizar-se.

SOBRE A IGNORÂNCIA METÓDICA



Só lida como o inesperado quem confia mais do que deveria nas próprias expectativas. Quando nos convencemos de alguma coisa é por que desconsideramos uma serie de outras possibilidades formuladas e não formuladas. Lidamos com uma estreita e pequena via em um grande labirinto de possibilidades. O melhor que pode nos acontecer é sermos surpreendidos pelo inesperado e ter que começar  tudo de novo. O conhecimento é um trabalho de Sísifo, um meio de administrar o caos através da linguagem. Não é seu objetivo a serenidade de qualquer resposta, mas a multiplicação das questões ao infinito.

A ignorância é a chave do conhecimento. Mesmo que isso pareça um clichê dos mais ordinários.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

AFORISMOS SOBRE PERSPECTIVISMO


As evidências são ditadas pelo adestramento do olhar. Apenas enxergamos aquilo que estamos condicionados a enxergar.

O mundo tem sempre o tamanho do nosso conhecimento e a forma de nossas certezas. Tudo se resume a uma questão de perspectiva.

No fundo estamos sempre buscando solução para falsos problemas, pois as respostas sempre são dadas pela própria pergunta.

O mais importante é perceber o mundo sem tomar a si mesmo como medida de todas as coisas.

ECO SISTEMA



O ego é como uma bela e movimentada cidade circundada por densa vegetação e uma praia. A topografia existencial sempre pressupõe  natureza e cultura como opostos complementares. È assim que afetos semeiam os jardins da imanência. Mas o que há de mais interessante nesta paisagem viva são as vias abertas em todas as direções formando um confuso  labirinto através do qual  todos os cantos são interligados. É ele quem mantem pulsante o eco sistema.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

OLHAR ESTRANGEIRO


Há tantas versões de mim mesmo atravessando o tempo naquele que sou através da composição do olhar estrangeiro, que não arrisco qualquer autodefinição. Existo nesta miragem que se apresenta como representação, que nasce da alteridade, do encontro do eu e do outro, mas que não esgota ou define aquele que sou.

Sou apenas um viajante, um naufrago. Nunca importa onde estou, nem  guardo a meta de qualquer possível destino. Tudo é aleatório e provisório, como o próprio olhar do outro que me define.

O QUE É FOUCAULT?



Afinal, o que é Foucault? Penso que já não nos é possível falar de um individuo historicamente determinado, muito menos de uma obra, livros ou da persona de um determinado autor.

Como sugeriu Deleuze, Foucault se apresenta agora como uma caixa de ferramentas, uma multidão ou, simplesmente, utilizando um de seus conceitos, como um intercessor. Foucault é também um acontecimento e um devir. Ele é o intempestivo, uma provocação que nos atravessa no tempo presente como um relâmpago.

O que nos afeta e agencia é um “dispositivo Foucault”, algo que o ultrapassa como corpo sujeito e como teoria, estabelecendo disibilidades e visibilidades na produção de subjetividades.

Pensar e fazer Foucault, utiliza-lo como caixa de ferramentas, é evitar intimidades e fidelidades, é buscar técnicas de cuidado de si, a marginalidade de uma escrita delinquente e descontinua que sempre desafia os limites do tempo presente.

Mas é claro que o “dispositivo Foucault” possui também suas estratificações e homogeneidades totalizantes, suas lógicas de arquivo, suas especificidades ético políticas, mesmo que predomine suas configurações heterotópicas na produção de contra estratégias de saber poder a partir de uma ética do cuidado.

De modo geral Foucault é uma inquietação, um modo de não ser sempre o mesmo, buscando sempre a dobra do mundo, as vertigens de pensamento, a exterioridade da linguagem. É questionar-se sobre o que ainda pode ser a filosofia depois de Kant, sobre o que estamos nos tornando. Abrigar-se sob seus Ditos & Escritos é sempre pensar a vida como obra de arte.


domingo, 14 de outubro de 2018

SOBRE ESCREVER

Escrever para mim é um exercício delicado de subjetivação, é uma forma de cuidado, uma estratégia de individuação. 

Em tudo aquilo que escrevo, escuto um outro. Talvez  esta seja essencialmente a função da linguagem: inventar o não lugar de si mesmo, produzir um estranhamento, que transcende toda comunicação.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

IMANÊNCIA


Escolher como viver é um privilégio,
Um excesso,
Um quase transbordamento.

É encontrar as palavras que faltam
Para inventar um sentimento,
Para dar forma a um afeto,
Que atravessa a consciência.

Assim se define o corpo como lugar de ser,
Como processo ou movimento da múltipla composição de um querer.

O corpo afetado torna-se imagem e experiência de uma opção que nos escolhe.
Mas o que define quem somos é o ato de viver a deriva
Como composição de multiplicidades,
De interioridades e exterioriedades  famintas.
Tudo se encontra e se desencontra na imanência dos acontecimentos.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

SINGULARIDADE


Todos os dias o mesmo corpo,
O mesmo rosto,
E, ao mesmo tempo,
Sou sempre outro
Através dos outros.
A vida se produz através de relacionamentos.
Somos uns e outros,
Ninguém e todos.
Somos  em  singularidades
A metafisica de uma espécie.


quinta-feira, 4 de outubro de 2018

UM ACONTECIMENTO


Pode ser que aconteça amanhã.
Ou depois de amanhã.
Pode ser também que nunca aconteça.
Mas se foi desejado já, de alguma maneira,
Um acontecimento.
Algo que age, que existe,
Dentro de mim.

NOVOS HISTORIADORES


Segue a vida sem qualquer script.
Mas tudo se improvisa de modo pré estabelecido.
Nossos atos e pensamentos estão circunscritos ao previsível.
Nos limitamos ao sempre possível.
Como poderíamos conceber outra forma de existir?
O mundo é o que é desde quando assim nos ensinaram.
Ser e saber  é o que nos resta apenas onde tudo já está dado.
Somos os inventores do passado,

Os inovadores das tradições.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

INTUIÇÃO E DISTRAÇÃO: UM COMENTÁRIO SOBRE BERGSON




“(...) a inteligência e o instinto acham-se voltados em dois sentidos opostos, aquela para a matéria inerte, este para a vida. (...) a inteligência permanece o núvleo luminoso em torno do qual o instinto, mesmo alargado e depurado como intuição, constitui apenas uma vaga nebulosidade. Mas, na ausência do conhecimento propriamente dito, reservado à pura inteligência, a intuição poderá fazer-nos apreender aquilo para que os dados da inteligência são aqui insuficientes e deixar-nos entrever o meio de os completar.”
Henri Bergson

Para Bergson, a intuição é um caminho ou um método que nos permite apreender a mudança dentro da duração que é a própria vida. O passado engloba o presente e o futuro, é algo continuo como uma corrente fluida. A memória é essencialmente duração e a realidade movente só pode ser apreendida pela intuição em sua totalidade e gratuidade.

Desta forma, a metafisica não esta no âmbito da inteligência ou do conhecimento cientifico, pois não busca a construção platônica de objetos limitados pela analise, busca apreender a realidade como movimento e duração. Para tanto é preciso distrair-se das coisas. O real, afinal, é um dado imediato para o qual criamos conceitos. O conhecimento é um ato de criação, premissa que encontraremos também na obra de Deleuze. Distrair-se das coisas é lidar diretamente com a realidade.



terça-feira, 2 de outubro de 2018

O MUNDO AINDA EXISTE?


Acho que o que realmente perdemos foi à experiência de viver em um mundo comum, em um cosmos regido pelo sentido, como um ecossistema legível, como um grande texto vivo onde sabíamos exatamente a linha em que estávamos.

Foi justamente este sentimento de um entendimento que a todos perpassa e  associa em um único acontecimento mudo e intenso,  o que se perdeu para todos nós.  Agora vivemos do medo do outro, dos acidentes naturais e das incertezas do dia a dia mais rasteiro.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

SER É NÃO SER



O  essencial de cada um é invisível aos outros.
Quem sabe  meu mais profundo sentimento de mundo?
Quem conhece  onde eu  escapo a mim mesmo?
Sou aquele que foge,  que cala e interroga.
Não passo de um desconjuntado amontoado de memorias.
Tenho meu tempo, meus lugares e pessoas.
E isso é o mesmo que viver deserto.
O passado consuma o futuro.
O passado está sempre a diante.
Mas não sei dizer onde estou....

sábado, 29 de setembro de 2018

CONTRA A VERDADE

Recusar a validade do que é reconhecido como verdade é o que nos faz ir além do tempo presente.  Mais do que isso, é o que não nos conforma ao que somos. 

Tudo é movimento. Descontinuidade e incerteza são premissas de qualquer experimentação criativa do mundo.

O INTEMPESTIVO

Busco o paradoxo de um eu sem rosto que me diga os outros, não como exterioridade, mas como o sem nome de mim mesmo.

Busco o intempestivo, o que não cabe no tempo de agora. Quero a miragem que a nada responde, que apenas se afirma como acontecimento. 

Busco o que não tem motivo, o que não aceita registros.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

O DENTRO E O FORA DA CONSCIÊNCIA


A consciência não é algo que se possui. Ela nos acontece como um dentro que é fora e um fora que é dentro.

Ela acontece no corpo dentro de um ambiente. Ela é o saber de um lado de fora onde nos tornamos de um lado de dentro um outro entre os outros.

A consciência é uma forma de despersonalização. É um equivoco associa-la a um eu como se fosse uma “coisa”. Ela é um processo que produz o mundo, que permite a invenção de uma espécie de geografia existencial que se materializa em nossos atos linguísticos.

A consciência é um acontecimento coletivo. Minha consciência pressupõe e acontece através da consciência dos outros.  

terça-feira, 25 de setembro de 2018

SOBRE DESEJO E VONTADE



Desejo é essencialmente querer, enquanto a vontade é um movimento concreto em direção a este querer.  Não há, portanto, oposição entre desejo e vontade, mas uma complementação.

Pode-se dizer também que o desejo é algo que nos atravessa, ele é paixão e fantasia e possui autonomia em relação a nossa consciência. Já a vontade pressupõe intencionalidade e estratégias.

De modo bastante sintético, diria que o desejo é a experiência que antecede o ato da vontade. Tais categorias remetem ao sujeito como máscara e função de uma consciência que deliberadamente busca o prazer, já que se define em função de um corpo que sente que precisa de um exterior para manter a si mesmo.


segunda-feira, 24 de setembro de 2018

EM TORNO DE ALÉM DO BEM E DO MAL: UM PRELUDIO A UMA FILOSOFIA FUTURA




Publicado originalmente em 1886, em uma pequena edição bancada pelo próprio autor, Além do Bem e do Mal, cujo  subtítulo é Preludio a uma Filosofia Futura,  ocupa lugar de destaque na obra de Nietzsche. Pode mesmo ser considerada a mais perfeita síntese de suas formulações maduras.

Antes de tudo, trata-se de um livro anti-moderno em suas criticas ao historicismo, a democracia parlamentar, a objetividade científica e a ideologia do progresso, temas tão em voga entre os eruditos oitocentistas. Conforme informa o  prefácio de 1885, o livro é dedicado a critica ao dogmatismo que remonta a doutrina Vendana na Asia e ao Platonismo na Europa,  atravessando os séculos  em variações sobre o mesmo tema, como um sono insano que coloca aos contemporâneos o desafio da vigília.

Como Nietzsche coloca no aforismo 199 do capítulo V: A História Natural da Moral, desde que existem homens existem rebanhos, estabelecendo a obediência como um componente inato ao comportamento social, como um verdadeiro instinto gregário.

Por isso a persona do filosofo é visto por ele como a má consciência de seu tempo, um homem do amanhã e do depois do amanhã. Sua grandeza reside em poder ser múltiplo e inteiro, vasto e pleno em sua solidão. O filosofo represente a vontade de potência, a terra por vir, ou uma outra Europa, sendo fiel as expectativas do autor.   

O DIZER DO INDIZÍVEL

Tenho buscado uma linguagem selvagem  onde a expressão transcende a descrição. Onde o sentido é produto de um desencontro entre significante e o significado e o próprio dizer é vazio. 

Procuro escutar os muros onde todos os ouvidos são surdos. Sonho com o dia onde nenhum discurso possa ser reduzido à informação.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

LIBERDADE LINGUÍSTICA


Sou menor do que o roto do meu discurso torto.
Mas não pretendo a ilusão de obter nomeada,
De ser um sobrenome.
O dito sempre contraria o vivido
E se perde em interpretações.
Não quero ser o predicado de mim mesmo,
Não me fazer escravo de qualquer discurso.


quarta-feira, 19 de setembro de 2018

INDETERMINAÇÃO ONTOLÓGICA




Não sou aquele que fala,
Aquele que sente,
Deseja ou pensa.
Não sou aquele que habita um eu
Muito menos sou este eu,
Que foge,
Que busca,
Que quase acontece,
Que quase enlouquece.
Sou uma multiplicidade de coisas diversas
Conjuntadas em um corpo orgânico.
Não há consciência do que sou
Que não seja ilusão de mim.