Deleuze define a Ética de Espinosa como uma
etologia, situando-a, assim, entre os estudos que definem os corpos, os animais
ou os homens, pelos afetos que são capazes. Segundo ele, a etologia é, antes de
tudo, um estudo de velocidades e lentidões, dos poderes de afetar e ser afetado
que caracterizam cada coisa, através de suas relações com outras.
Parafraseando Deleuze, uma coisa existe em
sua relação com o mundo: o interior é somente um exterior selecionado, o exterior,
um interior projetado. Cada indivíduo é o resultado do entrelaçamento de ações
e reações ou, simplesmente, afetações. Em outros termos, o plano da natureza é
como o plano de uma composição musical, uma unidade superior imanente que se
amplia em relações de velocidade e lentidão definidas pelo poder de afetar e
ser afetado.
Para Deleuze, ser “espinosista” se define
da seguinte maneira:
“....se somos espinosistas, não
definiremos algo nem por sua forma, nem por seus órgãos e suas funções, nem
como substância ou como sujeito. Tomando emprestados termos da Idade Média, ou
então da geografia, nós o definiremos por longitude e latitude. Um corpo pode
ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo sonoro, pode ser uma
alma ou uma ideia, pode ser um corpus linguístico, pode ser um corpo social,
uma coletividade. Entendemos por longitude de um corpo qualquer conjunto das
relações de velocidade e de lentidão, de repouso e de movimento, entre partículas
que o compõem desse ponto de vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos
por latitude o conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é,
os estados intensivos de uma força anônima ( força de existir, poder de ser afetado). Estabelecemos assim a
cartografia de um corpo. O conjunto das longitudes e das latitudes constitui a
Natureza, o plano de imanência ou de consistência, sempre variável, e que não
cessa de ser remanejado, composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas
coletividades.” ( Gilles Deleuze. Espinosa: Filosofia prática. SP: Escuta,
2002, p. 132)
A vida é a coincidência do corpo e do mundo
a partir de coordenadas que estabelecem sua segmentação em um plano de afetações
e multiplicidades. É assim que se define sua cartografia. Estamos aqui lidando
com uma filosofia da não filosofia, com
um pensamento que explora a inconsciência do próprio ato de pensar através do
encontro entre o conceito e o afeto. O resultado deste encontro é movimento
expansivo, é como uma música que se move
através de suas intensidades maiores e menores; é um movimento em latitudes
e longitudes, velocidades e lentidões, num plano de imanência. A música se
confunde aqui, portanto, com uma maneira de viver. Nos conjugamos com as coisas
deslizando por entre, nos introduzindo no meio, na imposição e improvisação de diversos
ritmos. O desconhecido do corpo e o inconsciente do pensamento se conjugam nas
afetações.
Cabe esclarecer que um corpo pode ser
afetado de muitas maneiras, pelas quais a sua potencia diminui ou aumenta. Os
afetos primários são a alegria e a tristeza. Deles derivam todos os outros. Os
afetos são “bio políticos” e o corpo busca sempre aumentar a sua potência de
agir através do desejo. Quando as relações
de movimento e repouso de dois corpos se compõem, os dois corpos formam um
conjunto de potência superior estabelecendo noções
comuns. A ideia de alguma coisa que nos convém, nos conduz a uma ideia mais
adequada de nós mesmos. Noções comuns são essas ideias adequadas que permitem a
composição entre corpos. A existência é, portanto, feita de encontros, é composição e recomposição em uma hierarquia de
encontros entre corpos. Isso é a vida! A potencia de existir é a potencia de
afetar e ser afetado. Resumindo tudo a
uma única frase: Uma ciência dos afetos é uma ciência da vida.