sexta-feira, 31 de agosto de 2018

SOBRE OS ATOS DE FALA


Nossos mais elementares atos de fala não passam de uma reprodução acrítica de palavras comuns, o que reduz a comunicação ordinária a uma  pratica inautenticidade inspirada pelo mais ralo conformismo.  Tendemos a nos comunicar cotidianamente com os outros a partir das expressões e gírias que mais ouvimos, ou seja, que circulam com mais intensidade em nosso meio social. Isso é o que nos dá segurança quanto à qualidade da escuta daquilo que comunicamos.


Mas os atos de fala buscam mais do que a comunicação, eles são expressão de identidades, tomam a língua como um território, uma espacialidade que habitamos. Dizer é um modo de ser. 

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

RENÚNICAS



Não são nossas escolhas que formatam nossa trajetória biográfica, mas nossas renuncias. É a soma de tudo aquilo de que abdicamos, de todos os potenciais não desenvolvidos, de tudo que foi reprimido e esquecido como possibilidade de nós mesmos, que explicam o que ou quem nos tornamos.

E esse processo sistêmico de inibições, de atrofias, é definido antes de tudo pela educação que recebemos e a forma como reagimos a ela. Em segundo lugar é definida pelos limites e possibilidades que um determinado meio social e cultural nos oferece.

A identidade é, portanto, antes de tudo uma falta, uma ausência. Somos também naquilo que deixamos de ser.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

CONHECIMENTO E MUDANÇA


O conhecimento que realmente me interessa é aquele que não pode ser reduzido a informação, que não tem um uso pragmático ou utilitário. É aquele que nos atravessa afetivamente como experiência, que nos transforma e faz transbordar.

Conhecimento é para mim aquela transformação da consciência através da consideração de novos padrões cognitivos que nos obriga a mudar, a buscar um outro de nós mesmos.  


INDAGAÇÕES FILOSÓFICAS



Qual o meu lugar em mim mesmo?
Que mundos me habitam?
Quantas urgências cabem nos desejos que me atravessam?

Não sei quantas respostas aguento,
Quais afetos me saturam,
Quantos pensamentos me articulam,
Como totalidade duvidosa e urgente.

Sou na precariedade de alguns discursos
Um simples arremedo de gente.


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

GRAFIA E SENTIDO



A grafia não é simplesmente deixar marcas em um suporte.

Também não se confunde com a simples transcrição fonética de uma fala.

Ela é a materialização do sentido. Mas o sentido transcende os signos e a grafia. Ele simplesmente não existe  e acontece além da significação das palavras. 

O sentido é o que faz da grafia um afeto traduzido em imagem.


CORPO E LINGUAGEM



O corpo reconstrói a fala....

A realidade polissêmica da minha presença física não se reduz a expressão do rosto. É o corpo transfigurando suas codificações orgânicas, sua concretude espacial e sensorial. Ele é um acontecimento que transborda em linguagem. Mas é, também,  antes de tudo, um exercício de diferenciação e o desenhar-se de uma singularidade. 

o corpo é o suporte de um eu cuja existência nos afoga como articulação complexa de diversos órgãos e processos. A totalidade fechada de razões escolásticas lhe escapa.  Ele reivindica autonomia. Reivindica-se como lugar de mundo, como movimento territoriarizado. O corpo diz muitas coisas através de seus silêncios e cala em seu vir a ser e  não ser.

Como ainda escrever? Cabe ao corpo responder reinventando-se como metalinguagem e movimento/signo vivo em meio as coisas.




A PALAVRA ABERTA


Não me conformo a qualquer identidade, 
não serei prisioneiro de qualquer verdade,
Pois sei que a liberdade é um radical exercício de imaginação.

Estou sempre em busca do outro,
De um território novo,
Onde a vida possa correr em todas as direções.

A palavra aberta dá forma aos meus silêncios,
Transcende significados na arte de saber as micro possibilidades de cada momento.

A palavra me inventa e transcende
Como signo e sangue.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

SOBRE DES-SUBJETIVAÇÃO



Ser assujeitado através das praticas discursivas correntes em uma dada ambientação cultural é o objetivo de qualquer processo educacional. Mas podemos nos conformar as identidades que nos são socialmente impostas através da educação ou, transcender as personas definidas por esta mesma ambientação cultural, através da construção de uma estética da existência.

Constituir uma estética é descobrir-se como singularidade, processo que  pressupõe estratégias de des-subjetivação, uma fuga do mimetismo social, um composição de nossas pluralidades mediante a composição de nossos afetos.

Des-subjetivar-se é conformar-se a uma imersão do eu no mundo através da intuição do caos. É entender a existência como arte fora de qualquer teleologia antropológica da natureza.

DESPERSONALIZAÇÃO



A imaterialidade da experiência forte da subjetividade é uma das segmentações estruturantes de nossa definição de real. Nos auto representamos como um ponto bem situado no plano da existência, como um eu que se conforma a determinadas experiências, afetos e convicções de uso diário e comuns.

A despersonalização imposta pela circulação de signos e símbolos coletivos é tão sutil em nosso meio social que tomamos como demasiadamente pessoal nosso conformismo as narrativas socialmente estabelecidas.

Assim, replicar uma determinada formula discursiva nos proporciona a ilusão de identidade, a imaterialidade de um plano existencial que habitamos e que nos habita como uma escolha afetiva. Mas no fundo são os discursos que se fazem acima de nossas cabeças extrapolando o falso jogo da representação.



terça-feira, 21 de agosto de 2018

AGENDA


Cartografar afetos e intensidades,
Inventar pensamentos em movimento,
Até que o corpo transborde
E os atos espalhem qualquer novidade
De vida intempestiva.

Ir além do aqui e agora,
Passeando em urgências,
Adivinhando curvas, dobras
E desvios,
Enquanto desfaço caminhos.

Preciso estar sempre longe da norma,
Dentro do riso
Experimentando a existência desterritoriarizada
Como intenso labirinto.



segunda-feira, 20 de agosto de 2018

PALAVRA VIDA


Nas palavras que me procuram
identifico imagens que me habitam.
Reconheço o que sinto,
O que me pensa,
No espelho dos versos,
E das frases.

Não há distância entre o dizer e o corpo,
Entre o escrito e o vivido.
Mesmo não existindo entre ambos
Qualquer correspondência.
Apenas simetria,
Uma irracional cumplicidade.

Nas palavras que me procuram
Enxergo as linhas que me prendem
No lado de dentro de algum discurso.




A ETOLOGIA DE ESPINOSA: UMA CIÊNCIA DAS AFETAÇÕES



Deleuze define a Ética de Espinosa como uma etologia, situando-a, assim, entre os estudos que definem os corpos, os animais ou os homens, pelos afetos que são capazes. Segundo ele, a etologia é, antes de tudo, um estudo de velocidades e lentidões, dos poderes de afetar e ser afetado que caracterizam cada coisa, através de suas relações com outras.
Parafraseando Deleuze, uma coisa existe em sua relação com o mundo: o interior é somente um exterior selecionado, o exterior, um interior projetado. Cada indivíduo é o resultado do entrelaçamento de ações e reações ou, simplesmente, afetações. Em outros termos, o plano da natureza é como o plano de uma composição musical, uma unidade superior imanente que se amplia em relações de velocidade e lentidão definidas pelo poder de afetar e ser afetado.

Para Deleuze, ser “espinosista” se define da seguinte maneira:

“....se somos espinosistas, não definiremos algo nem por sua forma, nem por seus órgãos e suas funções, nem como substância ou como sujeito. Tomando emprestados termos da Idade Média, ou então da geografia, nós o definiremos por longitude e latitude. Um corpo pode ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo sonoro, pode ser uma alma ou uma ideia, pode ser um corpus linguístico, pode ser um corpo social, uma coletividade. Entendemos por longitude de um corpo qualquer conjunto das relações de velocidade e de lentidão, de repouso e de movimento, entre partículas que o compõem desse ponto de vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos por latitude o conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é, os estados intensivos de uma força anônima ( força de existir, poder de  ser afetado). Estabelecemos assim a cartografia de um corpo. O conjunto das longitudes e das latitudes constitui a Natureza, o plano de imanência ou de consistência, sempre variável, e que não cessa de ser remanejado, composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas coletividades.” ( Gilles Deleuze. Espinosa: Filosofia prática. SP: Escuta, 2002, p. 132)

A vida é a coincidência do corpo e do mundo a partir de coordenadas que estabelecem sua segmentação em um plano de afetações e multiplicidades. É assim que se define sua cartografia. Estamos aqui lidando com uma filosofia  da não filosofia, com um pensamento que explora a inconsciência do próprio ato de pensar através do encontro entre o conceito e o afeto. O resultado deste encontro é movimento expansivo, é como uma música que se move  através de suas intensidades maiores e menores; é um movimento em latitudes e longitudes, velocidades e lentidões, num plano de imanência. A música se confunde aqui, portanto, com uma maneira de viver. Nos conjugamos com as coisas deslizando por entre, nos introduzindo no meio,  na imposição e improvisação de diversos ritmos. O desconhecido do corpo e o inconsciente do pensamento se conjugam nas afetações.

Cabe esclarecer que um corpo pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais a sua potencia diminui ou aumenta. Os afetos primários são a alegria e a tristeza. Deles derivam todos os outros. Os afetos são “bio políticos” e o corpo busca sempre aumentar a sua potência de agir através do desejo.  Quando as relações de movimento e repouso de dois corpos se compõem, os dois corpos formam um conjunto de potência superior estabelecendo noções comuns. A ideia de alguma coisa que nos convém, nos conduz a uma ideia mais adequada de nós mesmos. Noções comuns são essas ideias adequadas que permitem a composição entre corpos. A existência é, portanto, feita de encontros, é   composição e recomposição em uma hierarquia de encontros entre corpos. Isso é a vida! A potencia de existir é a potencia de afetar e ser  afetado. Resumindo tudo a uma única frase: Uma ciência dos afetos é uma ciência da vida.


sexta-feira, 17 de agosto de 2018

ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO



O campo concreto da liberdade de ação define-se dentro de uma dada configuração cultural. Cada sociedade contem dispositivos de construção de subjetividade, pontos de interseção entre o cultivo da singularidade e a produção do universal.

O processo de subjetivação, ou individuação, move-se na fronteira entre o eu e os outros. A instabilidade lhe define sempre em rearranjos constantes. Não se trata de buscar uma meta, um ideal ontológico. Trata-se, ao contrário, de uma busca do atual, de um confronto sempre renovado com o tempo do agora, com o efêmero, através do qual fazemos sempre recuar de novo nossos próprios limites.  

MORAL X ÉTICA




O problema moral tem se confundido com a definição de valores e códigos de pensamento e conduta, com aquilo que podemos e não podemos fazer ou pensar em um determinado campo de relações sociais.

A moral é aquilo que nos faz distinguir o certo do errado conforme aquilo que parece justo a uma maioria dominante. Neste sentido é antes de tudo uma modalidade de conformismo. A ética, ao contrário, é tudo aquilo que tomamos como justo na interseção da norma coletiva e da critica individual. Ela nos conduz a autonomia, ao cultivo de nós mesmos como lugar de construção de pratica sociais  relativamente autônomas ou produzidas a partir de nossa experiência e não pela assimilação acrítica dos imperativos coletivistas. A ética é essencialmente empírica e dinâmica contra as inercias dos preceitos morais.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

PENSAR RIZOMA



“Escrever a n, n-1, escrever por intermédio de slogans: faça rizoma e não raiz, nunca plante! Não semeie, pique! Não seja uno nem múltiplo, seja multiplicidades! Faça linha e nunca ponto! A velocidade transforma o ponto em linha! Seja rápido mesmo parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca suscite um General em você! Nunca ideias justas, justo uma ideia (Godard). Tenha ideias curtas. Faça mapas, nunca fotos nem desenhos.”
Deleuze & Guattari in Mil Platôs

RIZOMA
O acontecer entre as coisas se faz como experimentação.
Nada de representações...
Nada de significantes e significados.
Apenas linguagem, movimento, imagem.
Vida em multiplicidade.
Processo sem direção.
Mutação....


quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A EMOÇÃO DE NOSSAS CONVICÇÕES



Considero o conceito de complexos afetivos autônomos desenvolvido por Jung, a partir dos testes de associação de palavras, realizados de forma experimental no inicio de sua carreira psiquiátrica,  uma das contribuições mais relevantes da chamada psicologia analítica para cartografia da psique. Afinal, quem pode negar que os deuses tornaram-se doenças? Quem pode evitar o espinhoso tema das interseções destas afetividades personificadas nas nossas opções e práticas mais cotidianas? Conteúdos constelados nos invadem como uma possessão. Não somos senhores do que sentimos, do que pensamos e, muito menos, somos o que somos. Afinal estamos falando sobre entidades psíquicas que gravitam em torno da consciência, mas inexistem atuando como uma espécie de extra ser. Jung nos possibilita dizer, na contramão do iluminismo, que as ideias pensam através de nossas emoções.    

terça-feira, 14 de agosto de 2018

TEMPO E MEMÓRIA

O cultivo de nossas lembranças nos definem no tempo virtual de nossa consciência, orienta nossa existência no sentido de identidades. Mas a verdade é que não passa de uma didática de perdas e transformações que nos lança ao desabrigo de nossa singularidade. Onde sei quem sou má defino mundo, alheio a mim mesmo é passageiro de pessoas e lugares que desenham acontecimentos. Mas não há substância no acontecer das coisas.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

A VIDA É ARTE


DIFERENÇA E CONTEMPORÂNEIDADE



“No ser, a profundidade e a intensidade são o Mesmo - mas o mesmo que se diz diferença. A profundidade é intenidade do ser ou inversamente. E dessa profundidade intensiva, desse spatium, saem ao mesmo tempo, a extensia e o extensum, a qualitas e o quale.”
Guilles Deleuze in Diferença e Repetição

O que é a diferença? Seguindo os passos de Deleuze podemos responder de forma complexa a esta questão falsamente simples partindo da premissa de que ela é o oposto da identidade. Como disse Nietzsche  em Verdade e mentira do ponto de vista extra moral, “Nunca uma folha é inteiramente igual a outra.” Contrariando o mundo verdade da identidade da razão representativa, o ser é  diferença e multiplicidade. Este é o afeto que nos transforma através de novos agenciamentos e maquinações de um pensamento nômade, que foge ao jogo dos significantes e dops significados.

Percebemos que somos em multiplicidades, que no além do saber verdade das praticas discursivas tradicionais, nos confrontam com a univocidade do acontecimento dos seres. Somos, assim, cada um de nós, o lugar do não lugar que percorre todas as coisas, inventando-se como singularidade entre diferenças e repetições.

É a diferença e não a identidade que nos define em um mundo cada vez mais descentrado. Ela nos lança, através do pensamento, no abismo indiferenciado das singularidades impessoais, onde não existem sujeitos a priori. O ser é, em poucas palavras, um produto do caos. A diferença é basicamente simulacro que nos situa em um espaço descodificado, liso, que nos conecta a exterioridade de nós mesmos através das coisas, onde somos meros estetas de nossas próprias vidas.

Parafraseando Deleuze em Logica do Sentido, imersos na dupla direção do mundo, vivemos o paradoxo daquilo que destrói o bom senso como sentido único, mas, em seguida, o que destrói o senso comum como designação das identidades fixas em um devir sempre inacabado.  

O mundo contemporâneo é o mundo dos simulacros onde as identidades são simplesmente simuladas subvertendo seus próprios modelos. Pensando em Platão, cabe dizer que a diferença começa a sair de sua caverna e deixa de ser um monstro.





quinta-feira, 9 de agosto de 2018

IGNORÂNCIA


A EXPERIÊNCIA DO MUNDO

A distinção entre o sensível e o inteligível é um equívoco da razão representativa, do falso jogo do Ser e do devir. A experiência da existência é diluir-se entre  coisas e processos múltiplos e simultâneos,  em micro e macro processos e experiências de ver e dizer. Mas é através do nada de nossas praticas discursivas que toda a realidade é inventada como consciência e significado, como o acontecer de um sentido que nos consome e ultrapassa. Cada um de nós é incapaz de dar conta da experiência do mundo, das diversas manifestações do nada que preenche de existência tudo que se faz possível como realidade vívida.

terça-feira, 7 de agosto de 2018

BREVE NOTA SOBRE O PENSAR


O QUE É LIBERDADE?


A liberdade não é um fundamento ontológico da condição humana. Em nossa relação com o mundo somos definidos pela necessidade.

A liberdade é uma construção, um artificio, que se confunde com uma ética e uma estética de vida. Desta forma ela modifica o modo como interiorizamos o mundo  como acontecimento, como  fluxo constante de experiências diversas.

Liberdade é elevar a imaginação e a arte a condição de afeto mediante diversas estratégias de des subjetivação

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O QUE SOMOS NÓS? SOBRE FOUCUALT E A HERMENEUTICA DO PENSAMENTO




Uma passagem de Paul Vayne em Foucault: O Pensamento, A Pessoa, nos instiga a pensar as formações históricas e as práticas discursivas que circulam e configuram uma época e sociedade:

“ Em cada época, os contemporâneos encontram-se assim fechados em discursos como em aquários falsamente transparentes, ignoram quais são e até que existe um aquário. As falsas generalidades e os discursos variam através do tempo; mas, em cada época, passam por verdadeiros. De tal modo que a verdade é reduzida a dizer a verdade, a falar conforme o que se admite ser verdadeiro e que fará sorrir um século mais tarde.”

A originalidade da pesquisa foucaultiana está em trabalhar sobre a verdade no tempo sem, entretanto, cair em qualquer forma de relativismo. O sujeito do conhecimento não é soberano, já o sabemos desde Freud e Nietzsche, tal premissa inspira em Foucault uma hermenêutica das práticas discursivas ou estabelece o domínio de uma espécie de “inconsciente do saber” no além dos universais antropológicos.

O discurso se impõe como um a priori histórico configurado por dispositivos de saber/poder, estabelece um regime de verdade que define, em todos os níveis das praticas cotidianas, o verdadeiro e o falso, o possível e o impossível. A ontologia diferencial de nós próprios torna-se neste contexto, parafraseando Paul Vayne, uma exegese histórica de nossos limites, nos permite ousar pensar diferente, em vez de legitimar aquilo que já se sabe.

Trata-se aqui de pensar a atualidade da Filosofia como um trabalho critico do pensamento sobre si mesmo, como uma critica permanente da precariedade de nosso ser histórico.
Afinal, o que somos nós?



sexta-feira, 3 de agosto de 2018

NIETZSCHE E A FILOSOFIA DA VONTADE: UMA RELEITURA

“A filosofia da vontade, segundo Nietzsche, deve substituir a antiga metafísica: ela a destrói e a ultrapassa. Nietzsche acredita ter feito a primeira filosofia da vontade; todas as outras eram metafísica. Tal como a concebe, a filosofia da vontade tem dois princípios que formam a alegria da mensagem: querer = criar, vontade = alegria.”
Guilles Deleuze in Nietzsche e a Filosofia

A crítica contemporânea ao saber e seus territórios disciplinares é uma critica não apenas as relações institucionais de poder que ele engendra. É também uma recusa de suas técnicas do dizer/verdade ou, mais especificamente, da teoria da representação. É através dela que se estabelecem os assujeitamentos, a adequação dos indivíduos a práticas discursivas que materializam uma normatização da vida e configuração artificial da realidade, que nos são impostas meta narrativas que funcionam como um conjunto de forças, como um dispositivo. Atribuir sentido, interpretar signos e símbolos, desta forma,tem se confundido desde o Platonismo, com o esforço social de engendrar modos de vida e valores que nos conformam ao rebanho. O conhecimento é visto como o dizer verdadeiro e, por isso, ungido a condição de norma e arbitro de relações de poder ou de controle pelo seu valor de verdade, pela capacidade de organizar a sociedade, a partir do critério do verdadeiro e do falso.
Uma filosofia da vontade, tal como proposta por Nietzsche, destina-se, ao contrário, a criar vida, a elevar-se ao poder do falso, da arte, da criação de novos valores, que estabelecem o devir ativo como identidade criadora do poder e do querer que apontam para novas formas de vida.




PÓS HISTÓRIA


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O PROBLEMA DA SUBJETIVAÇÃO NA CONTEMPORÂNEIDADE




A obra tardia de Foucault inaugurou o horizonte de uma ontologia histórica quando nos dois últimos volumes de sua História da Sexualidade e ao longo dos seus últimos cursos no Colege de France, ocupou-se do modo como nos tornamos sujeitos através das praticas discursivas (saber) e de poder que constituem o cuidado de si na cultura ocidental.

Mas são as implicações contemporâneas de suas pesquisas que aqui me interessam. As estratégias de subjetivação estão condicionadas as formações históricas, a dispositivos historicamente construídos para produção de sentido em cada sociedade. Mas na contemporaneidade a subjetivação já não mais se confunde com o assujeitamento, com a constituição de  identidades. Subjetivação pressupõe hoje uma diferenciação ilimitada, aponta para desterritoriarizações, linhas de fuga e reterritoriarizações que passam pela vertigem do estranhamento, por uma diferenciação radical dos códigos sociais vigentes e a busca por novas “formas de vida” ou intuições de outra existência possível. Há na contemporaneidade novas potências condicionando a relação de cada um de nós consigo mesmo que apontam para uma condição de indeterminação. O que se perdeu foi a identidade entre sujeito e verdade permitindo a subjetivação instituir-se como um campo aberto de experiências e experimentações. 

Mas como podemos ser livres e praticar liberdade em uma sociedade onde aflora uma verdadeira anarquia simbólica, onde não há mais a referência de um sujeito soberano e unioversal? Como podemos ainda dizer o que é liberdade quando já não partimos mais da referencia moderna de um eu abstrato capaz de produzir o mundo a sua imagem e semelhança, como um espelho que configura sua auto imagem? Já não há jogos de verdade, qualquer enquadramento moral, que defina as práticas e técnicas de si. Há um sentimento de inquietação, uma compulsão a se expressar contra um mundo cada vez mais hostil e ilegível a consciência diferenciada. O que pode ser dito com alguma segurança é que o que estamos buscando em meio a tudo isso ainda não tem nome.... Talvez, passe por uma releitura do conceito de individuação desenvolvido por Jung e que pressupõe uma coincidência entre o sentido e o não sentido, entre o ser e o extra ser da experiência arquetípica. É a forma-homem que nos parece ultrapassada no sentimento de exterioridades, de um lado de fora.



quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O VAZIO DE NOSSAS PALAVRAS



A pragmática de nossas cotidianas práticas discursivas resume-se a tagarelice. Falamos demais; poluímos tudo com palavras, discursos. Estamos sempre explicando, representando, conceituando. O mundo é o discurso e não a experiência do corpo, corpo que ignoramos como fonte de imaginação das coisas. É sempre a partir da norma que definimos o real, o experimentável ou simplesmente o existente e o verdadeiro como, antes de tudo, um ato verbal. Desde o século XIX habitamos uma imagem demasiadamente empobrecida e desencantada das coisas. Tudo foi reduzido a normativa, suas empirias e utilitarismos, as afetações dos discursos e  disciplinas.


IMPROVISO DELEUZEANO



A exuberância das incertezas, dos desconfortos, da inadequação as cristalizações sedentárias e culturais, aos modelos, é o que nos lança sempre e cada vez mais ao desafio de novos valores e preceitos. O cultivo da veracidade, a vontade de verdade, já não nos assossega ou seduz. Queremos a vida plena na transvaloração dos valores. Buscamos a superfície dos acontecimentos, os efeitos incorporais da mistura dos corpos no limiar de um devir-linguagem, de uma desteritoriarização verdejante. A nervura do real é a dobra do lado de fora que constitui um dentro, que inventa esse vazio que é aquilo que somos. A consciência discursiva de um pensar reverso de toda a história da filosofia é o que nos resta contra o presente.