segunda-feira, 20 de agosto de 2018

A ETOLOGIA DE ESPINOSA: UMA CIÊNCIA DAS AFETAÇÕES



Deleuze define a Ética de Espinosa como uma etologia, situando-a, assim, entre os estudos que definem os corpos, os animais ou os homens, pelos afetos que são capazes. Segundo ele, a etologia é, antes de tudo, um estudo de velocidades e lentidões, dos poderes de afetar e ser afetado que caracterizam cada coisa, através de suas relações com outras.
Parafraseando Deleuze, uma coisa existe em sua relação com o mundo: o interior é somente um exterior selecionado, o exterior, um interior projetado. Cada indivíduo é o resultado do entrelaçamento de ações e reações ou, simplesmente, afetações. Em outros termos, o plano da natureza é como o plano de uma composição musical, uma unidade superior imanente que se amplia em relações de velocidade e lentidão definidas pelo poder de afetar e ser afetado.

Para Deleuze, ser “espinosista” se define da seguinte maneira:

“....se somos espinosistas, não definiremos algo nem por sua forma, nem por seus órgãos e suas funções, nem como substância ou como sujeito. Tomando emprestados termos da Idade Média, ou então da geografia, nós o definiremos por longitude e latitude. Um corpo pode ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo sonoro, pode ser uma alma ou uma ideia, pode ser um corpus linguístico, pode ser um corpo social, uma coletividade. Entendemos por longitude de um corpo qualquer conjunto das relações de velocidade e de lentidão, de repouso e de movimento, entre partículas que o compõem desse ponto de vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos por latitude o conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é, os estados intensivos de uma força anônima ( força de existir, poder de  ser afetado). Estabelecemos assim a cartografia de um corpo. O conjunto das longitudes e das latitudes constitui a Natureza, o plano de imanência ou de consistência, sempre variável, e que não cessa de ser remanejado, composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas coletividades.” ( Gilles Deleuze. Espinosa: Filosofia prática. SP: Escuta, 2002, p. 132)

A vida é a coincidência do corpo e do mundo a partir de coordenadas que estabelecem sua segmentação em um plano de afetações e multiplicidades. É assim que se define sua cartografia. Estamos aqui lidando com uma filosofia  da não filosofia, com um pensamento que explora a inconsciência do próprio ato de pensar através do encontro entre o conceito e o afeto. O resultado deste encontro é movimento expansivo, é como uma música que se move  através de suas intensidades maiores e menores; é um movimento em latitudes e longitudes, velocidades e lentidões, num plano de imanência. A música se confunde aqui, portanto, com uma maneira de viver. Nos conjugamos com as coisas deslizando por entre, nos introduzindo no meio,  na imposição e improvisação de diversos ritmos. O desconhecido do corpo e o inconsciente do pensamento se conjugam nas afetações.

Cabe esclarecer que um corpo pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais a sua potencia diminui ou aumenta. Os afetos primários são a alegria e a tristeza. Deles derivam todos os outros. Os afetos são “bio políticos” e o corpo busca sempre aumentar a sua potência de agir através do desejo.  Quando as relações de movimento e repouso de dois corpos se compõem, os dois corpos formam um conjunto de potência superior estabelecendo noções comuns. A ideia de alguma coisa que nos convém, nos conduz a uma ideia mais adequada de nós mesmos. Noções comuns são essas ideias adequadas que permitem a composição entre corpos. A existência é, portanto, feita de encontros, é   composição e recomposição em uma hierarquia de encontros entre corpos. Isso é a vida! A potencia de existir é a potencia de afetar e ser  afetado. Resumindo tudo a uma única frase: Uma ciência dos afetos é uma ciência da vida.


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