segunda-feira, 7 de abril de 2008

A DESCONSTRUÇÃO DA PALAVRA

Preservar o tempo através de missivas, diários e memórias foi uma das paixões difusas das abastardas classes medias vitorianas. Tais narrativas não literárias corresponderam a um modo ingênuo e otimista de conservar para alem de si e do momento a concretude do efêmero, a imediata experiência do vivido através da qual desenha-se a singularidade de uma biografia. Através desses relatos buscava-se construir alguma compreensão de si através da fugacidade da experiência intima e privada, de sua continuidade, diversidade e unidade, ao longo do intervalo cronológico definidor da própria vida singular.
Nos dias de hoje tal habilidade em grande medida se perdeu tanto quanto o médio controle do vocabulário e da gramática, indispensáveis mesmo a esse exercício lúdico de leitura e escrita intima.
Indo um pouco mais longe e reafirmando teses que já sustentei aqui em outro momento, diria que a palavra escrita deixou de definir a cultura e a civilização do mundo ocidental. A palavra já não é mais “sentida” como um espelho da natureza, da vida e das coisas, já não goza de qualquer importância significativa para a construção ou “materialização” de nossa experiência de existência. Não estamos mais restritos em nossa consciência do externo do mundo aos muros de qualquer discurso ou verdade.
Se quer buscamos uma continuidade entre o que fomos, o que somos e o que seremos, relegando o efêmero a dimensão do descartável e provisório reservado sem pudor a experiência da sucessão de dias que faz a vida e naturalmente se perde.
O sentimento contemporâneo do mundo é cada vez mais um aprendizado do metafórico deserto que nos envolve intimamente...

Nenhum comentário: