quinta-feira, 10 de abril de 2008

MUSICA E SÉCULO XX: O JAZZ ENQUANTO FENÔMENO JUVENIL


A música no século XX tornou-se um fenômeno social e psicológico sem procedentes. Basta para ilustrar tal conclusão citar o papel desempenhado pelo Rock’ n’ Roll no Pós II Grande Guerra e ao longo dos anos sessenta e setenta, a verdadeira revolução de valores que sacudiu parte da Europa e os Estados Unidos e que podemos considerar mais do que um fenômeno de juventude, uma verdadeira ruptura com o ethos moderno que balizava até então a cultura ocidental. A transformação da musica e do hábito de ouvi-la, sua conversão em uma gigantesca indústria e referencial identidário coletivo, ancorada nas inovações tecnológicas que permitiam sua reprodutividade em qualquer hora ou lugar através de um aparelho doméstico, representam uma inovação psico-historica das mais relevantes. Se a musica foi, ao lado do cinema, uma das principais linguagens definidoras do espírito do último século, o Jazz pode ser considerado, no contexto norte americano de Pós- recessão de 29, o inicio de tudo aquilo que o Rock posteriormente representaria como linguagem.
François Billard, em uma passagem de seu divertido livro NO MUNDO DO JAZZ, da Coleção A VIDA COTIDIANA, entre nós publicada pela Companhia das Letras, nos ajuda a pensar o lugar do Jazz no século XX enquanto fenômeno psico- histórico e juvenil:

“ A juventude podia viver no presente, tinha, enfim, sua música. Basta imaginar as apresentações de Benny Goodman no Paramount Theatre de Nova York, em março de 1937. O preço do ingresso era apenas 35 cents. Na estréia havia mais de 20.000 pessoas numa sala onde cabiam 3.650 sentadas. Todo mundo dançava e pulava.Era a musica deles, e ninguém iria economizar energia. Nunca, talvez, os Estados Unidos, viram tal fenômeno, e o jazz era o grande vencedor. Aquela “cultura” própria do jazz tornava-se a cultura de toda a juventude, e todo mundo aproveitou-a. A partir de então, todos os movimentos que animariam a juventude americana se traduziriam com uma força impar na música, primando a forma sobre o conteúdo, retomando a velha distinção filosófica; o meio de comunicação era a mensagem.
A música adquirira uma força com a qual nenhuma outra forma de expressão podia lutar. Em relação a essa forma, o jazz ocupava uma posição particular, na medida em que ressaltava muito mais o novo, o inédito. Ainda que continuasse a utilizar um repertório conhecido, tomado de empréstimo ( acaso não seria o repertório das melodias populares?), ele o manipulava em seu benefício. O que contava não era tanto o que dizia, mas a maneira como o fazia, o que excluía a repetição servil: “De minha parte”, disse a cantora Billie Holiday, “ não consigo cantar duas vezes do mesmo modo a mesma canção, menos ainda durante dois ou dez anos. Se alguém é capaz de fazê-lo, trata-se então de torneio, de exercício, de tirolesa, qualquer coisa, menos de música.”.
Entre esses jovens nasceu uma minoria particularmente ativa, os hipsters, os caras “para frente”. Eles viviam a música e praticavam uma linguagem de iniciados, o jive talk. Não era uma criação totalmente nova na sociedade americana, e o livro de “ Mezz” Mezzrow e Bernard Wolfe, Really the Blues, descreve comportamentos semelhantes no correr dos anos 30, em Chicago. Os músicos eram seus heróis e exemplos, adotando em público atitudes destinadas a chocar, “por exemplo, a recusa de se conformar com a antiga convenção que obriga o músico, no momento de terminar o solo, a indicar com um sinal de cabeça que o que toca em seguida deve emendar; a expressão de tédio que lhes parece obrigatória, para executar inovações musicais mais ousadas; o costume de tocar de costas para o público, de movimentar-se no palco e sair dele, arrastando os pés, após terminar seu solo, sem olhar para sala.”

(François Billard. No Mundo do Jazz/ tradução de Eduardo Brandão. SP: Companhia das Letras/ Circulo do Livro, 1990 ( Coleção A Vida Cotidiana, p. 245 et seq.)

Um comentário:

Poetisa da Alma disse...

Sempre bom aprender um pouco mais sobre TUDO!
Apreciei muito estar aqui!
Um abraço carinhoso