segunda-feira, 30 de julho de 2007

DEVANEIOS E PREGUIÇAS DE MIM MESMO

PREGUIÇA
Sonhei andar sobre o ar,
saborear a liberdade
de lugar algum
no absoluto estar em mim mesmo.
Sondei o corpo do ceu
até o dizer do silêncio
e o repentino acordar noturno
para um dia
de horas perdidas.
***************
Nasci em um dia qualquer,
um dia igual aos outros
entre um depois e um ontem
de incertezas e ventos.
Nasci para o incompleto
passar do tempo
no corpo de rasos fatos.
Cai nas horas
para a precipitada invenção
de passados
na memória de futuros urgentes.

NOVALIS: FRAGMENTO

“Hamlet termina esplendidamente- aste[ nicamente] começa-estenicamente termina. Wilhelm Meister termina com a síntese das anatomias- porque foi escrito para e pelo entendimento.
Quem considera a vida de outro modo, que não como uma ilusão que se aniquila a si mesma, esta ainda ele próprio embaraçado na vida.
A vida não deve ser um romance dado a nós, mas um romance feito por nós.”
NOVALIS in POLEN: FRAGMENTOS,DIÁLOGOS E MONÓLOGOS.

domingo, 29 de julho de 2007

O MITO DO HEROI E A EXPERIÊNCIA DA INDIVIDUALIDADE II

A individualidade é uma totalidade complexa e um devir de imagens e símbolos.

Como observa JOLANDE JACOBI,

Ao lado de símbolos venerados, que se formaram através de milênios no espírito humano, existem também os que nascem da capacidade formadora de símbolos em cada indivíduo; estes, no entanto, baseiam-se na sua totalidade, em formas arquetípicas fundamentais que, correspondendo à sua força de expressão e riqueza de conteúdo , são aceitos pela humanidade ou por grupos maiores ou menores.” 1

A psicologia da humanidade, como acreditava JUNG, corresponde a psicologia do indivíduo. Logo, seria uma lamentável precipitação querer reduzir a vasta problemática da individualidade humana a consecução identitária do ego ou a fantasia do individualismo abstratamente vislumbrado como pura antítese do coletivo. A individualidade não é um dado estático, mas um processo dinâmico onde o particular e o universal, o inconsciente e a consciência, a cultura e a natureza, dentre outros pares de opostos, se equacionam, incorporando-se mutuamente na definição sempre provisória do confuso e singular arranjo que é cada ser humano.

JOSEPH L. HENDERSON chama atenção para uma característica essencial do mito do herói que nos ajuda a melhor compreender esta intercessão entre o pessoal e o transpessoal, o objetivo e o subjetivo, na delimitação da individualidade :

“... uma outra característica relevante no mito do herói vem fornecer-nos uma chave para a sua compreensão. Em varias destas histórias a fraqueza inicial do herói é contrabalanceada pelo aparecimento de poderosas figuras ‘tutelares’- ou guardiaes- que se permitem realizar as tarefas sobre-humanas que lhe seriam impossíveis de executar sozinho. Entre os heróis gregos, Teseu tinha como protetor Poseidon, deus do mar; Perseu tinha Atenéia; Aquiles tinha como tutor Quiron, o sábio centauro.
Estas personagens divinas são, na verdade, representações simbólicas da psique total, entidade maior e mais ampla que supre o ego da força que lhe falta . Sua função específica lembra que é atribuição essencial do ,mito heróico desenvolver no indivíduo a consciência do ego – o conhecimento de suas próprias e fraquezas- de maneira a deixa-lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe há de impor. Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduo na fase de maturidade de sua vida, o mito do herói perde a relevância. A morte simbólica do herói assina-la, por assim dizer, a conquista daquela maturidade.”2

Para o autor, o herói define-se como tal na medida em que se envolve criativamente com a totalidade da psique. Neste sentido, como observa NAURO DE SOUZA VARGAS no breve prefácio elaborado para o terceiro volume da MITOLOGIA GREGA de JUNITO DE SOUZA BRANDÃO, sempre que algo novo e transformador vai se implantando em nossa consciência pessoal e coletiva algum dinamismo heróico é ativado. A imagem do herói cumpre, portanto, uma função intermediária entre o mundo da consciência e o inconsciente. Em outros termos, o herói é aquele que nasce para servir a um dado conteúdo inconsciente que busca integrar-se a consciência.

O MITO DO HEROI E A EXPERIÊNCIA DA INDIVIDUALIDADE

A imagem e realidade arquétipica do indivíduo, muito provavelmente, como sugere JUNG, irrompeu na consciência através do mito do herói cuja presença é indiscriminadamente identificada em inúmeras culturas do mundo arcaico. Ele representa, paradoxalmente, o próprio ser coletivo, “aquilo que é comum a todos” , ou ainda, a coesão primária da espécie ditada por suas raízes na natureza biológica e inconsciente. Por outro lado, em suas aventuras, o herói é também aquele ser transitório que superando inúmeras ameaças, obstáculos, provas e sofrimentos diversos, conquista e afirma sua singularidade frente a objetividade física e psíquica. Mas foram necessários séculos e séculos de história para que o indivíduo singular introjetasse uma pequena parcela da psicologia do herói.

Em SÍMBOLOS DA TRANSFORMAÇÃO JUNG afirma que,

“O homem como indivíduo é um fenômeno suspeito, cujo direito à existência poderia ser combatido sob o ponto de vista biológico, segundo o qual o indivíduo só tem sentido como ser coletivo, como elemento integrante da massa. Mas o espectro cultural lhe confere um significado que o separa da massa e que no decorrer de milênios levou a formação da personalidade, passo a passo com o qual se desenvolveu o culto do herói.”1

Em poucas palavras, a imagem do herói, em suas muitas variantes, parece sugerir no desenvolvimento da consciência diferenciada, uma tendência a afirmação do indivíduo singular como locus de transformação e de devir da experiência humana genérica. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento de qualquer forma de civilização ou cultura pressupõe, em alguma medida, um sacrifício do “homem natural” ou inteiramente submetido a lei da espécie e a segurança da orientação coletiva. Desta forma, o processo civilizatório fomenta tanto um progressivo desenvolvimento da consciência coletiva, quanto uma gradativa auto-consciência da individualidade, referencial simbólico e ontológico onde a diversidade de tudo o que existe toma a forma de uma unidade teleologicamente orientada para uma determinada finalidade. Em outras palavras, em qualquer sociedade, a vida individual, nossa essência singular e concreta, é aquele micro universo ontológico onde os fatos humanos e naturais adquirem realidade, significado e propósito. A atitude psíquica do indivíduo ante as condições externas da existência e do cânon simbólico de uma sociedade é um fator decisivo e crucial para o curso do desenvolvimento cultural.

Rendo-me preguiçoso
A diversão da janela,
Inventando ócios
No movimento gratuito
Da paisagem.

No canto escuro da sala
Aguardam tarefas,
Agendas e horas marcadas.

Quase não as vejo
Com os olhos cheios de sol.
Hoje é apenas hoje,
Apenas momento
E acontecer sem rumo
Em um retrato solto
De realidade.

NA FRONTEIRA DO SONHO

Tento chegar ao fundo
De um mudo momento
Em que se fazem absolutas
Antigas paisagens oníricas.

Na película de um filme antigo
Imagens embriagam os olhos,
embaralham o mundo.

Tudo se torna profundo
na superfície do espelho.






J W Goethe: AS ETAPAS DA VIDA....

A cada etapa da vida do homem corresponde uma certa Filosofia. A criança apresenta-se como um realista, já que está tão convicta da existência da peras e das maçãs como da sua. O adolescente, perturbado por paixões interiores, tem que dar maior atenção a si mesmo, tem que se experimentar antes de experimentar as coisas, e transforma-se protanto num idealista. O homem adulto, pelo contrário, tem todos os motivos para ser um céptico, já que é sempre útil pôr em dúvida os meios que se escolhem para atingir os objectivos. Dito de outro modo, o adulto tem toda a vantagem em manter a flexibilidade do entendimento, antes da acção e no decurso da acção, para não ter que se arrepender posteriormente dos erros de escolha. Quanto ao ancião, converter-se-á necessariamente ao misticismo, porque olha à sua volta e as mais das coisas lhe parecem depender apenas do acaso: o irracional triunfa, o racional fracassa, a felicidade e a infelicidade andam a par sem se perceber porquê. É assim e assim foi sempre, dirá ele, e esta última etapa da vida encontra a acalmia na contemplação do que existe, do que existiu e do que virá a existir.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Máximas e Reflexões"

domingo, 22 de julho de 2007


Escapo...
Escapa-me,
no invisível de um fio de sentido
que me guia
pela paisagem de um sonho azul.

Ilusão ou visão de mim mesmo
no fundo de um silêncio
entre noites.

Acontecer absurdo
de um quase discurso
no jardim das inercias
abertas em meu cotidiano.

Este rosto oculto
no disfarce de mil faces
faz parte dos muitos
dentro de mim
que se perderam em algum mar distante.

É como o vento que passa impune
pela paisagem fria
e enlaça meus pensamentos
em um laço de duvidas e sonhos.

Quase indiferente
Recolho o mito do quintal
e enterro retratos ao pé de um muro.
Pois já não sei que rosto
vestirei para a festa do meu futuro.
Já não sei tantas coisas
que me perco no desarrumar da casa
lembrando a vida das flores
de um jardim de domingo
que nunca vi.

C.G.JUNG: Fragmentos aleatórios

“Immanuel Kant disse certa vez que duvidava de toda história individual sobre fantasmas, etc., mas, se tomadas em conjunto, havia algo nelas. Isto me lembra fatalmente um professor de teologia católica que, tratando dos sete argumentos da existência de Deus, teve de admitir que cada um deles continha um silogismo. Mas disse ao final: “ Admito que, considerados individualmente, podem ser falsos, mas o fato de serem sete deve significar alguma coisa”.Eu examino minunciosamente o meu material empírico e devo dizer que, entre muitíssimas suposições arbitrárias, há casos que me fazem titubiar. Tomei como regra aplicar a sábia frase de Multatuli: Não existe nada que seja totalmente verdadeiro, nem mesmo esta frase.”

C.G.Jung. Carta a H J Barret. Daniem (Conn.) EUA- 12.10.1956, in Cartas de C G Jung: Volume III, 1956-1971. Petropoles: Vozes,2003; p. 52.

“...O ingles acredita que é possível controlar as emoções e educa seus filhos de acordo com isso. Ter afetos revela “bad taste” e “bad education”(...) Com exclusão dos ingleses e dos budistas, ninguem se dá conta de que o afeto é um estado de emergência.”

C.G.Jung. Carta ao Dr. Ned. F.v. Tischendorf- Zentralblatt für Verkehrs Medizin- Bad Godesberg/Alemanha- 19.04.1958, in Cartas de C G Jung: Volume III, 1956-1971. Petropoles: Vozes,2003; p. 52.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

SUBJETIVIDADE DE ALMA E SENTIMENTO...

No infinito pessoal
Que define cada ser humano
Universos se expandem
Até o limite da alma.
Tudo é abstração e construção
De si mesmo.
Tudo é aventura e descoberta
No desconhecer do outro
No próprio espirito.
Quem me dera ter na manga
Qualquer resposta fácil
Para as dissonâncias da vida,
Quem me dera ser herói
Em lugar da migalha
Do meu próprio eu.
************************

Toda alegria é infinita
Em apenas um momento,
Toda alegria é fantasia
Que nos constrói realidades
Na aventura do mundo.
O que é no fundo
Uma alegria?
Talvez tristeza
De me encontrar comigo
No deserto profundo
Do meu desconhecimento de tudo.

LITERATURA INGLESA I



Nascido duzentos anos antes de Shakespeare, Geoffrey Chaucer ( 1340-1400) é considerado o primeiro grande nome universal da literatura inglesa. Sua obra mais conhecida permanece sendo Os Contos da Cantuária (The Canterbury Tales). Podemos defini-la antes de tudo como um rico mosáico do cotidiano, da cultura, e da própria literatura medieval.
Em linhas gerais, a narrativa desenvolve-se em torno da romaria de uma comitiva composta por 29 peregrinos, reunidos ao acaso, ao tumulo do Sto. Tomas Beckett, então localizado na cidade da Cantuária. Por sugestão do dono do albergue onde pernoitam no inicio da viagem acordam de, ao longo do trageto, narrar histórias, cabendo como prêmio ao melhor narrador um grande jantar. Com este motivo elementar, a obra compõe-se de 24 histórias, duas das quais inacabadas. Cabe ressaltar que cada uma delas é simultâneamente ilustrativa de um gênero literário diferente e dedicada a uma ciência ou atividade humana específica. Assim sendo, o Conto do Propietário de Terras é uma Lai Bretã, enquanto o Conto do Cavaleiro, como não poderia deixar de ser, um romance de cavalaria, o Conto do Padre da Freira uma fábula, etc.
Mas o que quero aqui indagar é o que a obra desse autor,escrita a centenas de seculos, ainda  nos é de algum modo  contemporânea. Creio que em sua apresentação a edição brasileira do Contos da Cantuária Paulo Vizioli aproxima-se de uma explicação para esta surpreendente atualidade:

“...Naturalmente, todo esse conteúdo social e cultural não tem apenas valor histórico. Quando rimos das limitações e da carga de supertição da ciência daquele tempo, ou quando nos espantamos diante doscasos de opressão, de espoliação e de corrupção descritos, somos levados a imaginar como hão de de ver nossa ciência daqui a seis séculos, ou a indagar-nos se há realmente diferenças sensíveis, para melhor ou para pior, entre as injustiças e os abusos que então se praticavam e os que se praticam agora. Os contos de Chaucer oferecem-nos, portanto,um precioso referencial para a avaliação de nosso progresso e para a compreensão de nossa própria sociedade. Mesmo porque a época retratada pode ser a medieval, mas a humanidade é a de sempre.

Isso acontece devido ao fato de que, ao lado desse primeiro mérito, de interesse essencialmente sociológico, o livro ostenta um outro, não menos importante, de interesse basicamente psicológico, que decorre da sua exploração do ser humano como indivíduo e, num segundo momento, como que a fechar um círculo, de sua análise do relacionamento do indivíduo com a sociedade.” ( Paulo Vizioli; Apresentação in Os Contos da Cantuária/ Geoffrey Chaucer. SP; T A Queiroz, 1988, p. XVII).

Particularmente, o que me seduz nesse singular escrito medieval é não só a precoce consciência da singularidade e individualidade da experiência humana mas também seu humor e ironia mordaz com relação a sociedade e, ao muitas vezes contraditório, caráter de seus surpreendentemente complexos personagens.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

FEMINIMO E LITERATURA MEDIEVAL DO PONTO DE VISTA PSICO HISTÓRICO


Definição superficial de “amor cortes”
Para a igreja católica de fins do sec XII o casamento tornava-se cada vez mais um modo de influenciar a sociedade secular e lhe impor um dado ideal de espiritualidade que culmina na conversão do casamento em sacramento controlado pela própria Igreja no séc XIII...
Neste contexto, privilégio de poucos, “O aprendizado do verdadeiro amor implica em uma cultura superior e complexa, em uma mística e uma ascese que só poderia ser aprendida entre as mulheres finas e instruídas e adulteras” ( Mircea Eliade. História das crenças e das Idéias religiosas. Volume III; p. 123 )
Por outro lado o casamento era um mero instrumento de alianças senhoriais destinadas a proteger o patrimônio ancestral do fracionamento. Neste sentido, o casamento era um contrato destinado ao cumprimento de obrigações sociais e políticas.
Pensando aqui especificamente nas narrativas em língua vulgar escritas por Chrétien de Troyes (1135-1183), cabe observar que este autor, de modo singular, substituiu em seus poemas inspirados na Matéria da Bretanha, o rude mundo masculino das epopéias medievais por uma exposição das tensões entre diferentes códigos de amor e de honra, as exigências antagônicas da vida secular e religiosa. O melhor exemplo é seu Lancelot, O cavaleiro da charrete, cujo o argumento lhe fora imposto, muito significativamente, por sua protetora Maria de Champagne.
Conveniente lembrar nesse ponto, as Lais Bretãs compiladas por Maria de Franca por volta de 1175, pequenos contos de amor e de mistério inspirados na tradição oral do folclore bretão. Embora nestes a figura masculina do cavaleiro permaneça como o centro da narrativa as figuras femininas desempenham papel quase sempre decisivo.
No imaginário medieval predomina a dualidade entre Eva e Ave: a mulher como pecadora natural e inspiradora espiritual. No plano social e aristocrático as mulheres, embora marginalizadas, destacam-se no campo das letras, seja como patronas de literatos, como religiosas ou escritoras. No primeiro caso cabe lembrar o exemplo de Eleonor da Aquitânea ( rainha da França e posteriormente da Inglaterra) e sua filha Maria de Champagne, no segundo caso o da mística alemã Hildegard de Bingen, “a sibila do Reno”, no terceiro destaca-se Maria de França....
Muito ainda resta a dizer sobre a dualidade entre cristianismo e paganismo que define a sociedade medieval e, de outras maneiras, ainda define o nosso presente em um claro indício de que o cristianismo nunca foi absoluto ou vencedor na afirmação de uma imagem peculiar de mundo fundada no logos e dado projeto de racionalidade...


Falta qualquer coisa
No segredo desta noite,
Qualquer paz de estrela cadente.
em ânsias de dias seguintes.
Falta qualquer coisa...
Não sei ao certo.
Talvez um grito,
Um riso
Ou um rio a correr na alma.
Talvez apenas
Um gole de esperança,
Um porre de ânsia
Ou um sono de jardim.
Falta alguma coisa...
É certo
Na certeza da própria vida.

terça-feira, 17 de julho de 2007

ESPECULAÇÕES À SOMBRA DE UM DRAGÃO...




APROFUNDAMENTO DAS HORAS
Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero solução a problemas porque nessas situações faço tudo para que as horas passem- e escrever, pelo contrário, aprofunda e alarga o tempo. Se bem que ultimamente, por necessidade grande, aprendi um jeito de me ocupar escrevendo, exatamente para ver se as horas passam.”
Clarisse Lispector


Diria eu que escrever para que as horas passem é uma busca, uma realidade do homem no tempo que se perde, um descobrir-se no limite e no alem de coisas e fatos ... Desvelar, talvez, de um grande dragão vermelho que nos transforma em alma e vida no fogo de toda vontade que nos faz acontecer.

A NATUREZA DO DIA

Acordei para um dia como qualquer outro. Tão semelhante aos anteriores que quase não faz sentido rotula-lo de “novo”. Mesmo que me afirme fria e teimosamente o calendário a objetividade da data com aquele gosto de não sentido que costuma vestir os fatos em sua nudez.
Sim, eu acordei....No involuntário movimento matinal de abrir os olhos e saber de mim sem pensar; no não lembrar as marcas do sonho e do sono que até a pouco insinuavam qualquer coisa mágica além do banal e do normal ... Eu acordei.
Mas abri desleixado a gaveta de um vento onde guardava projetos de inacabadas infâncias e idealizadas velhices felizes para finalmente me buscar como adulto, superar relativamente as horas organizadas sob os números que nomeiam a data que é esse dia cíclico e infinito no sempre igual dos anos...
Que importa? Do que vale tudo isso e a janela aberta em sol?
Sei, felizmente, o ouro das paciências todas somadas.
Sei o obrar da espera de um futuro que me redima dos tempos desse impertinente dia;
que me conduza a didatica introspecção do meu eu além dos fatos e horas perdidas.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

AUSÊNCIA

Tenho saudades
Dos meus amanhãs de menino,
Das minhas certezas de infância,
Saudades de céu azul
E noites de estrelas,
Na luz de algum encanto
De alma e corpo.
Tenho saudade de mim mesmo
Nos dias primeiros
De invenção da minha existência.

Falta qualquer coisa
No segredo desta noite,
Qualquer paz de estrela cadente.
em ânsias de dias seguintes.
Falta qualquer coisa...
Não sei ao certo.
Talvez um grito,
Um riso
Ou um rio a correr na alma.
Talvez apenas
Um gole de esperança,
Um porre de ânsia
Ou um sono de jardim.
Falta alguma coisa...
É certo
Na certeza da própria vida.

CORPO E PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO



O imaginário contemporâneo, não é novidade dizer, distanciou-se significativamente das premissas do pensamento “clássico” ou “moderno” e seu referencial logocentrista. As zonas de experiência e da ação que definem o ato reflexivo do pensamento, seja no fazer-se da linguagem, da arte ou da política, mesmo que inconscientemente, recuperam a presença e realidade do corpo enquanto consciência do espaço e do tempo como condição inalienável da própria reflexão e suas premissas.
Trata-se de um corpo que se observa, que se faz pensamento, através da presença que nos define no mundo; não mais necessariamente articulado pela coordenação recíproca de experiências que estabelecem um intersubjetivo consenso que estabelece a realidade enquanto outro de nós mesmos em sociedade.
O corpo tornou-se experiência e enigma de autoreflexão, de reconhecimento de nossa própria singularidade e não mais um uma mero testemunho ontológico da condição de pertencimento a espécie, a humanidade...Ele é cada vez mais cocreto na objetividade de seus cuidados, cultos e idealizações aparentemente banais. Ele é o que define nosso limitado e reduzido lugar no mundo, a consciência de nós mesmos como seres autônomos e atomizados atores e autores da reflexão.
O corpo nos possui como o possuimos e é o próprio mundo que somos. O pensamento atraves dele torna-se performace, gesto, ritual ou mera necessidade.... cuja presença ou expressão é fragmento ou particularidade de um real inesgotável, um caminhar pelas ilegiveis e confusas vielas do espirito guiados pela sensualidade que nos disperta tudo que existe virtual ou concretamente.
Em poucas palavras, nos aproximamos de qualquer neo materialismo profundamente imaginativo onde o pensar divorcia-se de qualquer imagem racional de verdade e faz-se carne em nossas duvidas e incertezas cotidianamente vividas em todos os campos da existência.

O MANDALA COMO SÍMBOLO DO SELF



Como demonstra Eliade no primeiro capítulo de IMAGENS E SÍMBOLOS, o Mandala, enquanto expressão viva da natureza da psique, é uma variação tardia do simbolismo do centro fartamente documentado nas culturas arcaicas. A imagem do mundo como microcosmos organizado pressupõe a dualidade entre o espaço de uma realidade ordenada, cosmicizada ou familiar, e o espaço do caos, do desconhecido e da morte, normalmente atribuído a um estado primordial anterior ao advento da civilização.
O mundo habitado pelos homens na geografia sagrada possui centros, lugares de interseção entre os vários níveis de representação do universo, ou seja, um espaço onde se desenha um eixo que , para usar um esquema básico, liga o céu, a terra e o mundo inferior. Lugares sagrados, como templos , clareiras, árvores e cavernas ,manifestam nas culturas arcaicas a inserção no espaço profano desta realidade absoluta em que o caos e a ordem, o informe e o formado, ou, em termos modernos, a consciência e o inconsciente, estão em perfeita conjunção como dois vasos comunicantes.
O mandala, significativamente presente tanto na cultura oriental quanto na arte e imaginário medieval , é uma experiência pessoal deste simbolismo universal enquanto locus da vivência do sagrado. A melhor tradução deste termo sâncrito é “aquilo que rodeia” . Na arte e na religião o encontramos personificado sob a forma de círculos , concêntricos ,ou não, sobrepostos em um quadrado ornamentado por alegorias ou, então, por representações circulares contendo formas geométricas ou antropomórficas de vários modos associadas a expressão do que é considerado “numinoso” .
O mandala é como uma imagem interior exteriormente projetada do próprio cosmos, um “ punctum cordis” (centro do coração),ou ainda, a tradução de uma determinada situação psíquica que tradicionalmente é associada a experiência do Self , do Si- Mesmo , enquanto símbolo de conjunção e de totalidade.
Trata-se de uma espécie de mecanismo ou suporte que funciona como lugar da imagem do sagrado e uma janela que se abre para as paisagens da indeterminada amplidão da psique inconsciente. Ele é a mais precisa definição do que permanece obscuro , desconhecido e indelineável no conjunto da personalidade humana. Falo aqui do “homem absoluto”, da totalidade insondável da experiência de existir apenas pressentida pela consciência individual ou determinada do complexo egóico.
Em todas as épocas e sociedades cada homem tende, mesmo que inconscientemente, para o próprio centro e para o centro de uma realidade integral. São as experiências fundamentais do amor, da angustia, da melancolia , da alegria, do medo, da arte, do ódio, etc. que, através de vários ritmos temporais e modalidades de consciência , nos colocam em tênue contato com aquilo que gosto de chamar de integralidade do fenômeno humano. Quanto menos dissociadas e fragmentadas nossas emoções mais nos surpreendemos próximos da intuição de uma finalidade e teleologia inerente a vida em todas as suas dimensões. Este sentimento de continuidade e propósito é o que mais corretamente traduz a experiência do Si-mesmo enquanto arquétipo da centroversão e da totalidade, dos mais variados modos, observável em todo organismo vivo1. Sendo a identidade dos opostos a característica definidora dos fatos psíquicos inconscientes, a substância das representações mandálicas é contraditória. Sua leitura nos conduz ao “obscurum per obscurius ,ignotum per ignotius” (o obscuro pelo mais obscuro, o ignorado pelo mais ignorado). Impossível tratar deste tema sem recorrer a descrição de exemplos concretos . Antes de apresenta-los gostaria ,porem, de reproduzir uma breve caracterização feita por Jung sobre os elementos formais dos temas mandálicos. Podemos encontra-los como :
1-Forma circular, esférica ou oval.
2-Figura circular elaborada como flor (rosa, lótus ,padma em sâncrito) ou como roda.
3-Centro figurado pelo sol, estrela, cruz, em geral de quatro, oito ou doze raios.
4-Círculos, esferas e figuras cruciformes em rotação (suástica)
5-Círculo como serpente enrolada circularmente (urobolo) ou espiralada(ovo órfico) em torno de um centro.
6-A quadatura do círculo, como círculo dentro de um quadrado ou vice versa.
7-Castelo, cidade , pátio ( temenos ) quadrado ou circular.
8-Olho (Pupila e íris)
9-Ao lado das figuras tetrádicas(ou em múltiplas de quatro) aparecem também, mas muito mais raramente, formas triádicas ou pentagonais que devem ser consideradas como imagens de uma totalidade perturbada.2
***********************************************************************************
1Cabe assinalar que somente o indivíduo é que dá sentido e faz a História. Qualquer realidade histórica é operada por indivíduos que, conscientemente , ou não, cooperam com as fontes inconscientes , irracionais e transpessoais da vida produzindo fatos coletivos que nada mais são do que reflexo de uma dada exigência da Psique Objetiva.
Desta forma, a energia psíquica caminha naturalmente em direção a um “centro”, ou seja, esboçam um processo de centroversão que faz da totalidade o princípio ordenador do processo histórico. Só podemos apreende-lo através da psique e, portanto ,tudo o que formulamos sobre a História está condicionado e limitado a Psique e a nossa equação pessoal. Em outras palavras, a vida de cada indivíduo, em sua multiplicidade de expressões, permite analogias com os fatos e fenômenos históricas pois, em um e outro caso, lidamos com as atividades da alma inconsciente. Isto é, encontramos um só fundamento.
22- cf. Cal Gustav Jung,, O simbolismo da Mandala, in Os arquetipos e Inconsciente Coletivo, Obras Completas, Vol.IX/1, p.357.

SOBRE O EU, O TEMPO E O MUNDO

Um eu caiu
Do meu rosto
E se partiu
Em cacos
No fundo de um chão
Aberto de mundo.

Qualquer coisa
Perdeu-se ali
Sem me fazer falta,
Qualquer entulho,
Que me distorcia o riso
E só reconheci em cacos...
Quebrou-se
Então
A casca
De algum antigo mundo.
****************
Meus olhos fechados
Adivinham infinitos.

Inventam  o instintivo ato de imaginação
Onde arrumo os fatos
Em seus lugares e tempos
De provisórios caminhos.

Qualquer cegueira d’alma,
Entretanto,
Inventa sombras no escuro,
Apaga presentes e problemas,
Sonhando qualquer outro dia
No encanto profundo
Do púrpuro azul da noite.

DEVANEIOS DE TEMPO EM MUNDO

Imprecisos, as vezes,
São os momentos,
Quando se deixam entornados
Em horas mortas de madrugada,
Passeando pela casa no falar de cada objeto,
No corpo de cada parede
E no olhar estranho da janela aberta.
Tato do pensamento
Que em tudo se desfaz um pouco
Nas sensações da existência.
***********
A vida se deixa
Em um cruzar de braços
Em abraço te tempo inerte,
Permanente,
Alem de tudo que passa.
A vida se faz
Certeza
De algum momento único
De ser dentro do mundo
Sem sentidos ou buscas.
A vida se mostra
Apenas vida,
Matéria e forma
De si mesma
Em movimento.

HISTORIOGRAFIA E REALIDADE: fragmentos/citações

“...Há sempre na realidade histórica, mais coisas do que as que a hipótese mais engenhosa consegue abraçar: esta não passa de um artifício de apresentação que, para comodidade da memória, sublinha, com um traço de lápis vermelho, tais e tais linhas submersas num desenho de milhares de curvas que se recortam em todo o sentido. Não passa de uma maneira de ver , não poderia pretender reconduzir a multiplicidade observada a alguns princípios gerais que a pouco e pouco explicariam verdadeiramente e totalmente o real.”
MARROU, H I. Do conhecimento histórico. Lisboa: Editorial Aster; 2º ed. s/d, p.175.

“ ...a ‘chave’ nos escapa. Não podemos, tampouco, como na astronomia ou mesmo na geologia, dadas certas condições iniciais, reconstruir confiavelmente- calcular o passado ou o futuro de uma de uma cultura, de uma sociedade de classes, de um indivíduo ou um grupo- , exceto em casos muito raros e anormais, com lacunas enormes e com a ajuda de tantas hipóteses e epiciclos ad hoc, de tal modo que a observação direta torna-se mais econômica e informativa do que essas tentativas de interferências científica. Se nos perguntarmos o quanto realmente podemos dizer sobre um dado período de uma cultura ou um dado padrão de ação humana- uma guerra, uma revolução, o renascimento de uma arte ou ciência- a partir do conhecimento de seus meros antecedentes ou conseqüências imediatas, seremos obrigados a responder: quase absolutamente nada.”
BERLIN, Isaiah. O sentido da realidade. Estudos das idéias e de suas história./ organizado por Henry Hardy. RJ: Civilização Brasileira,1999; p.23

DEVANEIOS

Invejo aquela criança
Que se diverte
No verde
De um jardim aberto.
Invejo seus céus claros
E chão de mínimos obstáculos
No esforço de caminhar.
Invejo sua alma leve
Tão perto do azul do ceu
E além...
*********
Brincando de chuva e vento
Risco um riso
No frio de um dia nublado.
Guardo no bolso
Qualquer alegria antiga
Para oferecer ao grito
De um temporal.
As águas do céu
Lavam-me a alma,
Levam certezas
Para qualquer ermo de alem mar...
A sombra do sol
Diz o fundo das horas
No girar da terra mãe.
Paisagens em movimento
Esclarecem o tempo
No corpo da soma de todas as coisas.
O mundo percorre o mundo
Em segredo
Em um segundo de movimento
Da sombra do sol.

Jardim das Delicias...


Nenhuma outra imagem parece-me mais enigmática e fascinante para a irracional vivência psicologica da realidade dos simbolos...
Trata-se de uma imagem enigma cujo o dizer é a própria natureza humana....

SOBRE A ARTE DA ESCUTA.....

"Somos todos ouvidos quando transpomos simplesmente o recolhimento para a escuta e esquecemos, por completo, os ouvidos e o simples afluxo dos sons. Esticando apenas os ouvidos para o soar das palavras nas expressões de quem fala, ainda não escutamos nada. Assim nunca chegaremos a escutar alguma coisa em sentido próprio. Mas, então, quando é que se dá e acontece esta escuta? Nós só escutamos quando pertencemos ao apelo do que nos traz a fala."
Martin Heidegger in Logos ( Heráclito, fragmento 50)

domingo, 15 de julho de 2007

CEU E SONHO

No azul sereno de uma manhã clara
esqueço-me de tudo
em um canto qualquer de mundo.
Descubro meu riso
e meu nada
em goles de vazio
e espaços abertos
em sonhos.
Mas a manhã me cala
e escapa
impunemente...
Todo momento é semente,
acontecer de caminhos sobrepostos
no indefinido de seguir em frente.
Tudo que me ocorre é vida
sob um céu de futuros
sem sentidos.
Movimento, apenas,
decorrente do gratuito exercício de ser.
Percebo a vida como quebra cabeça
intimo e complexo.