Nascido duzentos anos antes de Shakespeare, Geoffrey Chaucer ( 1340-1400) é considerado o primeiro grande nome universal da literatura inglesa. Sua obra mais conhecida permanece sendo Os Contos da Cantuária (The Canterbury Tales). Podemos defini-la antes de tudo como um rico mosáico do cotidiano, da cultura, e da própria literatura medieval.
Em linhas gerais, a narrativa desenvolve-se em torno da romaria de uma comitiva composta por 29 peregrinos, reunidos ao acaso, ao tumulo do Sto. Tomas Beckett, então localizado na cidade da Cantuária. Por sugestão do dono do albergue onde pernoitam no inicio da viagem acordam de, ao longo do trageto, narrar histórias, cabendo como prêmio ao melhor narrador um grande jantar. Com este motivo elementar, a obra compõe-se de 24 histórias, duas das quais inacabadas. Cabe ressaltar que cada uma delas é simultâneamente ilustrativa de um gênero literário diferente e dedicada a uma ciência ou atividade humana específica. Assim sendo, o Conto do Propietário de Terras é uma Lai Bretã, enquanto o Conto do Cavaleiro, como não poderia deixar de ser, um romance de cavalaria, o Conto do Padre da Freira uma fábula, etc.
Mas o que quero aqui indagar é o que a obra desse autor,escrita a centenas de seculos, ainda nos é de algum modo contemporânea. Creio que em sua apresentação a edição brasileira do Contos da Cantuária Paulo Vizioli aproxima-se de uma explicação para esta surpreendente atualidade:
“...Naturalmente, todo esse conteúdo social e cultural não tem apenas valor histórico. Quando rimos das limitações e da carga de supertição da ciência daquele tempo, ou quando nos espantamos diante doscasos de opressão, de espoliação e de corrupção descritos, somos levados a imaginar como hão de de ver nossa ciência daqui a seis séculos, ou a indagar-nos se há realmente diferenças sensíveis, para melhor ou para pior, entre as injustiças e os abusos que então se praticavam e os que se praticam agora. Os contos de Chaucer oferecem-nos, portanto,um precioso referencial para a avaliação de nosso progresso e para a compreensão de nossa própria sociedade. Mesmo porque a época retratada pode ser a medieval, mas a humanidade é a de sempre.
Isso acontece devido ao fato de que, ao lado desse primeiro mérito, de interesse essencialmente sociológico, o livro ostenta um outro, não menos importante, de interesse basicamente psicológico, que decorre da sua exploração do ser humano como indivíduo e, num segundo momento, como que a fechar um círculo, de sua análise do relacionamento do indivíduo com a sociedade.” ( Paulo Vizioli; Apresentação in Os Contos da Cantuária/ Geoffrey Chaucer. SP; T A Queiroz, 1988, p. XVII).
Particularmente, o que me seduz nesse singular escrito medieval é não só a precoce consciência da singularidade e individualidade da experiência humana mas também seu humor e ironia mordaz com relação a sociedade e, ao muitas vezes contraditório, caráter de seus surpreendentemente complexos personagens.
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