segunda-feira, 16 de julho de 2007

O MANDALA COMO SÍMBOLO DO SELF



Como demonstra Eliade no primeiro capítulo de IMAGENS E SÍMBOLOS, o Mandala, enquanto expressão viva da natureza da psique, é uma variação tardia do simbolismo do centro fartamente documentado nas culturas arcaicas. A imagem do mundo como microcosmos organizado pressupõe a dualidade entre o espaço de uma realidade ordenada, cosmicizada ou familiar, e o espaço do caos, do desconhecido e da morte, normalmente atribuído a um estado primordial anterior ao advento da civilização.
O mundo habitado pelos homens na geografia sagrada possui centros, lugares de interseção entre os vários níveis de representação do universo, ou seja, um espaço onde se desenha um eixo que , para usar um esquema básico, liga o céu, a terra e o mundo inferior. Lugares sagrados, como templos , clareiras, árvores e cavernas ,manifestam nas culturas arcaicas a inserção no espaço profano desta realidade absoluta em que o caos e a ordem, o informe e o formado, ou, em termos modernos, a consciência e o inconsciente, estão em perfeita conjunção como dois vasos comunicantes.
O mandala, significativamente presente tanto na cultura oriental quanto na arte e imaginário medieval , é uma experiência pessoal deste simbolismo universal enquanto locus da vivência do sagrado. A melhor tradução deste termo sâncrito é “aquilo que rodeia” . Na arte e na religião o encontramos personificado sob a forma de círculos , concêntricos ,ou não, sobrepostos em um quadrado ornamentado por alegorias ou, então, por representações circulares contendo formas geométricas ou antropomórficas de vários modos associadas a expressão do que é considerado “numinoso” .
O mandala é como uma imagem interior exteriormente projetada do próprio cosmos, um “ punctum cordis” (centro do coração),ou ainda, a tradução de uma determinada situação psíquica que tradicionalmente é associada a experiência do Self , do Si- Mesmo , enquanto símbolo de conjunção e de totalidade.
Trata-se de uma espécie de mecanismo ou suporte que funciona como lugar da imagem do sagrado e uma janela que se abre para as paisagens da indeterminada amplidão da psique inconsciente. Ele é a mais precisa definição do que permanece obscuro , desconhecido e indelineável no conjunto da personalidade humana. Falo aqui do “homem absoluto”, da totalidade insondável da experiência de existir apenas pressentida pela consciência individual ou determinada do complexo egóico.
Em todas as épocas e sociedades cada homem tende, mesmo que inconscientemente, para o próprio centro e para o centro de uma realidade integral. São as experiências fundamentais do amor, da angustia, da melancolia , da alegria, do medo, da arte, do ódio, etc. que, através de vários ritmos temporais e modalidades de consciência , nos colocam em tênue contato com aquilo que gosto de chamar de integralidade do fenômeno humano. Quanto menos dissociadas e fragmentadas nossas emoções mais nos surpreendemos próximos da intuição de uma finalidade e teleologia inerente a vida em todas as suas dimensões. Este sentimento de continuidade e propósito é o que mais corretamente traduz a experiência do Si-mesmo enquanto arquétipo da centroversão e da totalidade, dos mais variados modos, observável em todo organismo vivo1. Sendo a identidade dos opostos a característica definidora dos fatos psíquicos inconscientes, a substância das representações mandálicas é contraditória. Sua leitura nos conduz ao “obscurum per obscurius ,ignotum per ignotius” (o obscuro pelo mais obscuro, o ignorado pelo mais ignorado). Impossível tratar deste tema sem recorrer a descrição de exemplos concretos . Antes de apresenta-los gostaria ,porem, de reproduzir uma breve caracterização feita por Jung sobre os elementos formais dos temas mandálicos. Podemos encontra-los como :
1-Forma circular, esférica ou oval.
2-Figura circular elaborada como flor (rosa, lótus ,padma em sâncrito) ou como roda.
3-Centro figurado pelo sol, estrela, cruz, em geral de quatro, oito ou doze raios.
4-Círculos, esferas e figuras cruciformes em rotação (suástica)
5-Círculo como serpente enrolada circularmente (urobolo) ou espiralada(ovo órfico) em torno de um centro.
6-A quadatura do círculo, como círculo dentro de um quadrado ou vice versa.
7-Castelo, cidade , pátio ( temenos ) quadrado ou circular.
8-Olho (Pupila e íris)
9-Ao lado das figuras tetrádicas(ou em múltiplas de quatro) aparecem também, mas muito mais raramente, formas triádicas ou pentagonais que devem ser consideradas como imagens de uma totalidade perturbada.2
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1Cabe assinalar que somente o indivíduo é que dá sentido e faz a História. Qualquer realidade histórica é operada por indivíduos que, conscientemente , ou não, cooperam com as fontes inconscientes , irracionais e transpessoais da vida produzindo fatos coletivos que nada mais são do que reflexo de uma dada exigência da Psique Objetiva.
Desta forma, a energia psíquica caminha naturalmente em direção a um “centro”, ou seja, esboçam um processo de centroversão que faz da totalidade o princípio ordenador do processo histórico. Só podemos apreende-lo através da psique e, portanto ,tudo o que formulamos sobre a História está condicionado e limitado a Psique e a nossa equação pessoal. Em outras palavras, a vida de cada indivíduo, em sua multiplicidade de expressões, permite analogias com os fatos e fenômenos históricas pois, em um e outro caso, lidamos com as atividades da alma inconsciente. Isto é, encontramos um só fundamento.
22- cf. Cal Gustav Jung,, O simbolismo da Mandala, in Os arquetipos e Inconsciente Coletivo, Obras Completas, Vol.IX/1, p.357.

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