sexta-feira, 28 de julho de 2017

O DETERMINISMO DA SIGNIFICAÇÃO

Dar sentido as suas próprias escolhas individuais não é um testemunho de livre arbítrio. Afinal, tais escolhas estão condicionadas a formatações coletivas e impessoais da existência. Nos tornamos, assim, prisioneiros de nossas próprias significações e não propriamente seus autores. Não exercemos real controle sobre a atração  que este, e não aquele, enunciado exerce sobre nós.

Nossas escolhas são apenas opções pré definidas através das quais nos adequamos por uma dada representação impessoal da realidade.



SUBJETIVIDADE OBJETIVA

A subjetividade é um exercício impessoal e coletivo. Não passa de uma premissa de determinadas estratégias discursivas e significação de mundo.

Não acontecemos naquilo que dizemos, mas aquilo que dizemos define como narrativa a realidade.

Um relato individual sobre o testemunho de determinado acontecimento é sempre seletivo e parcial. Mas isso não o torna “pessoal”, pois suas premissas são coletivas. Trata-se de um esforço de comunicação, de um movimento para o exterior, ou para o outro receptor do relato. Ele é feito em função de alguém e personifica uma tentativa de “objetivização” do fato.

O sujeito inventa o objeto para poder ser sujeito. Tal arbitrariedade faz parte do modo como nos comunicamos uns com os outros. Onde “eu” estou naquilo que digo, não é uma pergunta válida.


segunda-feira, 24 de julho de 2017

LITERATURA E RUPTURA

O cânone de autores e livros consagrados cria e alimentam leitores. Constituem um campo de referências de formatações simbólicas que estabelecem as  questões e temas de um imaginário erudito. Há também um componente de censura. Pois a legitimação de qualquer discurso deve necessariamente pressupor tais referências. A autoridade dos autores clássicos estabelece um horizonte cujos limites não é ultrapassado, mas a partir do qual tudo deve ser concebido.


Mas é a transgressão e a ruptura que nos conduz ao selvagem espaço do agora que, por vocação, é consagrado ao inédito, ao ensaio e ao experimentalismo. É onde toda a tradição é sempre desafiada. Hoje em dia, talvez, de um modo como nunca anteriormente concebido, pois é o próprio proposito e sentido de toda narrativa que deve ser questionado. 

sexta-feira, 21 de julho de 2017

A PERENIDADE DOS LIVROS



Os livros envelhecem nas estantes.

Neles escrevo meu anonimato
Perdido  em labirintos de enunciados.
As palavras domesticadas
Sonham com o abismo,
Embaralham significados.
Os livros são mudos.
Encontramos neles
Vislumbres de mundos artificiais.
Livros não cabem na existência.

E morrem com o tempo.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

CONHECIMENTO E TRANSITORIEDADE

Nenhum discurso tem a capacidade de esgotar toda significação possível, de estabelecer uma representação absoluta do real. O próprio real é um dado circunstancial regido pela finitude e a um devir constante dos fenômenos que lhe definem. Há sempre novos discursos que atualizam esta defasagem inerente a realidade como representação verbal da consciência.

Assim, nossos filtros conceituais e metodológicos, balizadores de gramaticas discursivas, só podem produzir narrativas parciais, imprecisas e incertas sobre qualquer assunto. Mesmo que  estas narrativas se legitimem socialmente como verdades, elas ainda estarão fadadas ao envelhecimento, a uma desatualização, pois cada época inventa sua própria linguagem e bagagem simbólica.

A codificação do real através do conhecimento formal e institucional, é um produto perecível. Pode-se mesmo dizer que esta destinado mais a sua auto reprodução e auto legitimação do que propriamente estabelecer-se como uma “filosofia de vida” ou uma ética ou estética existencial sobre as coisas.


Em outras palavras, o conhecimento do mundo, é um conhecimento de nosso meio cultural e não propriamente uma apropriação inconteste  dos fenômenos.Ele produz sentido, mas um sentido que inventa enraizamentos, coordenadas simbólicas. Somente como tal podemos toma-lo como conhecimento, como uma apropriação subjetiva do mundo,  como um efeito de representação desde sempre defeituosa.

A PALAVRA A DERIVA

O ideal de um texto é falar longamente sobre nada, nos seduzir pelo encadeamento dos enunciados,  até nos convencer de seu charme. Parece ridículo, mas a autoridade de um bom texto é quase sempre uma questão de estilo e criatividade.  Afinal, muitas vezes não escrevemos para defender teses ou dissecar sentimentos. Muitos textos são escritos a deriva, perseguem o próprio rabo sem nos levar a lugar algum.  Eles funcionam como um esforço terapêutico contra a absoluta falta de sentido que no fundo define a condição humana.


Livro algum pode salvar uma vida, nos oferecer todas as respostas. Mas, as vezes, escrever é tudo que nos resta para lidar com o tédio de todos os dias. Você simplesmente deixa de buscar respostas enquanto cospe palavras como um bêbado. Isso funciona. Escreve-se, então, apenas para se distrair de si mesmo.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

EXISTÊNCIA

Existência é conjunção,
Constelação,
Estar entre...
Jamais Ser.
Pois em cada momento
Provisória e parcialmente
Sempre somos apenas
Presença,
Um inacabamento ontológico,
Uma imprecisão.


ONTOLOGIA NEGATIVA

Onde posso ainda
Me inventar palavra
E ser?
Minha consciência
É sempre consciência das coisas
Contra  eu mesmo.
Pois este eu
É apenas um saber das coisas,
Uma presença indeterminada
No fluir de tudo

Através de mim.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

ARQUETIPICO E PENSAMENTO CONTEMPORÃNEO

O racionalismo metafisico e secular que caracteriza a tradição filosófica ocidental, impôs, da idade media  até o século XX, um arraigado preconceito em relação ao mito e a seu suposto “arcaísmo cognitivo”, considerados como sinônimos de fabulações arbitrarias ou enunciados fantasiosos, em sentido pejorativo, contraposto ao pensamento logico dedutivo. Foi apenas nas primeiras décadas do século XX que autores como Carl Gustav Jung, Mircea Eliade, Ernest Cassirer, Gilbert Durant e Bachelard levaram a cabo uma reabilitação da mitologia e do símbolo como forma de  linguagem e expressão do mais elementar de nossa condição humana.

Tomando aqui como referencia Gilbert Durant, confesso herdeiro intelectual de Bachelard e da sua Psicanalise do Fogo, creio muito interessante a seguinte passagem de  As Estruturas antropológicas do imaginário para esclarecer a relação entre arquetípico e mito:

“ No prolongamento dos esquemas arquetípicos, e simples símbolos podemos considerar o mito. Não tomaremos este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas  o reverso representativo de um ato ritual. Entenderemos por mito um sistema dinâmico de símbolos, arquetípicos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquetípicos em ideias. O mito explica um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a ideia e que  o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico, ou, como bem viu Bréhier, a narrativa histórica e lendária. É o que ensina de maneira brilhante a obra de Platão,na qual o pensamento racional parece constantemente emergir de um sonho mítico e algumas vezes ter saudade dele.Verificamos, de resto, que a organização dinâmica do mito,  corresponde muitas vezes à organização estática a que chamamos ‘constelação de imagens’ O método da convergência evidencia o mesmo isomorfismo na constelação e no mito.”
(Gilbert Durand. As estruturas antropológicas do imaginário-4ª ed. SP:Editora WMF-Martins Fontes, 2012, p. 62-63)

 O mito não se relaciona, portanto, a um ato ritual, muito menos é incompatível com o pensamento racional. Mas personifica uma linguagem imagética que perpassa varias dimensões das codificações culturais da realidade coletivamente vivida. É até mesmo possível reivindicar sua contemporaneidade no cinema, na politica e literatura, mesmo que a partir de configurações psicológicas inteiramente seculares. A experiência das imagens é um modo não verbal de codificar a realidade.

Arquetípicos e símbolos dão forma as representações coletivas, estabelecem não apenas padrões, mas topologias  que atuam de forma dinâmica na definição do próprio pensamento e organizações humanas. Por isso. o mito é uma experiência viva ainda hoje. Pois a existência de um imaginário é premissa estrutural e normativa para qualquer forma de representação social e configuração cultural. 

O mito é basicamente uma gramática.


segunda-feira, 10 de julho de 2017

ARTIFÍCIO E DECADÊNCIA DA OBRA AUTORAL

O autor, enquanto função e elemento da narrativa, pode ser superado pela criação coletiva, pelo artifício tecnológico. A criação artística já não depende do artesanato das palavras, da fantasia individual, mas se define cada vez mais pela aplicação de técnicas, de formas pré moldadas de expressão. Cada vez menos o autor é sujeito do enunciado que, por sua vez, segue tendências impessoais definidas pelos consensos em torno de como deve se dar a estruturação de uma obra. A subjetivação sem sujeito é uma das grandes novidades dos lugares comuns da contemporaneidade. 

PENSAMENTO E HISTÓRIA DA FILOSOFIA



Na aventura do pensamento, encontrar respostas pode significar desistir de velhas perguntas. Responder questões que não formulamos pelo simples desgaste de velhos enunciados, é um modo de avançar. 

Abandonar perspectivas, conceitos, como brinquedos velhos, é mais comum do que parece no velhos manuais de história da filosofia. Talvez porque a filosofia não tenha propriamente uma história.

A história da Filosofia não é um processo, não é cumulativa,  muito menos genealógica. É diferente da  história das ciências, organizada em sucessivas ondas de “revoluções” e reinvenções da ideia de natureza.


A IMPESSOALIDADE DA ESCRITA

Escrever nunca deve ser uma escolha, mais uma compulsão, uma “doença saudável” que nos mantem alguma saúde contra o devir do mundo e as insuficiências da realidade.  Nenhum bom escritor escreve por prazer ou para realização pessoal, mas movido por sua debilidade pessoal. É ela que o conduz a um deslocamento do próprio rosto através de uma narrativa.


Escreve-se sobre grandezas impessoais, nunca sobre si mesmo. O próprio ato da escrita é um transbordamento de si mesmo através destas grandezas: sociedades, culturas, ideologias, gênero, crime, ficção, psicologia, comportamento.... Ninguém é nada disso.  Quando se opina sobre qualquer tema, estamos simplesmente desaparecendo na adesão a uma corrente de opinião.

 A palavra é justamente o lugar onde não estamos, onde não somos, em permanente deslocamento.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

FILOSOFIA PARA JOVENS

É preciso aprender a pensar ao ar livre,
Sem o peso dos conceitos,
Dos vícios da tradição.
A verdade é um engodo.
Pensar é apenas um jogo
Onde nos sonhamos senhores
De nossas representações do mundo.
Mas o que mais somos
Além de tristes escravos de nossas convicções?
A liberdade existe apenas no efêmero,
Em seguir do nada ao  nada,

Como se viver fosse um inocente divertimento.

SOBRE ERROS E ENGANOS


Errar é diferente de cometer enganos. Mesmo que, aparentemente, em ambos os casos sejamos vitimas de equívocos. Um erro é uma imprecisão, mas um engano é uma convicção. Não se deve confundir as duas coisas.

Errar é inebriar-se com a  verdade a ponto de sucumbir aos seu encantos sem atentar para suas contradições. O engano é tomar o falso pelo verdadeiro. O ultimo pode ser  um momento do primeiro. Mas entre as duas situações existe uma sutil diferença.


Nossa vocação para crença, seja de qualquer natureza, nos faz não perceber a diferença   e nos mantém escravos de ambos.

terça-feira, 4 de julho de 2017

FLUXO VIRTUAL


Meus olhos cansados contemplam a tela,
O fluxo de imagens, símbolos,
estímulos, prazeres e signos
Que nos inventam a realidade.
Não concluem nada
Perante o hipnótico plano
Da quarta dimensão virtual.
Meus olhos cansados tocam pensamentos,
Acordam imaginações.
Aprendem que tudo é puro fluxo
E movimento.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

AS METAMORFOSES DO REAL

Somos consumidores obesos de informação. Diariamente configuramos e reconfiguramos nossa imagem de mundo através da leitura diária de jornais, telejornais e, cada vez mais, através da  tela do computador, como espelho distorcido da existência coletiva. Informação e opinião importam agora mais do que os fatos.

O mito do conhecimento como artifício de domínio objetivo da realidade foi desmentida pela sua própria realização. Quanto mais sabemos menos somos capazes de entender e mais nos tornamos aptos ao esquecimento coletivo, pois o acontecimento já não marca o compasso do tempo, mas sua própria banalização como devir incontrolável do acontecer humano. A morte do real e a era do hiper real, advogada por Jean Baudrillard, é cada vez mais nítida no horizonte cognitivo contemporâneo.

A questão é  tentar antecipar as novas formas de linguagens e codificações de mundo que  podem emergir neste cenário de virtualização das gramaticas cotidianas. Mesmo que o projeto de uma civilização baseada em coletivos inteligentes e virtuais de Pierre Levy seja  uma aposta demasiadamente otimista. O que parece indiscutível, entretanto, é que a ideia de realidade, mesmo na mais inocente das hipóteses, está mudando.