sexta-feira, 14 de julho de 2017

ARQUETIPICO E PENSAMENTO CONTEMPORÃNEO

O racionalismo metafisico e secular que caracteriza a tradição filosófica ocidental, impôs, da idade media  até o século XX, um arraigado preconceito em relação ao mito e a seu suposto “arcaísmo cognitivo”, considerados como sinônimos de fabulações arbitrarias ou enunciados fantasiosos, em sentido pejorativo, contraposto ao pensamento logico dedutivo. Foi apenas nas primeiras décadas do século XX que autores como Carl Gustav Jung, Mircea Eliade, Ernest Cassirer, Gilbert Durant e Bachelard levaram a cabo uma reabilitação da mitologia e do símbolo como forma de  linguagem e expressão do mais elementar de nossa condição humana.

Tomando aqui como referencia Gilbert Durant, confesso herdeiro intelectual de Bachelard e da sua Psicanalise do Fogo, creio muito interessante a seguinte passagem de  As Estruturas antropológicas do imaginário para esclarecer a relação entre arquetípico e mito:

“ No prolongamento dos esquemas arquetípicos, e simples símbolos podemos considerar o mito. Não tomaremos este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas  o reverso representativo de um ato ritual. Entenderemos por mito um sistema dinâmico de símbolos, arquetípicos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquetípicos em ideias. O mito explica um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a ideia e que  o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico, ou, como bem viu Bréhier, a narrativa histórica e lendária. É o que ensina de maneira brilhante a obra de Platão,na qual o pensamento racional parece constantemente emergir de um sonho mítico e algumas vezes ter saudade dele.Verificamos, de resto, que a organização dinâmica do mito,  corresponde muitas vezes à organização estática a que chamamos ‘constelação de imagens’ O método da convergência evidencia o mesmo isomorfismo na constelação e no mito.”
(Gilbert Durand. As estruturas antropológicas do imaginário-4ª ed. SP:Editora WMF-Martins Fontes, 2012, p. 62-63)

 O mito não se relaciona, portanto, a um ato ritual, muito menos é incompatível com o pensamento racional. Mas personifica uma linguagem imagética que perpassa varias dimensões das codificações culturais da realidade coletivamente vivida. É até mesmo possível reivindicar sua contemporaneidade no cinema, na politica e literatura, mesmo que a partir de configurações psicológicas inteiramente seculares. A experiência das imagens é um modo não verbal de codificar a realidade.

Arquetípicos e símbolos dão forma as representações coletivas, estabelecem não apenas padrões, mas topologias  que atuam de forma dinâmica na definição do próprio pensamento e organizações humanas. Por isso. o mito é uma experiência viva ainda hoje. Pois a existência de um imaginário é premissa estrutural e normativa para qualquer forma de representação social e configuração cultural. 

O mito é basicamente uma gramática.


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