quarta-feira, 10 de setembro de 2008

HOBBES E A PESSOA HUMANA


O Leviatã de Hobbes pode ser classificado como um livro profundamente pessimista e sombrio. Nada mais compreensível quando consideramos o fato de que o autor o concebe profundamente impactado pelos acontecimentos da guerra civil inglesa e da chamada revolução gloriosa.
Para Hobbes, na alvorada da modernidade, momento de profundas angustias e dilemas, a condição humana é definida essencialmente pelo conflito, conflito, segundo ele, entre o homem cidadão, o homem cristão e o homem natural, e que só pode ser pacificado através da subordinação do indivíduo ao artifício de um corpo político/coletivo.
Em nossa contemporaneidade, marcada por tantos medos e incertezas, Hobbes se faz paradoxalmente atual em nossas desconstruções do iluminismo, desmistificações da razão tradicional e questionamento da domesticação das massas em nome nome de um abstrato e cada vez mais virtual bem comum.
Bom lembrar que dentre os teóricos do absolutismo, Hobbes foi o único que, recusando a justificativa do direito divino para o poder absoluto do rei, legitimou-o partir do mito do contrato social, fato que atesta certo materialismo pragmático em sua reflexão...
Neste sentido, considero de singular significado, na primeira parte do seu Leviatã,  o capitulo XVI, intitulado “Das pessoas, autores e coisas personificadas” do qual aqui reproduzo alguns significativos fragmentos:

“ Uma pessoa é aquele cujas palavras ou ações são consideradas quer como suas próprias quer como representando as palavras ou ações de outro homem, ou de qualquer outra coisa a que sejam atribuídas, seja com verdade ou por ficção.
Quando elas são consideradas como suas próprias ele se chama uma pessoa natural. Quando são consideradas como representando as palavras e ações de um outro, chama-se uma pessoa fictícia ou artificial.
A palavra “pessoa” é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prósopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outros; e daquele que representa outro diz-se que é portador de sua pessoa, ou que age em seu nome ( sentido usado por Cícero quando diz: Unus sustineo três Personas; Mei Adversarii, et Judicis- Sou portador de três pessoas; eu mesmo, meu adversário e o juiz). Recebe designações diversas, conforme a ocasião: representante, mandatário, lugar tenente, vigário, advogado, deputado, procurador, ator e outras semelhantes.”

(Thomas Hobbes. LEVIATÃ ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil/ tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva- 2º ed. SP: Abril Cultural, 1979 ( Coleção Os Pensadores) , p. 96 )

O caráter teatral da pessoa humana define a esfera pública como um teatro, um artifício. A vida social é um grande palco onde estabelece a  subjetividade se apresenta como artifício politico através de palavras e ações.

Um comentário:

Marcos Khanm disse...

Muito meu caro Pereira! Grande cronica sobre o célebre Hobbes!
vc tem que voltar p/ Academia meu velho, vc é um disperdicio fora dela, ou talvez, em algum lugar onde mais pessoas podessem ler suas reflexões! Forte Aplexo!