sábado, 6 de setembro de 2008

NIETZSCHE E O ALEM DO BEM E DO MAL



Ninguém mais do que Nietzsche foi tão fundo na leitura do mundo moderno, explorou e reagiu aos seus labirintos e paisagens de pensamentos e verdades. No que diz respeito a isso, considero Alem do Bem e do Mal um dos grandes momentos de sua filosofia, de sua zombaria do racionalismo critico e da moral cristã em favor da afirmação da vontade criadora que dorme em cada individuo e define mais do que qualquer outra coisa a singularidade da condição humana.
Em Alem do Bem e do Mal Nietzsche nos oferece a transmutação de todos os valores, o fim do maniqueísmo doentio “bem/mal” cravado como uma ferida aberta em nossa cultura ocidental.
Vale a pena aqui lembrar uma de suas passagens:


“Toda moral é, em oposição ao laisser aller, uma parte da tirania contra a “natureza”, e também contra a “razão”: isso porem, não é ainda uma objeção contra ela, senão já se teria de decretar outra vez , a partir de alguma moral, que toda espécie de tirania e irrazão não é permitida. O essencial e inestimável em toda moral é que ela é uma longa coação: para entender o estoicismo, ou Port Royal, ou o puritanismo, convém lembrar-se da coação sob a qual até agora toda linguagem chegou a força e liberdade- da coação métrica, da tirania de rima e ritmo. Quanta dificuldade criaram para si, em todos os povos, os poetas e oradores! Não excetuando alguns prosadores de hoje, em cujo ouvido mora uma consciência inexorável – “por uma tolice”, como dizem broncos utilitários , que com isso se pretendem espertos- “por submissão a leis arbitrárias”, como dizem os anarquistas, que com isso se julgam “livres”, e mesmo de espírito livre. O curioso estado de coisas, porém, é que tudo que há ou houve de liberdade, refinamento, ousadia, dança e segurança magistral sobre a terra, seja no próprio pensar, ou governar, ou no falar e persuadir, nas artes assim como nas eticidades, só se desenvolveu em virtude da “tirania das leis arbitrárias”; e, com toda seriedade, não é pequena a verossimelhança de que precisamente isso seja “natureza” e “natural”- e não aquele laisser aller!”


(Friederich Nietzsche. Obras Incompletas; seleção de textos de Gerard Lebrun ; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, posfácio de Antônio Candido- 5ºed. SP: Nova Cultural, 1991 ( Os Pensadores), p.60.)

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