segunda-feira, 15 de setembro de 2008

LITERATURA INGLESA XXXV


Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) foi um dos grandes nomes da primeira fase do chamado romantismo inglês. Ao lado de William Wordsworth e o hoje pouco lembrado Robert Southey, ele compôs a trindade dos chamados “poetas do lago”.
Independente disso, classificar Coleridge como simplesmente poeta seria demasiadamente reducionista dada à amplitude de sua obra que se constrói sobre os mais variados assuntos e temas seja em verso ou prosa, mesmo que seu nome nos seja normalmente lembrado pelos seus poemas irracionalistas como a balada do Marinheiro (1797), Christalbel (1797) e Kubla Kan (1797). Vale dizer, composições realmente surpreendentes diante de seus tradicionais princípios religiosos. Mas seus versos tornam-se inteligíveis considerando seus problemas de saúde e o conseqüente vicio em ópio.
Enquanto filosofo e critico, como nos esclarece Paulo Viziolli na introdução que faz a uma coletânea de textos do autor para o português:

“ 0 grande sonho do pensador Samuel Taylor Coleridge era escrever uma gigantesca síntese de todos os seus conhecimentos e idéias nos campos da arte, da ciência e da filosofia, sob a égide da religião. Seria a sua grande obra, o seu Magnum Opus. Tratava-se, evidentemente de uma tarefa hercúlea, não só pela espantosa variedade das inquietações culturais do escritor (que, a exemplo de Goethe, fazia inquirições até na área da Botânica), mas também porque, para leva-la a cabo, teria que disciplinaro s eu espírito dispercivo. Como era previsível, o projeto arrastou-se por cerca de vinte anos, e jamais foi concretizado.
Neste entretempo, porém, vários outros planos menos ambiciosos, puderam ser levados avante, parcial ou integralmente, os quais. Somados às realizações da juventude, acabaram se constituindo numa obra em prosa bastante respeitável, pela extensão e pela qualidade. Nela encontramos trabalhos filosóficos – como as Conferências Filosóficas ( 1818-19), mas publicadas somente em 1949) e o Tratado Preliminar sobre o Método ( publicado em 1934); estudos religiosos- com no Subsídios para a Reflexão ( 1825), Confissões de uma Mente Inquiridora ( publicadas em 1840) e o Opus Maximum, tambem vindo a lumem posteiormente, com interessantes considerações sobre a Santíssima Trindade; e ensaios de filosofia politica- como Conciones ad Populum ( 1795). O Manual do Estadista ( 1816), Constituição da Igreja e do Estado ( 1830). Há também obras miscelâneas. Como os artigos que escreveu para o seu periódico O Sentinela. Em 1796, e principalmente para O Amigo, nos anos de 1809 e 1810, abordando problemas literários, morais e políticos. Por fim merecem referência as Cartas e os “Notebooks”, diário onde fazia anotações sobre os mais variados assuntos.”


(Paulo Vizioli Introdução, in S. T. Coleridge. Poemas e excertos de “biografia literária”. SP: Nova Alexandria, 1995, p. 22)

Diante do aqui exposto seria absolutamente petulância querer aqui construir alguma imagem referência precisa do autor sem um conhecimento sólido de obra tão vasta. Mas é impossível não ousar questionar até que ponto o rótulo de romântico lhe cai com alguma precisão e, indo mais longe, até onde os estilos de época definidos pela História tradicional da literatura nos esclarecem de fato alguma coisa sobre os autores, suas épocas, estilos e temas. Mas essa é uma discussão para outro lugar...
Por ora gostaria aqui de apresentar Coleridge a partir de um resumo de seu fabuloso poema fantástico em sete partes A Balada do Velho Marinheiro; Resumo este que, diga-se de passagem, faz parte da própria obra. Obra onde elementos pagãs subordinados a uma lógica cristã, ao gosto do maravilhoso medieval, definem a narrativa revelando algo sobre os conflitos pessoais do autor...

“Um velho marinheiro encontra três Galantes convidados a uma festa nupcial e detém um. O convidado nupcial é enfeitiçado pelo olhar do velho homem do mar, e obrigado a ouvir sua história.
O marinheiro conta como o navio velejou para o sul com vento favorável e bom tempo. Até alcançar o Equador. O convidado ouve a música nupcial; mas o marinheiro continua sua narrativa.
O navio é impelido por uma tempestade rumo ao Pólo Sul. A terra do gelo e dos sons terríveis. Onde nenhum ser vivo se podia ver. Até que uma grande ave marinha, chamada o Albatroz. Veio entre a névoa. E foi recebida com grande alegria e hospitalidade.
E eis que o Albatroz se revela uma ave de bom augúrio, e segue o navio em seu retorno para o norte em meio à neblina e ao gelo flutuante. O velho marinheiro inospitaleiramente mata a ave de bom augúrio. Seus companheiros de bordo protestam contra o velho marinheiro, por matar a ave da sorte. Mas quando a neblina se ergueu eles o justificam. Tornando-se assim, eles próprios. Cúmplices do crime.
O vento brando continua; o navio entra no Oceano Pacífico, e veleja rumo ao norte, até alcançar o Equador. O navio foi subitamente imobilizado. E o Albatroz começa a ser vingado.
Um espírito os havia seguido, um dos habitantes in visíveis deste planeta, não almas que se foram nem anjos; a seu respeito, o erudito judeu Josefo e o constantinoplitano platônico Miguel Psellus podem ser consultados. São muitos numerosos, e não há terra ou elemento sem um ou mais.
Os companheiros. Em sua dolorosa aflição, desejavam lançar a culpa toda sobre o velho Marinheiro; como indício de tal coisa, penduraram a ave marinha morta em seu pescoço. O velho Marinheiro avista um sinal ao longe no elemento.
Com sua maior aproximação, parece-lhe ser um navio; e a duras penas ele liberta sua fala dos grilhões da sede. Um lampejo de jubilo; E segue-se o horror. Pois pode ser um navio o que avança sem vento ou correnteza? Parece-lhe apenas o esqueleto de um navio. E suas balizas são vistas como barras sobre a face do sol poente. A mulher espectro e sua companheira morte, e ninguém mais a bordo do navio esqueleto. Tal nave, tal tripulação!
A morte e a vida em morte disputam nos dados a tripulação do navio, e ela ( a ultima) conquista o velho Marinheiro.
Nenhum crepúsculo nas cordas do Sol. Ao levantar-se a Lua, Um após outro, seus companheiros tombaram mortos. Mas a vida em morte começa a trabalhar o velho Marinheiro.
O Convidado Nupcial teme que quem lhe fala é um Espírito; Mas o velho Marinheiro o reassegura de sua vida corporal, e prossegue o relato de sua horrível penitência. Ele despreza as criaturas da calmaria, Despeitado porque elas vivem, e tantos jazem mortos. Mas para ele a maldição vive no olhar dos homens mortos.
Em sua solidão e imobilidade, ele anseia pela Lua a viajar, e pelas estrelas que restam fixas mas ainda assim avançam; e em toda parte o céu pertence a elas, e é seu designado repouso, e seu país natal e seus próprios lares naturais, onde elas ingressam sem anuncio prévio, como soberanas que são certamente aguardadas e, no entanto, há um jubilo silencioso `a sua chegada . À luz da Lua ele contempla as criaturas de Deus na grande calmaria. Sua beleza e felicidade. Em seu coração ele as abençoa. Começa a quebrar-se o encanto. Pela graça da Santa Mãe, o velho Marinheiro é revigorado pela chuva. Ele ouve sons e vê estranhas visões e comoções no céu e no elemento. Os corpos da tripulação do navio são inspirados e o navio se move. Mas não pelas almas dos mortos, nem pelas entidades da terra ou do ar intermediário, mas por uma legião abençoada de espíritos angélicos, enviada pela invocação do santo guardião.
O espírito solitário do pólo sul leva o navio até a linha do equador, em obediência a legião angelica, mas ainda exige vingança. As entidades companheiras do Espírito Polar, os habitantes invisíveis do elemento, compartilham sua indignação; e dois deles relatam, um para o outro, que longa e dura penitência havia sido imposta ao velho Marinheiro pelo Espírito Polar, que retorna ao sul.
O Marinheiro foi lançado num transe hipnótico; pois o poder angélico faz a embarcação rumar para o norte mias depressa do que a vida humana pode suportar.
O movimento sobrenatural é retardado; o Marinheiro desperta, e sua penitência recomeça. A maldição é finalmente expiada. E o velho Marinheiro contempla seu país natal. Os espíritos angelicais deixam os corpos mortos, E aparecem em sua próprias formas de luz. O Eremita do Bosque, aproxima-se do navio com espanto. Subitamente o navio afunda. O velho Marinheiro é salvo pelo bote do Piloto. O velho Marinheiro sinceramente suplica ao Eremita que o absorva; e sobre ele recai a penitência para a vida.
E para todo o sempre em sua vida futura uma agonia o compele a errar de terra em terra; E a ensinar, através do próprio exemplo, o amor e a e a reverência por todas as coisas que Deus criou e ama.”

(S. T. Coleridge. Poemas e excertos de “biografia literária”/ introdução, seleção, tradução e notas de Paulo Vizioli. SP: Nova Alexandria, 1995, p. 37-79)

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