terça-feira, 30 de dezembro de 2008

BEATLES E A FILOSOFIA: A ETICA FEMINISTA DO CUIDAR by Peggy J. Bowers.


Dentre os ensaios reunidos na coletânea Beatles e a Filosofia, ELA É UMA MULHER : OS BEATLES E A ETICA FEMINISTA DO CUIDAR de Peggy J. Bowers é singularmente impactante. Ao propor uma leitura dos Beatles a partir da psicologia social de Carol Gilligan e sua “Etica Feminista da Ética do Cuidar” a autora nos constrói possibilidades surpreendentes de interpretações da musicalidade e sensibilidade dos Beatles.
Em seus próprios termos:

“ Embora a principio pareça improvável pensar que a musica dos Beatles articule uma filosofia feminista sistemática, tanto Paul quanto John- após colaborarem mutuamente quase de forma exclusiva durante a carreira dos Beatles- acabaram por entrar em importantes relacionamentos colaborativos com suas companheiras: Linda, no caso de Paul; e Yoko, no caso de Lennon. Embora a musica da banda não seja feminista de forma explícita, uma analise ética do cuidar revela um poderoso subtexto de raciocínio moral que há muito foi associado ao estilo feminino na cultura ocidental. Esse traço da filosofia moral procura subverter a presunção de que os agentes abordam questões morais independentemente do contexto social e relacional. A ética feminista do cuidar surge como um desafio aos modelos masculinos de raciocínio em que os sujeitos emergem isolados das forças sociais que, na realidade, os moldaram. Em vez de desvalorizar os modos femininos de raciocínio, considerando-os inferiores, esse novo modelo procura usar o conceito da ética do cuidar como um meio de reconstruir nosa lógica moral de uma maneira que revele a ilusão do isolamento, tão central no sujeito modernista.
A musica que é tão ressonante na cultura popular, por um período de tempo tão longo, forma percepções, fluindo de contexto para contexto em que infiltra consciência de modos, às vezes, desconhecidos. Os temas abertamente relacionais encontrados na musica dos Beatles revelam uma contracultura moral enraizada na ética do cuidar. O que vem à tona é um drama em que a arte não apenas imita, mas constitui a vida.”

(Peggy J Bowers. Ela é uma mulher: Os Beatles e a ética feminista do cuidar. In Os Beatles e a Filosofia/ tradução de Marcos Malvezzi. SP: Madras, 2007, p.73)


Independentemente de concordar total ou parcialmente com a autora, o fato é que temas como o “amor romântico” nas letras dos Beatles, em suas diferentes fases e momentos, parece transcender muitas vezes o mero clichê, sugerindo de fato a intersubjetividade como interdependência ontológica, como expressão de autenticidade ou busca de modalidades subjetivas de percepção do mundo e realidade que transcendem as normas sociais e convenções através de uma sensibilidade estética bastante incomum. Acredito que a peculiaridade do psicodelismo dos Beatles em grande parte passe justamente por essa representação de vínculos harmônicos e simples entre indivíduos tão clara, por exemplo, na clássica “All You Need is Love”.
Em outras palavras, creio mesmo que existe no patrimônio estético/cultural que nos foi legado pelos Beatles um sentimento e reflexão em torno de uma realidade sócio cultural subjetiva e afetivamente insatisfatória que conduz a uma busca de recosntrução de si mesmo na mínima moraria de mundo privado psicologicamente reconstruido.
Voltando ao ensaio aqui comentado:

“As expressões de pura força emotiva na musica dos Beatles podem ser explosivas. Pense em canções como “Here Comes the Sun” e “Good Day Sunshine”, que retratam a alegria como uma experiência personificada que cria elos sociais. “Here Comes the sun”, em especial, convoca as sensações calorosas da vida quando George conclama seu outro significativo os observar: “litle darling, the smile’s retruing to their faces. Little darling, it seems like years since it’s been here. Here comes the sun. Here comes the sun. Here comes the sun and I say, it’s alright” ( querida, o sorriso esta voltando aos seus rostos. Querida, parece que faz anos desde que ele esteve aqui. Lá vem o sol. La vem o sol, e eu digo, esta tudo bem”). Observe que o elevado sentido da vida é experenciado não apenas pelos pensamentos e sentimentos individuais, mas vendo-os claros nos rostos de outras pessoas, fortalecendo seu senso compartilhado de pertencer.
George, tão famoso por sua guitarra chorosa, estava muito consciente do poder da musica para expressar emoções cruas. Em sua autobiografia ele declara que o que o atraia no sitar e na musica indiana era a habilidade deles em evocar fortes experiências emocionais em determinados espaço e tempo. O namoro dos Beatles com o misticismo oriental e a experimentação com drogas psicodélicas surgiram de um desejo de procurar modos alternativos para o entendimento da natureza do eu.”

(Peggy J Bowers. Ela é uma mulher: Os Beatles e a ética feminista do cuidar. In Os Beatles e a Filosofia/ tradução de Marcos Malvezzi. SP: Madras, 2007, p.75)

NIGHT AND DAY (NOITE E DIA) BY VIRGINIA WOOLF


Noite e Dia, segundo livro de Virginia Woolf, originalmente editado em 1919, ainda não possui as inovadoras características de suas obras de maturidade que a afirmariam, ao lado de Joyce e Pound, como uma das mais fascinantes e revolucionárias escritoras do século XX , ou ainda, uma das principais protagonistas da reconstrução ou redefinição da arte de narrar mediante a superação positiva da concepção tradicional de enredo, de linearidade da ação narrativa e caracterização das personagens.
Mas já encontramos nas páginas dessa saborosa brochura o predomínio da analise psicológica e uma atenção essencial ao fluxo de experiências subjetivas desarticuladas dos indivíduos como própria essência da construção da narrativa.
Através do envolvimento e contraste entre suas duas personagens centrais; a aristocrática Katharine Hilbery e o intelectual liberal Ralfh Lenthalm, penetramos na verdade no cotidiano da sociedade inglesa de inicio do século XX, segundo a autora; marcada pela tensão entre os fantasmas e frustrações da severa era vitoriana oitocentista e a transmutação culturais e de sensibilidades de novo e inquietante inicio de século, definidas, mesmo que parcialmente, pelo movimento feminista, maior autonomia do indivíduo frente a sociedade (democracia) ou a família ( crã) e as complexidades da vida conjugal ( patrimônio).
A característica que melhor define Night and Day de Woolf é justamente o fascinante jogo de contrastes, de claros e escuros nas oposições e tensões permanentes que no fundo definem tambem a própria vida. Lidamos aqui com um sentimento de instabilidade, incerteza ou tensão psicológica articuladores do próprio cotidiano, que só podemos reconhecer definidoras, de outras formas, do nosso próprio inicio de século XXI.
Seja como for, a obra já revela de modo inequívoco, toda a genialidade, sensibilidade, dor e riqueza do imaginário literário construído por Virginia...

REVEILLON

A economia dos anos
Se faz entre perdas
E ganhos,
Em silêncios
Que calam o tempo
Em provisórios balanços
De vida e de sonhos.

Apenas o acaso
Sabe o futuro encenado
No palco do eterno retorno dos anos.
Enquanto reinventamos a vida
No sempre igual
Do desfile dos dias

SOBRE O TEMPO

No imprevisível dos anos
Guardados no tempo
Sabemos estranhamente
Apenas dos dias seguintes.

Estamos sempre
A um passo psicodélico
Do futuro,
Pulando de um dia
Ao outro
Guardados em cores
E paisagens de mundo.

As margens das horas
Jamais nos deparamos
Com o absoluto da vida
Fora do preto e branco
Cotidiano.

Talvez as notas embriagadas
De uma canção
Transformem tudo
Em liberdade...

HUMAN RACE

Entre o grotesco,
O sublime e o erro,
Há um estranho
Parentesco,
Um espaço negro
Onde silêncios revelam
O menos que humano
Que há em nós.
Lá não cabem certezas
Ou bons pensamentos,
Apenas o absurdo
Que define a vida
Em forma pura
E delírios de natureza.

Sometimes
You just have do...
Low to the absurd....

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

THE BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO


Organizada por Michael Baur e Steven Baur, sob a coordenação de William Irwin, a coletânea BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO, pode ser interpretada como um convite a uma viagem mágica, corrigindo: uma Magical Mistery Tour que, para alguns fãs da banda parecerá sem propósito ou irrelevante para apreciação da musica dos Fab Four. Eu, ao contrário, considero fascinante e até mesmo lúdica a proposta de “pensar” os Beatles e seu impacto sobre a cultura popular do século XX através da filosofia. A comentada coletânea realmente nos permite compreender de modo mais profundo o porquê dos Beatles serem a maior banda de rock de todos os tempos e, ao mesmo tempo, alguma coisa a mais do que apenas uma banda de rock para grande parte dos seus fãns.
Para mim a musica dos Beatles é o mais perfeito pano de fundo do mais profundo e banal acontecer da vida. Acho sinceramente que eu seria outra pessoa caso nunca houvesse vivido suas canções ou colorido meu mundo com as cores vivas do psicodelismo...
Voltando a coletânea, ao longo de seus nove capítulos (referência a Revolution 9?), aos poucos vamos desvelando relações entre as musicas da banda e os dilemas do seu tempo que, de algum modo, ainda são os nossos. Seja a filosofia do amor hippie e o pacifismo diante de um mundo cada vez mais violento e instável, o dispertar da consciência e o psicodelismo como uma resposta a falência das religiões e da moral tradicional em um mundo cada vez mais complexo ou ininteligível, a aceitação e aprendizado positivo da cultura do consumo frente a nossa busca de autenticidade e individualidade, dentre outras questões.
Considero um dos mais interessantes ensaios desta obra o composto por James Crooks PEGUE UMA CANÇÃO TRISTE E FAÇA-A MELHORAR: OS BEATLES E O PENSAMENTO PÓS MODERNO.
Ler os Beatles através das lentes da Pós modernidade não é absolutamente um despropósito. Afinal, existem paralelos possíveis, por exemplo, entre o aguçado senso de humor da banda e a recusa de metas narrativas pelo pós moderno que se traduz no irônico e sarcástico ou quase, de fato, “egocentrismo bufão”. Que importa?

“Mas os filósofos pós modernos precisam ser sérios? Parte da magia da meta narrativa dos Beatles é a adaptação ininterrupta daquilo que denominei antologia “deixe-me de fora” por um mais amplo deleite “inclua-me” no mundo que dá boa vinda às coisas tolas, como uma piada entre amigos. A atitude fica evidente em quase todas as entrevistas concedidas a uma imprensa ansiosa e sem fôlego, durante o período da Beatlemania ( Repórter: “ O que você pensa a respeito de Beethoven?” Ringo: Eu adoro-principalmente seus poemas”), no capricho infantil de canções como “Yellow Submarine”, “Octopus’s Garden” e “Bungalow Bill”, e na gentil paródia de outros gêneros em “When I’m 64”, Your Mother Sahould Know”, Honey Pie”, e “Back in the USSR”. Os Beatles dão voz aos modos de jocosidade e ironia em um sentido amplo, de maneira tão hábil e abrangente quanto o fazem com os da alienação- incluindo aquele audível com clareza nas obras de Jacques Derrida ( 1930-2004), e outros para quem a alternativa ao efeito “Nowhere Man”, que persegue a critica hiper-seria do pensamento moderno, é a “desconstrução”.
O exemplo aqui é “Glass Onion”. No fim da década de 1960, a banda queria desencorajar a legião de fãs que interpretava as letras das canções como algum tipo de código cósmico. Jhon faz isso em Glass Onion” com uma releitura de algumas de suas próprias letras anteriores, definindo-as como vôos de imaginação. Isso, por sua vez, produz uma forma genial de autoconsciência artística. As próprias palavras renunciam aos poderes atribuídos a elas. O processo criativo se torna transparente por completo- como muitas camadas de vidro. Derrida e seus seguidores querem margear os perigos da filosofia moderna, provocando uma percepção similar. Para eles, como para John, a linguagem é jocosa. O que ele nos dá, na verdade não é uma representação de identidades estáveis ( objetos, “eus”, instituições e estados), mas o fluxo primordial da não-identidade- o nada ou abismo- de onde as identidades emergem.”
O trabalho do pensamento pos moderno, nessa visão, consiste em enfraquecer e desmanchar todas as formas discursivas nas quais os códigos cósmicos ou significados determinados de qualquer tipo- máscaras da indeterminação original da linguagem- se acomodam. Entre eles, com certeza, estão os valores e métodos do pensamento revolucionário tradicional mas também uma série de relações opositoras mais abrangentes, que todos os pensadores anteriores teriam considerado axiomáticas: argumentos contra a livre associação; autor versus leitor; texto versus mundo. A desconstrução retira essas oposições Sob o regime delas, a escrita filosófica pós-moderna se torna uma colcha de retalhos de trocadilhos e etimologias, piadas, citações e comentários expandidos, cujo objetivo consistente é dissolver toda a importância determinada em um jogo de palavras, para produzir no meio do pensamento um “efeito Glass Onion”.

(James Crooks. PEGUE UMA CANÇÃO TRISTE E FAÇA-A MELHORAR: OS BEATLES E O PENSAMENTO PÓS MODERNO, in Os BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO. ( Coordenação de William Irwin)/ tradução: Marcos Malvezzi. SP: Editora Madras, 2007, p. 183-184)

Mas, definitivamente, para se avaliar o valor desta coletânea e a aparentemente estranha proposta de pensar The Beatles através da filosofia, nada mais pertinente do que as seguintes palavras de Richard Falkenstein e John Zeis em QUARTETO COM UMA DIFERENÇA:

“ O que há nos Beatles que os faz únicos na história da música popular? Embora os tentáculos de sua influência se estendam para muitas outras áreas da cultura popular além da música, é pura e simplesmente sua musica e rápida e evolução que fundamentam o proeminente status da banda na musica popular. A música dos Beatles, como toda a grande forma de arte, é importante porque revela certas verdades básicas sobre quem e o que somos como seres humanos e as quais coisas damos valor absoluto. E, se isso estiver certo, uma discussão a respeito das música da banda e da filosofia nela incorporada não é um mero exercício de analise teórica, mas um instrumento prático e útil para aumentar nossa apreciação da própria música. Isso não significa que a estética filosófica que este ensaio atribuirá a musica dos Beatles seja algo do qual eles estavam conscientes, ou com o qual concordariam em retrospecto. Mas assim como as partituras de gravações produzidas por Hal Leonard ( que nem mesmo eles conseguiam ler) melhora o entendimento e a apreciação da musica dos Beatles para aqueles que conseguem lê-las, sua filosófica também o faz em outro nível de abstração.”

(Richard Falkenstein e John Zeis. QUARTETO COM UMA DIFERENÇA, in Os BEATLES E A FILOSOFIA: NADA QUE VOCÊ PENSA QUE NÃO PODE SER PENSADO. ( Coordenação de William Irwin)/ tradução: Marcos Malvezzi. SP: Editora Madras, 2007, p. 227-228 )

Por tudo o que aqui foi dito e citado, creio que posteriormente precisarei desdobrar esta resenha dialogando mais profundamente com o livro a partir de minha leitura pessoal e intima dos Beatles...
.



BEATLE POEM


Procuro cores em movimento
Em qualquer canção dos Beatles
Para existir por longos instantes
No mais profundo da vida.

Jogado no mundo
Não busco no fundo
Nada mais que isso...
Supondo o próprio mundo
Como algo mágico e oculto
Em meu múltiplo intimo.

Across the universe
Decomponho frases
Até descobrir
No sumo de cada palavra
Cores de coisas vivas
Que sem preciso significado
Ou motivo
Apenas acontecem
Entre imaginações e infinitos.
A day in the life...

NOWHERE MAN

Talvez tudo
Que eu faça ou diga
Não passe de vazio aberto
Entre nexos e significados
Inerentes ao fato
De que em tudo
Aos poucos passo
Ou me rasgo
Em cada palavra
Em busca de atos
Abstratos e rasos
Armados em vida
E despedaçados...

Nowhere Man....
I call your name...

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

STANLEY KUBRICK E LARANJA MECÂNICA ( CLOCKWORK ORANGE)


Creio que poucos diretores foram capazes de traduzir em linguagem cinematográfica o espírito de uma época, ou seja a atmosfera da segunda metade do século XX, marcada por incertezas, violências, medos e questionamentos, do que Stanley Kubrick ( 1928-1999).
Famoso pelo seu perfeccionismo, pelo caráter recruso, o “mestre das marionetes” construiu através de seus filmes uma estética que influenciaria decisivamente o olhar cinematográfico, alem de nos conduzir a um questionamento da própria condição humana com seu ceticismo ilimitado.
Nascido em New York, Kubrick produziu seus primeiros trabalhos nos estados unidos ao longo dos anos 50 do ultimo século. Destacam-se nesse período seu primeiro longa Fear and Desire ( 1953), A Morte passou por perto (1955), o Grande Golpe ( 1956), Gloria feita de Sangue ( 1957) e seu polêmicio Spartacus ( 1960).
Mas foi após mudar-se para Inglaterra em busca de um ambiente cultural mais compatível com seu temperamento e cansado da censura enfrentada nos Estados Unidos, que produziu seus trabalhos mais relevantes e fascinantes. Destaco aqui apenas aqueles que me marcaram: 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), Laranja Mecânica (1971), O Iluminado ( 1980), Nascido para Matar (1987) e seu último filma De Olhos bem Fechados ( 1999).
Mas caso me fosse solicitado para eleger um dos seus trabalhos para representar o conjunto de sua obra escolheria sem pestanejar Clockwork Orange ( Laranja Mecânica).
Adaptação do romance de Anthony Burgess (1917-1993), o filme é essencialmente um tratado sobre a violência e a natureza humana. A transgressora violência do individuo, instintiva é contraposta a bem intencionada violência de Estado, para qual os direitos do próprio indivíduo, são “relativos”.
Assim temos de inicio as ações de Alex DeLarge (Malcolm McDowel) a frente de sua gangue de delinqüentes, os droogs (palavra originária do russo druk, amigo)** em uma Inglaterra futurista de grandes conjuntos habitacionais e precário ordenamento social. O gosto pela musica clássica do personagem, amante de Beethoven e especialmente sua 5º Sinfonia, sugere também uma promiscua relação entre civilização e barbárie que perpassa toda a narrativa. Em um segundo momento, de cruel algoz, Alex torna-se vitima do sistema e da sociedade através de um programa experimental, para corrigir seu comportamento violento e transgressor, que nada mais é do que uma lavagem cerebral. Seu caso acaba transformando-se em arma política partidária em mesquinhas disputas de poder das quais o personagem acaba sabendo tirar proveito com significativa eficácia.
Censurado no próprio Reino Unido e em muitos paises após o seu lançamento em 1971, Laranja Mecânica é ainda hoje considerado um filme demasiada e assustadoramente violento. Mas a violência aqui é mais alegórica do que realista, articulando uma narrativa bizarra, cruel, cômica e psicodélica que nos desafia a encarar a face absurda do mundo em que vivemos e os abismos da própria condição humana. Ainda somos de muitas maneiras contemporâneos dessa perturbadora obra.


* Kubrick era um devorador de livros. Não por acaso, boa parte de seus filmes são adaptações de obras literárias. Nem sempre compreendidas pelos autores...

** Alex se expressa inicialmente através do "Nadsat", um "idioma" que mistura o russo, o inglês inventado por Burgess .

CRÔNICA RELÂMPAGO XLII


Quando somos arrancados da rotina, seja através da experiência única de uma viagem ou dos imperativos de uma doença grave, nosso cotidiano torna-se de repente tão irreal e fugidio quanto a lembrança de um sonho banal.
Ocorre, assim, uma espécie de desencontro de nós mesmos no aprendizado da individualidade dos lugares que nos envolvem oferecendo novidades e desafios. Nestas circunstâncias tudo parece maior do que realmente é, percebemos o quanto os espaços físicos e atos corriqueiros na verdade configuram referências ontológicas que também nos definem como indivíduos, seja pela recusa ou pela aceitação.

TIME AND RAIN

Eu amo a chuva
E o vento
Como quem sabe
A alma de um dia frio.

Sinto o silêncio,
A serenidade dos lugares
E objetos
fechados em tempo nublado.


Tudo parece
Mais intenso e vivo
No aconchego abstrato
De horas cinzentas.

É como se de repente
Todas as coisas existissem
Na suavidade de meus silêncios.

NADA

Nada me leva
A nada,
Como se o dia
Fosse apenas
O esforço
Mecânico e inútil
De ser entre o céu
E a terra,
Entre dias e noites,
Até o cansar do tempo.

Tudo é inútil movimento
Na soma aleatória de acontecimentos
Abandonados ao chão frágil de cada biografia.

Nada me leva
A nada.
Mas o nada
Nunca é vazio...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

METALLICA E A FILOSOFIA: O CLUBE EXISTENCIALISTA E O SENTIDO DA VIDA


Dentre os ensaios reunidos em METALLICA E A FILOSOFIA merece destaque A MILICIA DO METAL E O CLUBE EXISTENCIALISTA de Jemery Wisnewski que a partir de um dialogo com o existencialismo de Albert Camus, J P Sartre, Heidegger, e algumas letras da banda, aborda o tema do sentido da vida e o absurdo que é a existência humana e nossas respostas pessoais a esse mesmo absurdo.

Afirmar que o Metallica é uma banda existencialista, como faz o autor, significa também afirmar que em sua recusa niilista do real ela nos oferece o desafio de uma escolha, de uma alternativa de sentido e significado que impõe-se na medida em que nos descobrimos e construímos como indivíduos. Em outras palavras:

“ O existencialista desafia o absurdo. Criar uma vida significativa apesar da falta de sentido intrínseca da vida- esse é um ato heróico. Nós devemos encarar a vida como arte- escolher a participação em projetos que não tenham valor intrínseco simplesmente porque podemos. Em um mundo desprovido de qualquer significado transcendental, devemos inventar o nosso significado. É a tentativa de criar significado, sentido, diante do absurdo que domina Kill’Em All, do Metallica.”

(Jeremy Wisnewski. A Milícia do metal e o Clube Existencialista. In Metálica e a Filosofia; Um curso intensivo de cirurgia cerebral/ tradução de Marcos Malvezzi SP: Madras, 2008. p.67 )

Entretanto, o mais existencialista dentre os álbuns iniciais do Metallica talvez seja Ride de Lightning e sua atmosfera apocalíptica. Retornando ao texto citado:

“Um tema recorrente na musica inicial do Metallica- mas principalmente em Ride the Lightning- é a inevitabilidade da morte. As canções deste álbum servem a um propósito existencialista: elas revelam a finitude humana, o fato de a vida chegar a um fim inevitável. A unicidade da morte de cada indivíduo serve para distinguir um ser humano do outro. O filósofo Martin Heidegger ( 1889-1976) afirmava que a morte é a única coisa que os seres humanos precisam fazer sozinhos. E por causa disso, a morte individualiza as pessoas. Quando percebo que só eu posso morrer minha morte, Heidegger diz, reconheço que sou fundamentalmente diferente de você. Nossa morte iminente nos obriga a ver que somos indivíduos- que a nossa existência não pode ser reduzida à existência da multidão.”

( Idem p.68 )

Entre a morte, o absurdo do mundo e as letras do Metallica, surge um complexo cenário de pensamento onde o pano de fundo é nossa própria existência, nossa incessante busca por algum significado em um mundo sem sentido. Esse significado, entretanto, é necessariamente nossa própria singularidade, nossa individualidade em construção e desconstrução permanente ao sabor do tempo. Se não há caminho que nos leve para fora do absurdo que é o mundo, das angustias que nos povoam, resta-nos, entretanto, a alternativa da autenticidade. As escolhas que fazemos sem o conforto das convenções morais ou o peso das tradições culturais,os compromissos assumidos com nossa própria e complexa subjetividade e suas conseqüências, são tudo o que ainda nos faz de algum modo sentir a presença real de um rosto.
Complementando essa perspectiva, em METALLICA, NIETZSCHE E MARX: A IMORALIDADE DA MORALIDADE, Peter S. Fost nos lembra a questão da “falha de Deus” ( God that failed), e os limites de uma resposta religiosa

“Em canções como Leper Messiah e God that Failed Metallica acusa a religião de falha moral e, com isso liga-se a uma tradição filosófica que remonta a pensadores como Voltaire, Hume, Lucrécio, Sócrates e Xenofanes. De acordo com esses filósofos, o que as religiões prescrevem como moralmente “bom” é, na verdade, moralmente ruim ou errado. O que as religiões afirmam ser “correto” é, ao contrário, corrupto. O que elas descrevem como “piedoso”, é , na verdade, perverso. O que apresentam como a “verdade” é um engodo. Já que a religião tem um efeito tão grande nas idéias costumeiras acerca da moralidade em nossa sociedade, o que passa por moralidade costuma ser, de fato, um emaranhado pútrido de i moralidade”.

(Peter S. Fost. Metallica, Nietzsche e Marx: A imoralidade da moralidade. In Metálica e a Filosofia; Um curso intensivo de cirurgia cerebral/ tradução de Marcos Malvezzi SP: Madras, 2008. p.83 )

Mas a critica a religião é também uma critica a idéia de verdade, o que nos leva a assumir a ontológica incerteza que define a condição humana, o que é também qualquer espécie de meta existencialismo...
Cabe, portanto, para finalizar este texto, reproduzir aqui um fragmento do ensaio CRER E ENGANAR: METALLICA, PERCEPÇÃO E REALIDADE de Robert Arp:

“ Eu adoro berrar estas palavras do primeiro verso de “Bad Seed”: “ Come clean/ Fess up/ Tell all/ Spill guts/ Off the veil/ Stand revealed/Show the card/Bring it on/ Break the seal” [ Venha limpo, fale tudo, ponha tudo para fora. Tire o véu, e se revele. Mostre a carta. .Venha com tudo. Quebre o lacre]. Quando acabo de berrar, geralmente eu penso na diferença entre o modo como percebo as coisas, o que esta velado, e como as coisas são de fato, como é a realidade, o que é revelado. No que consiste a “realidade” de uma pessoa? A realidade é apenas “meu mundo”, minha coleção de percepções e idéias, ou será que existe um mundo fora de mim? Se existe uma realidade alem de minhas percepções, eu quero estar seguro em meu conhecimento da realidade. Assimn como Hetfield, eu quero saber “Is that the moon/ or just the light that lights this dead end street?/Is that you there/or just another demon that I meet?” [ Aquela é a lua, ou é só uma luz que iluymina essa ruía sem saída? É você que esta aí, ou mais um demônio que eu encontro?].

( Robert Arp. Crer e Enganar: Metallica, percepção e realidade. In Metálica e a Filosofia; Um curso intensivo de cirurgia cerebral/ tradução de Marcos Malvezzi SP: Madras, 2008. p.163 )

KISS-ME

Meus lábios vazios
Aprenderam a sonhar
A meta realidade
Do acontecimento de um beijo,
Ao vislumbrar o labirinto
Do segredo vivo das sensações
Simples,
Até o limite hibrido
Entre a verdade e o sonho
Alem de toda fantasia.

Nas profundezas do saber o corpo
Saboreio pensamentos soltos
Que atualizam a falsa crença
Na criança que fui um dia.

WONDERLAND


Sei que não sou eu
Aquela pálida face
Que me observa
Sem saber sequer que existo
Ou existe.

Surpreendo,
Na superfície do espelho,
Um rosto quase meu,
Provisório,
Completamente em silêncio
No traço duro, sem expressão,
Talhado por algum nada,
Quase absoluto.

Visitante, talvez,
De alguma outra
Paralela e simétrica
Realidade
Onde,
Vazio de mim mesmo,
Eu viva a vida unicamente
Na objetividade precária
Do mundo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

METALLICA E A FILOSOFIA...


Uma obra realmente indispensável à estante de qualquer amante do rock e, especialmente, a dos fãs ns do Metallica, é a original e fascinante coletânea organizada por William Irwin, Metallica e a Filosofia: Um curso intensivo de cirurgia cerebral. O organizador, professor associado de filosofia em King’s College, Pensilvana, notabilizou-se pela edição de trabalhos coletivos que, tais como este, aproximam os temas e questões clássicas do pensamento filosófico do vasto e complexo universo de nosso imaginário contemporâneo. O melhor exemplo talvez seja a também coletânea Matrix: Bem vindo ao Deserto do Real ou Seinfeld e a Filosofia.
Falando especificamente desta coletânea, dedicada aquela que pode ser considerada a maior banda de Heavy Metal ainda em atividade nos Estados Unidos, a primeira coisa que chama atenção é que pelo rigor e espontaneidade dos textos e a coerência com que os autores aproximam as letras do Metallica de questões filosóficas complexas como a falta de sentido da existência e sua resposta existencialista, ou a complexa filosofia moral de Kant, pode chamar atenção até mesmo de potenciais leitores que não tenham diretamente qualquer afinidade ou interesse pela musica do Metallica.
O livro é dividido em cinco "discos": O primeiro, “Seguindo através do Nunca” reúne ensaios dedicados a uma quase apresentação da banda e sua mensagem, abordando temas como a rejeição positiva e necessária das virtudes cristãs, alcoolismo, loucura, mas acima de tudo, auto afirmação. Já o segundo "disco" Existensica: o encontro do Metallica com o Existencialismo, dispensa qualquer apresentação. O considero o melhor de todo o livro, especialmente pelos brilhantes ensaios de Jemery Wisnewski “A Milícia do Metal e o Clube Existencialista” e o de Philip Lindholm “ A Luta Interior: Hetfield, Kierkegaard e a busca pela autenticidade”. O terceiro "disco", “ Viver e morrer, rir e chorar”, nos conduz a questões espinhosas como suicídio, eutanásia e pena de morte, enquanto o quarto “ Metafísica, epistemologia e Metallica” nos confronta com temas como o da relação mente corpo, percepção da realidade e identidade. Por fim, o quinto "disco", Fãs e a banda, é dedicado mais diretamente a relação da banda com seus fãs sem entretanto cair na mera apologia gratuita e passional.
O maior valor dessa desafiadora brochura negra é o de nos induzir ainda hoje a explorar o vinculo vital ao rock clássico dos anos 60, entre algo que poderíamos chamar de Contra Cultura, a filosofia formal e o Rock enquanto uma matriz cultural permanente associada as inquietudes e questionamentos do individuo frente as convenções e conformismos que em maior ou menor medida condicionam a existência de cada um nas tantas redes de sociabilidades que definem as pós sociedades do mundo contemporâneo.

PERSONAL POEM

Vejo em seus olhos
Todas as coisas do mundo.
Pois o amor
É pródigo em enganos
Quando a razão
Se rende a emoção.
Mesmo assim,
Queria eterno esse
Momento,
Onde
Pela certeza dos corpos
Percorremos
Incertezas de pensamento
Até o ponto
De saber o mundo
Lá fora
Como mera ilusão...

GREEN POEM

A Lua
Ainda espia florestas
Enquanto o sol
Supera o horizonte.

O verde dança
Entrelaçado com o vento
A suave melodia das pequenas coisas.

Pedras contemplam a eternidade
Em estranhos e silenciosos diálogos.

O mundo parece tão simples
Quanto o ar que respiro
Na linguagem viva
Das sensações do corpo
Sem qualquer pensamento
Ou rosto.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O CORPO COMO MEDIDA DE TODAS AS COISAS HUMANAS


“Desse mundo físico, em si mesmo desinteressante o homem é parte. Seu corpo, como qualquer outro tipo de matéria, é composto por elétrons e prótons, que, até onde sabemos, obedecem às mesmas leis a que se submetem os elétrons e prótons que não constituem animais e plantas. Alguns sustentam que a fisiologia jamais poderá ser reduzida à física, mas seus argumentos não são muito convincentes, de sorte que parece prudente supor que estejam errados. Aquilo que chamamos de nossos “pensamentos” Prece depender da disposição de trilhos em nosso celebro, do mesmo modo que as jornadas dependem de rodovias e das estradas de ferro. A energia utilizada no ato de pensar parece ter uma origem química; por exemplo, uma deficiência de iodo fará de um homem inteligente um idiota. Os fenômenos mentais parecem estar intimamente vinculados a uma estrutura material. Se assim é, não podemos supor que um elétron ou um próton solitário seja capaz de “pensar”, seria como esperar que um indivíduo sozinho pudesse jogar uma partida de futebol. Tampouco podemos supor que o pensamento individual possa sobreviver à morte corporal, uma vez que ela destrói a organização do cérebro e dissipa a energia por ele utilizada.”

(Bertrand Russell No que Acredito/ tradução de André de Godoy Vieira. Porto Alegre: L & PM, 2007, p. 31)




Raramente nos damos conta do quanto a vida é essencialmente determinada pela carne e pelo sangue, o quanto somos essencialmente nosso corpo físico, que não é apenas cede do desejo, do prazer, da necessidade e da dor, mas a medida de todas as coisas humanas, a começar por aquilo que concebemos como realidade.
A tradição judaico cristã, uma das matrizes do imaginário ocidental, fundamenta-se, entretanto, justamente sob a recusa do corpo e do mundo material em beneficio de um ideal vago e abstrato de espiritualidade. Mas tal tradição hoje em dia foi de muitas maneiras ultrapassada pelos novos saberes constituídos pelas ciências medicas/biológicas cuja aplicabilidade no cotidiano complexibilizou consideravelmente nossas representações e experiências do corpo e suas dinâmicas. Nosso corpo já não é mais uma silenciosa sombra opaca, como se manteve na cultura ocidental até, pode-se dizer, o séc. XIX. Tornou-se, ao contrário, objeto de atenções e cuidados, de uma estética e disciplina, que pouco a pouco promovem a superação de suas representações como um mero objeto, como algo externo ao nosso “eu”, para transformá-lo em sujeito, como aquilo que essencialmente somos.
A importância de tal reconfiguração cultural mostra-se decisiva para redefinição do locus do indivíduo, especialmente no caso da afirmação dos direitos das mulheres, quando pensamos na descriminalização do aborto como condição da conquista do livre arbítrio e dominio sobre o próprio corpo em exercicio de subjetividades, escolhas e vivências.

TEMPO E INSTANTE

No cotidiano rito
De vestir rotinas
Bebo as horas,
Escrevo-me em devaneios
Até o limite do mero estar aqui e agora.


Sinto que em tudo
Passo,
Que me faço passado
Em cada ato de certeza e futuro.

Quanto maior
O tempo
Acumulado no corpo
Menor se torna
A certeza no rosto.

Que importa?
Em meu presente
Sei todos os tempos vividos
No eterno sabor de um instante
magico e infinito.

A ROTINA PELO AVESSO

Respiro um descartável céu azul
Na gratuita manhã
Que me impõe a vida.

Sei de antemão
o dia que terei...

Mas pequenos fatos visitam-me
Como uma brisa fresca
No calor da rua
Sussurrando o imprevisível....

Apreendo o nada
Que será
Amanhã

domingo, 30 de novembro de 2008

RELIGIÃO PESSOAL: A EXPERIÊNCIA ARCAICA DO SAGRADO E O INDIVIDUO CONTEMPORÂNEO


A experiência subjetiva do sagrado é de fato uma das formas como a psique objetiva se revela na experiência singular de um indivíduo. Como já havia percebido WILLIAM JAMES, o sentimento religioso é uma entidade mental multifacetada que se revela de modo autêntico e profundo enquanto assimilação pessoal e singular de pensamentos e sentimentos.
Em suas próprias palavras

“Num sentido, pelo menos, a religião pessoal se revelará mais fundamental do que a teologia ou o eclesiasticismo. Depois de estabelecidas, as igrejas passam a viver de uma tradição de segunda mão; mas os fundadores de cada igreja deveram o poder, originalmente, à sua comunhão direta e pessoal com o divino. Não somente os fundadores sobre- humanos, o Cristo, o Buda, Maomé, mas todos os instituidores de seitas cristãs estão nesse caso; de modo que a religião pessoal deve ainda parecer primordial até aos que continuam a julga-la incompleta.
(...)
A religião, por conseguinte, como agora lhes peço arbitrariamente que aceitem, significará para nós os sentimentos, atos e experiências de indivíduos em sua solidão, na medida em que se sintam relacionados com o que quer que possam considerar o divino. Uma vez que a relação tanto pode ser moral quanto física ou ritual, é evidente que da religião, no sentido em que a aceitamos, podem brotar secundariamente teologias, filosofias e organizações eclesiásticas
.”[1]

A “religião pessoal” caracterizada pelo autor, da qual a alquimia medieval, com as devidas reservas pode ser interpretada como um dos seus mais relevantes exemplos, pressupõe um estado de espirito onde a “ilha egóica” é transcendida pelo “continente inconsciente”. O arrebatamento pela intuição do infinito conduz a realidade psicológica do invisível, a experiência “redentora” do self que, devo dizer, vai muito além da cristalização de qualquer dogma ou da adesão mecânica a uma “comunidade do espirito”. Trata-se obviamente de uma gnose ou de uma opus.
Inspirando-me em JUNG, diria que a aventura espiritual do nosso tempo consiste na entrega da consciência ao indeterminado e indeterminável da psique. Esta é por natureza uma experiência pessoal na qual o indivíduo confronta-se involuntariamente com as representações primordiais da alma coletiva. Ela compreende, em outras palavras, a busca e realização em cada pessoa de uma individualidade psicológica, a uma auto descoberta de si mesmo como totalidade e unicidade.
Assim como através do corpo introjetamos psicologicamente o mundo exterior e físico, através de nossas fantasias religiosas, sejam laicas ou sacras, apreendemos o mundo interior da psique. Como conclui WILLIAM JAMES:

“ Segundo a minha maneira de ver, o modo pragmático de considerar a religião é o mais profundo. Dá-lhe corpo assim como lhe dá alma, fá-lo reivindicar para si, como tudo o que é real precisa reivindicar, algum reino característico de fatos. O que são os fatos mais caracteristicamente divinos, independentemente do influxo real de energia no estado de fé e no coração, não sei. Mas a super crença à qual estou pronto para aventurar-me pessoalmente é que eles existem. Toda a corrente da minha educação tende a persuadir-me de que o mundo da nossa consciência presente é apenas um dentre os inúmeros mundos de consciência que existem, e que esses outros mundos devem conter experiências providas também de um significado para a nossa vida; e que embora tais experiências e as experiências deste mundo sejam discretas, em certos pontos se tornam contínuas, e energias mais elevadas filtram-se até nós.”[2]

O mundo da consciência demarcado pelo pensamento religioso, desde a decadência da influência da Igreja Católica de Roma sobre a cultura ocidental, pode-se dizer, iniciada com as heresias do século XII, consolidada com a Reforma Protestante e recentemente complementada pelo refluxo de todas as religiões institucionais frente ao desafio do deslocamento da identidade do indivíduo, tema corrente entre os autores ditos “pós-modernos”, parece apontar para afirmação crescente da religiosidade como uma experiência cada vez mais pessoal e subjetiva. O protestantismo e posteriormente o esoterismo do século XIX, cujas marcas são claras na poesia de um Baudelaire, de um Gerald de Nerval ou de um Willian Blake, anunciam inequivocamente uma profunda transformação do relacionamento existente entre o indivíduo e o sagrado cujas proporções não podem ser esgotadas neste breve ensaio. Não seria, entretanto, precipitado toma-la como uma possível redescoberta do indivíduo e redimensionamento da consciência do coletivo. Falar sobre isso significaria, entretanto, extrapolar os limites da ciência e mergulhar no pântano escuro das especulações subjetivas, caminho que aproximaria as ciências humanas da categoria de arte, de criação.

[1] William James. As variações da experiência religiosa. Um estudo sobre a natureza humana. SP: Cultrix, 1991, p32.
[2] Ibidem , p. 320.

LOVE


“Tudo me gira em torno.
A expectativa me faz sentir
Vertigens.
O deleite imaginário é de tal modo
Doce
Que me encanta os sentidos”

Shakespeare. Tróilo e Cressida.
III : ii


O amor se faz em sangue
E carne
No buscar ingrato do desejo
Pelo outro de si mesmo.

É um jogo estranho
Entre presença,
Ausência
E eternidade
Em aprendizados de alteridades.

O amor é um encontro
De duas bélicas vontades
Na intensidade da vida
E encanto de naturezas.

ACROSS THE RAIN

As inércias de um dia chuvoso
Decoram os pensamentos,
Inspiram magias.

Deixo-me estático
Entre ruínas de memória
E rascunhos de futuros abandonados
Vislumbrando horizontes perdidos.

Deito-me sobre a chuva
E esqueço-me em sua música
Como quem sabe
Todo futuro da humanidade.

I felt weak.
I could no longer stand.
It’s late.
I am tired...

I fell...

PRAZER E CONTEMPORÂNEIDADE: O IMPERATIVO DO TEMPO PRESENTE


Independente do seu status social, no mundo contemporâneo cada indivíduo está em maior ou menor medida predisposto a buscar aquele estranho estágio de realização pueril de pequenos prazeres que, na falta de palavra melhor, chamaria de “boa ou doce vida”.
A economia dos prazeres diários tornou-se realmente um dos mais significativos aspectos do comportamento humano a ponto de moldar a face de qualquer centro urbano, mesmo que de médio porte.
Através de restaurantes, lojas de departamento, motéis, locadoras de vídeo, cinemas, etc. desenha-se uma verdadeira geografia dos pequenos prazeres das quais absolutamente não se pode escapar. Até mesmo os ambientes domésticos e públicos são cuidadosamente moldados para ser “confortáveis”, produzir “relaxamento”, funcionalidade , ou em outras palavras, despertar prazer.
A onipresença e onipotência do prazer é algo de que absolutamente não se pode duvidar na medida em que já nos tornamos conscientes de que o desejo é a premissa elementar de nossa condição humana.
Em outras palavras, ser é desejar, é existir através dos múltiplos objetos de um querer permanente e sem limites que jamais será plenamente satisfeito.

A desconstrução das antigas metafísicas que sustentavam uma imagem de mundo fundada em referencias de ordem, morais universais e teleologias totalitárias de significados , pressupôs a ascensão do imanente, do “concreto imediato” e do efêmero ao centro de nossas consciências de mundo e realidade. Agora vivemos radicalmente em função do presente e seu sensualismo mas do que dos sonhos infantis de eternidades.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

KLAXONS: MYTHS OF THE NEAR FUTURE


http://www.myspace.com/klaxons


Lançado em Janeiro de 2007 'Myths Of The Near Future', primeiro álbum do Klaxons, uma das melhores bandas inglesas surgidas nos últimos tempos, já pode ser considerado um verdadeiro clássico do rock.
O trio londrino, formado por Jamie, James e Simon em 2005 e cuja carreira despontou com o single Gravity's Rainbow", revelando uma musicalidade profundamente original e uma imagética neo psicodélica. Nada surpreendente para uma banda que definitivamente reinventou a musica eletrônica e o velho rock’roll no Reino Unido.
O significado do nome da banda é bastante curioso. A palavra Klaxons significa “Buzina de automóvel” .Vale lembrar que a primeira revista modernista a ser publicada no Brasil adotou tal nome e as seguintes palavras do editorial do seu primeiro número, com as devidas adaptações, serviria muito bem para inspirar apresentações dessa fascinante banda britânica meta psicodelica:

"Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. Klaxon não se preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade.(...)Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para adiante, sempre, sempre. (...) Klaxon não é futurista.Klaxon é Klaxista.(...)Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz."

DELICADA QUIMERA


Todo tempo é futuro
Entre lutos e urros
No crepúsculo
De passados mudos
E ilusões de pensamento.

È ao por do sol
Que os amanhãs se reinventam
Para nutrir a noite
Embalando alvoradas incertas
Dentro de um tempo entre aberto.

Mudanças são
Como crianças inquietas
Vestidas de esperança
Sobre um céu desperto.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

LITERATURA INGLESA XXXIX


“Os conceitos da vida e do mundo que chamamos "filosóficos" são produto de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar "científica", empregando a palavra em seu sentido mais amplo. Os filósofos, individualmente, têm diferido amplamente quanto às proporções em que esses dois fatores entraram em seu sistema, mas é a presença de ambos que, em certo grau, caracteriza a filosofia.”


Bertrand Russel- A Filosofia entre a religião e a Ciência in História da Filosofia Ocidental


Nascido no País de Gales, o filósofo Bertand Russel (1872-1970) merece sem sombra de duvidas um lugar privilegiado em qualquer panorama da literatura de língua inglesa. Não por acaso recebeu o Nobel de literatura em 1950. Embora consagrado no campo da filosofia pelos seus estudos sobre lógica e matemática, ao lado do amigo Aldous Huxley, Russel foi antes de tudo um grande ensaísta e humanista, um típico intelectual do século XX, ou seja, um escritor profundamente atento aos problemas e desafios do seu tempo e embalado por uma demasiada confiança na racionalidade humana. Fato comprovado por sua militância anti-nuclear em tempos de guerra fria inspirada por sua vivencia da barbárie de duas guerras mundiais.
Pretendo aqui apenas comentar um de seus ensaios ainda hoje mais populares: What I Believe.

Alan Ryan, professor de ciências políticas e diretor do New College da Universidade de Oxford, nos oferece na apresentação que faz a obra a seguinte e esclarecedora contextualização:

“ No que acredito foi inicialmente publicado em uma série de livros muito curtos- os editores os chamavam de “panfletos”- intitulados “Today and Tomorrow” ( Hoje e Amanhã). Eram livrinhos sobre assuntos os mais variados: “o futuro das mulheres, guerra, população, ciência, máquinas, moral, teatro, poesia, arte, musica,sexo, etc.” Dora Russel escreveu Hypatia para defender a libertação das mulheres, e Russell escreveu dois panfletos para série, dos quais No que acredito foi o segundo. Dedalus, de J.B.S. Haldane, havia oferecido uma visão otimista do que a ciência faria pela humanidade no futuro; Hussell replicou com Icarus, para mostrar que o filho de Dédalo, aprendeu a voar, mas não a voar de um modo inteligente. Já que a ciência enquanto fruto da inquirição racional do mundo poderia apenas nos dizer como atingir nossos objetivos, era de se esperar que o mais impressionante resultado do avanço científico seria transformar a guerra em um massacre de proporções globais. Se evitássemos tal destino, nós nos veríamos ou entediados à morte- na medida em que a burocracia em larga escala tomou as rédeas do mundo- ou seriamos transformados nas dóceis criaturas imaginadas no Admirável Mundo Novo de Huxley- livro provavelmente inspirado pelo Icarus de Russel-, geneticamente programadas para desempenhar nossos papéis sociais e alimentadas com drogas que conseguiriam realizar qualquer coisa que a eugenia já não o tivesse.”


( Bertrand Hussell. No que acredito/ tradução de André de Godoy Vieira. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007, p. 17-18 )


A critica a religião levada a cabo por Hussel em “No que Acredito” fundamenta-se em uma defesa otimista da racionalidade e do desenvolvimento cientifico, adota uma retórica oposta a do seu Icarus, que chama atenção para as possibilidades sombrias desse mesmo desenvolvimento cientifico. Logo a contraposição entre fé e ciência que aqui aparece como premissa desse ensaio, e também é evidente em outros momentos da vasta obra do autor, como por exemplo, em “A conquista da Felicidade” ou “Ensaios Ceticos”, presupõe algo mais do que um mero antagonismo ou dualismo. Na verdade o que está em jogo é um redimensionamento dos sistemas de crenças humanas a partir de uma constatação do quanto o significado da existência e do próprio mundo, para o bem e para o mal, é uma construção humana. È nesse sentido que em dado momento da obra aqui discutida ele afirma:

“....No mundo dos valores, a natureza em si é neutra- nem boa nem ruim, merecedora nem de admiração nem de censura. Somos nós quem criamos valor, e são nossos desejos que o conferem. Desse império somos reis e de nossa realeza nos tornamos indignos se à natureza nos curvamos. Estabelecer uma vida plena cabe portanto a nós, e não natureza- nem mesmo à natureza personificada como Deus.”

( Bertrand Hussell. No que acredito/ tradução de André de Godoy Vieira. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007, p. 41 )

A crença de Russell nas potencialidades humanas e no predomínio de uma orientação racional da existência individual e coletiva revela sua grande e generosa aposta, enquanto pensador e intelectual engajado, em um potencial progresso da vida e da sociedade. Considerando, entretanto, os desafios que se apresentam ao destino humano nesse inicio de milênio, é significativo especular quanto à atualidade do pensamento de Russell no que diz respeito ao seu apego a uma positividade da razão e da racionalidade, mesmo que em sua filosofia a razão subordina-se ao desejo como essência da condição humana. Afinal, até que ponto a transfiguração da razão, o deslocamento de todos os valores e referências construídas pelo espírito moderno, não nos lança hoje a incerta aventura de deslocar o humano do centro do seu próprio mundo, a uma superação positiva de todo o humanismo?

NOW II

O desbotado instante
Desse agora
É menos que nada,
Não possui passado
Ou presente,
Nem vale a pena
A memória.

Lá fora as horas avançam,
Fatos decoram um dia chuvoso
Enquanto segue indiferente o mundo.

Mas pálido e estático
Em qualquer canto de alma
Um sonho dorme e sonha
O abstrato instante
Desse agora...

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

OF A' THE AIRTS THE WIND CAN BLAW...



Direção alguma é segura
No seguir da vida,
Nenhuma certeza é mais confiável
Que um golpe de acaso
Entre os fatos cotidianos.

Todo destino é
meu eu revelado
Entre as ruínas do desconhecido,
Não importa o caminho...

Apenas sigo por ai
Sem direção precisa...
Of a’ the airts the wind can blaw...

Sei a liberdade dos espaços
Abertos em labirintos,
Sei o espelho vazio
Diante do meu próprio rosto.

Of a’ the airts the wind can blaw...

THE FRATELLIS


Fundada em 2005, a banda escocesa The Fratellis, composta pelo trio Jon Fratelli (guitarra/vocais), Barry Fratelli (baixo) e Mince Fratelli (bateria, backing vocals), mesmo tendo lançado até o momento apenas dois albuns Costello Music e Here We Stand , figura no cenário do rock britânico contemporâneo como uma das mais promissoras e criativas bandas surgidas nos últimos anos.
Sua musicalidade transmite descontração e lirismo claramente influenciado por certa leitura dos Beatles, embora possua também uma batida inconfundivelmente pós punk. Em linhas gerais, a leveza de suas melodias e letras despretensiosas nos oferecerem o melhor do velho rock ‘n roll em uma boa roupagem contemporânea. Os mais moralistas podem considerar, obviamente, a temática de suas letras picantes, geralmente eróticas, “depravadas”ou “vazias”. O que, do ponto de vista do Rock, enquanto estilo cultural e movimento social, não tem a minima importância. Eu, particularmente, tomo a tematica de suas letras como irreverente expressão de descreta rebeldia e uma divertida apologia da vida em toda sua intensidade sensualista e concreta.
Dado meu especial carinho por essa banda britânica, sou suspeito para afiançar seu valor e importância. Mas é possível ouvi-la em sua pagina no My space ( http://www.myspace.com/) e melhor conhecê-la através de seu site ( http://www.thefratellis.com/)

CRÔNICA RELÂMPAGO XLI


Estou decididamente entre aqueles que pensam que a conquista da panacéia de um mundo de algum modo melhor ou perfeito seria um verdadeiro desastre, a doentia materialização de qualquer versão de felicidade coletiva arbitrariamente concebida por alguns e imposta a todos em ilusões de universalismos.
Afinal, existem potencialmente tantos mundos perfeitos quanto pessoas no mundo e nenhuma utopia poderia ser uma representação unânime de uma realidade ideal.
A verdade é que não concebo outra dinâmica para o existir coletivo do homem que não passe pela imperfeição e o conflito, onde não existam injustiças, crimes, dramas pessoais, desassossegos de toda natureza e incertezas quanto ao dia seguinte. De outra forma não seriamos humanos, pois se existe algo que possamos definir como humanidade, uma de suas premissas é certamente não se definir pelo primado de virtudes idealizadas ou imperativos categóricos. Não existe, em outros termos, um “bem” ou um “mal” pré determinados entre os quais apenas temos de escolher.
Aliais, fazer escolhas é diferente de dar respostas; essencialmente o que fazemos o tempo todo é formular respostas aos conflitos e problemas cotidianamente vividos a partir dos parcos recursos da consciência, respostas estas que não são pré determinadas, são construções, elaborações que se fazem em nós no calor das emoções, acontecimentos e atos. Quanto mais e melhor somos capazes de lidar com nos mesmos e com os outros, com as desarmonias e conflitos inerentes a existência, menos somos vitimas da ditadura de nossas certezas e sonhos infantis de realidades perfeitas...

PHOTOGRAPHY

Algumas fotografias
São mais que o revelar-se
De um momento capturado,
Dizem mais que a imagem estática,
Prisioneira de eternidades,.
Guardam algo vivo
No dizer de cores,
Rostos e paisagens.

Algumas fotografias
São essencialmente
O próprio tempo presente,
A janela de um AGORA
Do qual nos perdemos
Nas ilusões do tempo.

domingo, 16 de novembro de 2008

C. G. JUNG E A VIDA APÓS A MORTE


A obra epistolar de C. G. Jung não é de forma alguma menos interessante do que seus trabalhos científicos. Pelo contrário, nos permite melhor compreende-los, o que torna justificável a reprodução aqui de uma de suas missivas que aborda especificamente a posição do autor em relação a um tema espinhoso como a vida após a morte... Não temos aqui a posição de um místico, mas do adepto de uma imagem de ciência que transcende o mito da própria ciência através do racional, questionando toda noção de verdade...

“A uma destinatária não identificada
Luxemburgo
30.05.1960


Minha idade avançada e a necessidade de repouso me fazem evitar as muitas visitas e por isso devo limitar-me o quanto possível a respostas por cartas.
Quanto a sua pergunta sobre a vida após depois da morte, posso responder-lhe tão bem por escrito como oralmente. Na verdade, esta pergunta ultrapassa a capacidade da mente humana, que nada sabe dizer que vá alem da mesma. Além disso, qualquer afirmação cientifica é apenas provável. Só é possível formular a pergunta assim: existe alguma probabilidade de a vida continuar após a morte? É fato que- como todos os nossos conceitos- também o tempo e espaço não são axiomas, mas basicamente verdades estatísticas. Evidencia-se assim também que a psique não esta sujeita até certo ponto a estas categorias. Ela é capaz de, por exemplo, de percepções telepáticas e precognitivas. E enquanto isso, ela esta num continuum, fora do espaço e do tempo. Pode-se esperar então que ocorram fenômenos post-mortem que devem ser considerados autênticos. A relativa raridade desses fenômenos sugere em todo caso que as formas de existência dentro e fora do tempo estão de tal forma separadas, que a ultrapassagem desses limites apresenta as maiores dificuldades. Mas isto não impede que paralelamente à existência dentro do tempo corra uma fora do tempo, isto é, que existamos simultaneamente mos dois mundos, tendo as vezes algum pressentimento disso. Mas o que está fora do tempo não pode mudar mais, segundo nossa concepção. Isto tem relativa eternidade.
Talvez a senhora conheça ,meu ensaio “Seele und Tod” no volume Winklichkeit der Seele. Para fundamentação cientifica chamo sua atenção para meu escrito “Sincronicidade: Um principio das conexões acausais” em OC, vol.VIII, p. 437.
Estas são as minhas idéias principais que, oralmente, tembém não exporia de outra maneira.
Com elevada consideração
Sinceramente seu
( C. G. Jung). “

( Cartas de C.G. Jung: Volume III, 1956-1961/ editado por Aniela Jaffé em colaboração com Gerhard Adler; [tradução de Edgar Orth].- Petrópolis: Vozes, 2003, p. 256-257)

O MAIS BANAL E TRANSFORMADOR DA VIDA


Amo o contraste
Entre o azul profundo do céu
E a rua em frenético movimento
De pessoas e coisas
Banhadas por um sol brando
De tarde em morte e serenidade.

Amo o vento macio,
Frio e leve,
Que embala as pequenas sensações
Dos mais simples atos
Dos fatos ordinários de simplesmente viver.


Amos sem sentimento
O ócio profundo
Que foge ao tempo
E se perde
No acontecer breve
De um pequeno e superficial momento
Sem grandes acontecimentos.

sábado, 15 de novembro de 2008

CONHECIMENTO CIENTIFICO E SUBJETIVIDADE

A especificidade do discurso científico é definida tanto a partir de critérios como coerência, consistência, originalidade e objetivação, quanto pelo paradigma da alteridade. O estatuto de verdade, ou a construção do consenso científico, pressupõe persuasão e legitimação coletiva. Neste sentido, sua premissa básica é a universalidade.
Todavia seria um grave equívoco reduzir o discurso científico a mera combinação de critérios internos e externos pois tanto no que diz respeito a sua estrutura e a sua finalidade, o que predomina é o esforço subjetivo de um pesquisador individual que procura traduzir sua experiência singular em termos objetivos ou socialmente estabelecidos por convenção. Não se trata de assimilar e utilizar uma “técnica” pré-determinada e por si mesma inequívoca. Diante da pluralidade do saber científico nas ciências sociais, no que diz respeito a metodologia e referencias ideologicas, nada mais natural do que reconhece-lo como um complexo jogo de opções e escolhas que pré condicionam o olhar de qualquer pesquisador.
Não seria incorreto afirmar que o estudo dos métodos de pesquisa no campo da epstemologia conduz paradoxalmente tanto a uma afirmação quanto um questionamento do estatuto do conhecimento formal. Cabe lembrar que a partir das primeiras décadas do século XX as chamadas ciências humanas, ou como se prefere hoje, ciências sociais, no que diz respeito ao método e aos critérios de verdade, começaram a distanciar-se abertamente dos modelos tomados de empréstimo das ciências naturais.
Desta forma, gradativamente surgiram inúmeras possibilidades novas de legitimação e representação do discurso científico. Basta pensar na contribuição de tendências do pensamento científico como as representadas pela fenomenologia, a hermeneutica ou a semiótica e, no que diz respeito mais especificamente as ciências históricas, a profunda redefinição do conceito de fontes e documentos iniciada pela chamada Escola dos Analles.
Como bem observa LUCIEN GOLDMAN,
“As ciências históricas e humanas não são pois, de uma parte, como nas ciências físico químicas, o estudo de um conjunto de fatos exteriores aos homens, o estudo de um mundo sobre o qual recai sua ação. São ao contrário a análise dessa própria ação., de sua estrutura, das aspirações que a animam e das alterações que sofre.”[1]

Desta subjetividade elementar que define o objeto das ciências humanas, ou seja, o próprio universo humano em suas tantas manifestações simbólicas como a cultura, a sociedade, a religião, a arte, o direito, etc. deduz-se a inadequação da lógica formal como fundamento metodológico da construção do conhecimento científico.
Recorrendo novamente a GOLDMAN é justo lembrar que,
“O processo do conhecimento científico é ele próprio um fato humano, histórico e social; isso implica, a identidade parcial entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Eis porque o problema da objetividade se coloca diferentemente nas ciências humanas e na física ou na química.”[2]

Em outras palavras, entre a pesquisa no campo da química ou da fisiologia e a pesquisa no campo das ciências sociais há uma diferença de natureza que demonstra claramente os limites do método empírico dedutivo e a chamada lógica formal, ainda hoje, apesar de muitas resistências, adotada no campo das ciências sociais de forma indiscriminada e mecânica. Neste ponto GALVANO DELLA VOLPE nos permite ir um pouco mais longe através de sua crítica ao positivismo lógico. Segundo ele,
“ A principal dificuldade em fazer-se uma idéia adequada e fornecer um juizo crítico completo da lógica formal moderna ou lógica formalizada (=formalista), propugnada pelo positivismo lógico, reside na sua natureza una-dúplice de teoria do pensamento e teoria da linguagem: pelo que, quando se encarou a primeira teoria e se demonstrou a sua capacidade para valer como lógica tout court ou lógica filosófica ( como se vê ad oculos no problema por resolver da lei científica), resta enfrentar a Segunda enquanto semiótica (Carnap) demasiado abstrata ou parcial, que, na sua peculiar obsessão pela linguagem “correta” ou linguagem da “verdade”, dogmatiza uma linguagem meramente técnica(de tipo matemático), falhando como semiótica(ou semântica) geral, verdadeiramente filosófica.” [3]

O equacionamento da linguagem técnica e a interpretação, problemática que nos é aqui muito bem apresentada pelo autor, é um dilema que vivenciamos inevitavelmente quando nos lançamos a árdua tarefa de formular um projeto científico e desenvolver uma pesquisa. Não existem no que diz respeito a isso respostas prontas ou acabadas. Como o próprio conhecimento científico esta é uma questão em eterna construção e reconstrução. Só podemos, de acordo com nossas opções subjetivas, lhes proporcionar as respostas que o nosso presente e nossa referências permitem.

[1] GOLDMAN, Lucien. Ciências humanas e Filosofia. SP: Difusão Européia do Livro, 1967; p.27.
[2] Ibidem
[3] DELLA VOLPE, Galvano. A lógica como ciência histórica. Lisboa: Edições 70; s/d; p.242 et seq.

PÓS IDENTIDADE

A vida corre sem pressa
Pelo abstrato do tempo
Dizendo-se em dias e noites.

Segue aleatoriamente
Pelo acumulo dos fatos
Enquanto persigo
A mim mesmo
No não ser dos pensamentos,
No não saber dos sentimentos
Que escapam ao tumulto
Das emoções mais cruas..

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

HANNAH ARENDT: ENTRE A DECADÊNCIA DO ESPAÇO PÚBLICO E INDIVIDUOS EM TEMPOS SOMBRIOS


Considero a coletânea de ensaios HOMENS E TEMPOS SOMBRIOS de Hannah Arendt um de seus livros mais curiosos por nos proporcionar uma valiosa reflexão sobre o lugar do individuo no contexto de decadência do espaço público que, dentre muitas outras coisas, caracteriza nossa contemporaneidade.
A própria autora, no prefacio que faz a obra, elucida o significado dos tempos sombrios a que se refere e que, evidentemente, associa-se a experiência dramática das duas Guerras Mundiais e do totalitarismo
.
“ ... Fui buscar a expressão ao famoso poema de Brecht “Aos que virão a nascer” , que fala da desordem e da fome, dos massacres e dos assassinos, da revolta contra a injustiça e do desespero “ quando só havia injustiça e não revolta”, do ódio legitimo que no entanto nos desfigura, da cólera justificada que nos enrouquece a voz Tudo isso era bem real, uma vez que se passava em público; não era nem segredo nem mistério. E todavia, nem por sombras estava ao alcance de todos os olhos, era difícil ter-se consciência da situação; pois até ao último momento, em que a catástrofe arrastou tudo e todos, ela foi sempre camuflada, não por realidades mas pelos muito eficientes discursos e pelo palavreado de quase todos os representantes oficiais que, ininterruptamente e com as mais engenhosas variantes, iam arranjando explicações para todos os fatos desagradáveis e para todas as preocupações justificadas. Quando pensamos nos tempos sombrios e nas pessoas que neles viveram e se movimentaram, temos que levar em linha de conta esta camuflagem, emanada do “poder estabelecido”- ou do “sistema”, como então se dizia- e por ele difundida. Se a função do domínio público é iluminar a vida dos homens, proporcionando um espaço de aparências onde eles podem mostrar, em palavras e actos, para o melhor e o pior, quem são e o que sabem fazer, então as trevas chegam quando esta luz se apagada pelas “faltas de credibilidade” e pelo “governo invisível”, pelo discurso que não revela aquilo que é, preferindo escondê-lo debaixo do tapete, pelas exortações, morais e outras,k que a pretexto de defender velhas verdades degradam toda a verdade, convertendo-a em uma trivialidade sem sentido.”

( Hannah Arendt. Homens em tempos sombrios. Tradução de Ana Luisa Faria. Lisboa: Relógio D’agua, 1991, p.8 )

Esta é a temática que entrelaça os 11 ensaios da coletânea sobre a biografia de indivíduos que viveram nesses tempos sombrios de séc. XX, com exceção de Lessing, e que são tão diferentes um do outro e, em alguns casos, realmente antagônicos. Afinal Arendt toma por objeto a vida de homens com,o Ângelo Guiseppe Roncalli, Isak Dinesen, Randall Jarrell, Karl Jaspers, Hermann Broch, Walter Benjamin, Bertolt Brechtn e Rosa Luxemburgo.

Uma passagem do ensaio sobre Lissing, que abre o livro, me parece particularmente interessante para apresentar as idéias que perpassam esta coletânea tão original:

“Nada em nosso tempo é mais duvidoso, penso eu, do que a nossa atitude para com o mundo, nada menos garantido do que o acordo, que uma distinção nos impõe e que a sua existência afirma, com aquilo que se manifesta em público. No nosso século até mesmo o gênio só se conseguiu desenvolver em conflito com o mundo e o domínio público, embora naturalmente encontre, como sempre fez, a sua forma própria de acordo com o seu público. Mas o mundo não é a mesma coisa que as pessoas que o habitam. O mundo está entre as pessoas, e este espaço-entre é hoje- muito mais do que os homens, ou mesmo o homem, ao contrário do que muitas vezes se pensa- o objeto das maiores preocupações e o domínio das convulsões mais evidentes em quase todos os paises do globo. Mesmo onde o mundo ainda se encontra numa relativa ordem, ou é mantido numa relativa ordem, o domínio público perdeu a capacidade de iluminação que originalmente fazia parte de sua natureza própria. São cada vez mais os habitantes dos paises do mundo ocidental, que desde o declínio do mundo antigo considerou a liberdade em relação à política como uma das suas liberdades fundamentais, a exercer esta liberdade, retirando-se do mundo e das suas obrigações para com ele. Este alheamento do mundo não prejudica necessariamente o indivíduo; até pode permitir-lhe cultivar grandes talentos, elevando-o ao grau de gênio, e por esse desvio o tornando uma vez mais útil ao mundo. Mas com cada um desses alheamentos verifica-se uma perda quase palpável para o mundo; o que se perde é o espaço- entre particular e geralmente insubstituível que deveria ter-se criado entre esse individuo e seus semelhantes.”

( Hannah Arendt. Homens em tempos sombrios. Tradução de Ana Luisa Faria. Lisboa: Relógio D’agua, 1991, p. 12-13 )

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

LIFE II

Vivo apenas
Do dia, da noite e do acaso
Nos labirintos da embriagues
De um céu negro e distante.

Vivo na violência do vento,
No corpo das tempestades
Que procuram madrugadas
Nos intervalos da vida.

Vivo da violência
De um encanto de existências
Cravadas no peito
Da própria e cotidiana
mera realidade.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

SOBRE A UTOPIA de T. MORE


Publicado originalmente em 1516, justamente um ano antes da eclosão da reforma luterana, A Utopia de More permanece ainda hoje um texto um tanto quanto enigmático. Responsável pela invenção da palavra Utopia, não raramente é vitima de leituras anacrônicas e “ideolocizantes” sobre seu significado enquanto “critica social e política” à Inglaterra dos Tudors através da idéia de uma sociedade ideal comunista.
A Utopia de More insere-se, entretanto, no panorama humanista e renascentista, constitui um esforço de conciliação entre a cultura clássica e medieval mediante a um reequacionamento entre o paganismo pagão da antiguidade com o cristianismo medieval, o que se expressa, por exemplo, na valorização do epicurismo presente na obra, mesmo que contraditoriamente diluído por certo estoicismo.
A republica de Utopia expressa o desejo do autor por uma reforma da vida social e política da Europa do séc XVI como uma resposta a então evidente crise da cristandade ocidental.
Para o historiador Carlo Ginzburg, em uma leitura realmente original construída através de sua micro- história, conforme sugerem alguns indícios pouco observados na obra, a Utopia de More insere-se em uma tradição literária satírica que remonta a Luciano de Samósata.
Em suas próprias palavras:

“Greenblatt decerto tem razão em sustentar que a maioria dos interpretes deixou escapar “ a sensação de perspectivas incompatíveis” que tem tamanha importância no livro de More. Mas esse elemento formal, por importante que seja, pode ser identificado como o núcleo do livro?
A abordagem que proponho ultrapassa esse dilema, uma vez que leva em conta as “perspectivas incompatíveis” que Greenblatt ressalta, como também o “complexo enquadramento” que os interpretes debateram longamente. No centro deste último debate está a tese de Hexter sobre o “parágrafo fora do lugar”, segundo a qual o parágrafo do livro primeiro da Utopia que promete uma descrição da ilha seria uma espécie de “remedo”, indício mal escondido de uma fase anterior do projeto de More, visto que a descrição só comparece no livro segundo. No entanto, quando se lê a Utopia no contexto da tradição luciânica, tão dada a contradições lógicas e textuais, a tese de Hexter parece muito frágil. “Mas contarei as minhas aventuras no outro continente no próximo livro”, lê-se no fim do segundo e último livro de Uma história verdadeira, de Luciano. “A maior mentira de todas”, comentou secamente um escriba grego, à margem da cópia.
Outro estudioso, G. M. Logan, declarou que a influência de um escritor satírico como Luciano seria incompatível com as passagens “absolutamente sérias da descrição de Utopia”. O livro de More, adverte Logan, “apesar de ser escrito de forma arguta e indireta, é uma contribuição séria à filosofia política. Mas os elementos sérios e cômicos da Utopia serão tão opostos assim? Ao rejeitar esse dilema, Thompson perguntou-se: “ Não poderíamos ficar com as duas alternativas?Cero, mas como? O que está em pauta é a relação entre as duas faces do livro. “Apesar de ser escrito de forma arguta e indireta”, escreveu Logan; eu não diria “apesar”, e sim “por ser escrito”. Como se sabe, More começou a escrever pelo que viria a ser o livro segundo, isto é, a descrição de Utopia; em seguida, acrescentouo livro primeiro, a descrição da Inglaterra. Tenho a impressão de que, neste caso, post hoc e popter hoc coincidem. Os paradoxos de Luciano devem ter descortinado a More um campo de possibilidades que modificou o seu projeto original. Hipóteses extravagantes e puramente imaginárias levaram-no a contemplar a realidade de um ponto de vista insólito, a fazer perguntas obliquas à realidade. O que aconteceria se ( como imaginou Luciano) as várias filosofias fossem a leilão? O que aconteceria se a propriedade privada fosse abolida? Antigos rituais de inversão como as saturnais levaram More a imaginar uma sociedade fictícia, na qual ouro e a prata eram usados para fabricar penicos e os embaixadores estrangeiros carregados de correntes de ouro, por engano, eram tidos por escravos. Os mesmos rituais de inversão, ajudaram-no a entrever pela primeira vez uma realidade paradoxalmente às avessas: uma ilha em que as cabras devoravam os homens.”

Carlo Ginzburg.O Velho e o Novo Mundo vistos de Utopia, in Nenhuma ilha é uma ilha. Quatro Visões da literatura Inglesa/ tradução de Samuel Titan Jr. SP: Companhia das letras, 2004, p. 41-42

LITERATURA INGLESA XXXVIII


Alfred Edward Mason (1865-1948) no cenário da literatura britânica, é um nome relativamente pouco conhecido, embora tenha escrito cerca de trinta peças literárias. A mais conhecido dentre elas é o romance The Four Feathers ( As Quatro Penas Brancas) originalmente publicado em 1902 e, diga-se de passagem, imortalizado por cinco versões cinematográficas, dentre as quais a mais popular e bem sucedida foi a de 1939 dirigida por Zaitan Korda.

Este belo romance nos oferece um significativo panorama da paisagem cultural correspondente ao mundo da antiga aristocracia britânica e seu ethos militarista, rigidamente hierárquico e vinculado à afirmação do império colonial britânico.
Ao longo da narrativa articulam-se em torno da questão da honra uma serie de conflitos de valores que basicamente contrapõem o individuo aos crivos impostos pelo meio sócio-cultural. Associado ao tema da honra encontra-se, por exemplo, a questão da relação entre gêneros, com destaque para a problemática do amor entre homem e mulher e o próprio lugar da mulher na sociedade.

Resumindo o enredo, a personagem central, o jovem Harry Fevershun, ao deixar o regimento a que servia as vésperas de sua partida para atuar em um conflito no Sudão, é acusado por seus principais amigos de infâmia e covardia, recebendo no dia de seu noivado três penas brancas simbolizando sua desonra. A estas junta-se uma quarta oferecida por sua própria noiva. Com a desconstrução da sua opção por uma vida domestica e calma, Harry lança-se em segredo a uma perigosa e árdua aventura pela Irlanda, Sudão e Egito, para provar seu valor e recuperar sua honra.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ENCANTO DE ACASOS

Eu amo o acaso,
Estrelas e fatos
No perde-se de um céu aberto
Em liberdade de atos
E loucuras de imaginações.

Eu amo o infinito e a particularidade desse ato,
Meu ser gente em pluralidades de tempos,
Existências e imaginações.

Eu amo o caótico acontecer
Da liberdade
Em todas as coisas do mundo
Sob um infinito aberto em vida, luz
E azul profundo
Ao sabor do vento.

CRÔNICA RELÂMPAGO XL

Em um determinada e incerta ocasião, ouvi da boca de um velinho uma melancólica argumentação sobre o fato de já ter perdido muitas coisas na vida, a confissão de que já tinha cometido muitos erros e não se importava de viver de ilusões, sonhos e crenças religiosas ou políticas, justamente por não ter mais em que pessoalmente realmente acreditar.
Respondi na ocasião que o que de fato faz diferença em nossas vidas é o modo como enfrentamos a realidade de todos os dias, como confrontamos nossos medos, desejos, frustrações e limites.
Hoje sei que as coisas não são tão simples assim, embora não decline de minha opinião de ocasião. Apenas acho que quanto mais certezas afirmamos para nós e para os outros, mais nos desfazemos em enganos. No presente caso, é fato que, em alguma medida, qualquer um se sente inseguro ou insatisfeito com a própria existência. Na melhor das hipóteses, angustia-se com o natural fato de que um dia ira desaparecer da face da terra como tudo aquilo relacionado a ele ou a seus entes queridos.
Mas é possível ir além desse sentimento. Há algo mais... Algo que diz respeito aquilo que poderíamos provisoriamente definir como “a estética da vida”, a construção subjetiva de significados através de nossa auto expressão mediante empreendimentos pessoais de coisas inúteis e sem importância para o mundo e os outros, mas que de alguma maneira realizam o que somos na medida em que a construímos em árduo processo de auto-expressão irracional e sentido. Pode- se compor uma musica, pintar um quadro, escrever um livro ou simplesmente... viver intensamente a própria vida até o limite de todo acontecimento convencional. O importante é dedicar-se de corpo e alma a alguma coisa que seja pessoalmente significativa, que faça tudo valer a pena.

A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL: 90 ANOS DEPOIS...


11 de novembro de 2008 marca 90 anos do fim da Primeira Grande Guerra Mundial. Mas cabe dizer que em agosto de 1914 muitos europeus marcharam para os campos de batalha entre jubilosas manifestações e festas entoando ridículos cantos patrióticos.
As multidões nacionalistas que então agrediam, discriminavam e desconfiavam dos poucos pacifistas da época, não tinham a menor idéia de que nos anos que se seguiriam o ocidente seria palco de horrores nunca antes concebidos. A ciência da guerra unia-se triunfante as políticas nacionais sob o signo do sacrifício, da “Sagração da Primavera”.. .
Noventa anos depois é insólito constatarmos impotentes e perplexos o quanto a guerra e a violência tornaram-se atividades capazes de comprometer o futuro da própria espécie humana pela mera e subjetiva decisão política de Estados... De que outro modo podemos, por exemplo, pensar a ocupação norte americana do bizarro Iraque e as pretenções a conquista da bomba atômica no Irã, na India, Paquistão, etc. sob o fantasma de uma nova "querra fria" multilateral e escalada armamentista?

INDIVIDUALISMO, ALTERIDADE E POS MODERNIDADE

A aceitação do heterogêneo e do marginal, o reconhecimento e integração da diversidade, do hibrido e a conseqüente rejeição das totalidades e totalitarismos morais, dos meta discursos identidários, constituem um dos aspectos mais decisivos do tempo presente, diga-se de passagem, formatado por uma pauta que podemos tomar como “pós- moderna”.
O conseqüente relativismo axiológico, a perda de um parâmetro universal que estabeleça princípios comuns as performances das sociabilidades e intercâmbios humanos, a eleição da alteridade como referencial e premissa de uma Ética contemporânea, simboliza a recusa e contra-posição ao “neo conservadorismo” dos defensores do retorno a uma moral e valores tradicionais como desesperada busca de segurança e certeza frente uma realidade cada vez mais ilegível.
O mundo em que vivemos já não é mais o mesmo que o dos nossos pais ou avós, se quer podemos chamá-lo de “nosso” sem ariscar a autenticidade de uma pluralidade de possibilidades de mundos dentro de mundos. Afinal, a grande a maravilhosa mudança é que não é mais a sociedade que molda e condiciona o individuo, mas o individuo que molda e relativamente transcende a própria idéia de sociedade...

domingo, 9 de novembro de 2008

POEMA SENSUALISTA

O tempo não passa
De uma convincente ilusão
Na opaca fantasia
Do corpo e da alma
Entre as coisas...

Pois todos os acontecimentos
De uma vida inteira,
Não cabem em um único segundo
De pura eternidade.

Mas quantas eternidades valem
Um mero segundo de absoluto prazer?

Viver é mais importante que eternidades
Quando um único segundo
Dentro da gente
Nunca tem fim...

sábado, 8 de novembro de 2008

VIOLÊNCIA E CONTEMPORÂNEIDADE


Um dos mais curiosos fenômenos que caracterizam a contemporaneidade é o da liberdade da violência enquanto linguagem e modo de expressão de indivíduos, nações e bizarras organizações terroristas. Atualmente, a violência já não é um fenômeno instintivo condicionado a ritualista simbólica, como foi durante as guerras religiosas da Europa no inicio da modernidade, e muito menos uma prática de Estados através da guerra limitada por um rígido código ético como no séc. XIX.
A violência do nosso tempo tornou-se impessoal e incondicionada refletindo assim uma imagem de realidade onde a vida individual revela-se de muitas e ingratas formas um valor relativo frente aos interesses e práticas coletivos.
Quando grupos, sociedades, códigos morais falam mais forte do que o reconhecimento da diversidade e do outro, o uso ilimitado da força é um recurso legitimo tanto para um psicopata quanto um chefe de Estado.
Tudo isso significa que nossas representações da morte estão se modificando ou, para ser mais preciso, se laicizando de um modo que não considerávamos possível.
O celebre historiador britânico Eric Hobsbawn nos ajuda a pensar este espinhoso tema no fragmento abaixo:

“Gostaria de ilustrar a amplitude do abismo entre o período anterior a 1914 e o nosso. Não me apoiarei no fato de que nós, que passamos por desumanidade maior, tendemos hoje a ficar menos chocados com as moderadas injustiças que envergonharam o século XIX. Um erro isolado da justiça na França ( o caso Dreyfus), por exemplo, ou vinte manifestantes presos por uma noite pelo exercito alemão em uma cidade da Alsácia ( o incidente de Zabern em 1913). O que desejo lembrar a vocês são normas de conduta. Clausewitz, escrevendo após as Guerras Napoleônicas, pressupunha que as forças armadas dos Estados civilizados não executariam seus prisioneiros de guerra ou não devastariam países. As guerras mais recentes em que a Grã-Bretânha se envolveu, ou seja, a Guerra das Malvinas e a Guerra do Golfo, sugerem que isso não é mais pressuposto. Além disso, para citar a 11º edição da Enciclopédia Britânica, “a guerra civilizada, dizem-nos os manuais, confina-se, na medida do possível, à incapacitação das forças armadas do inimigo; caso contrário, a guerra continuaria até que uma das partes fosse exterminada. ‘É por um bom motivo”’- e aqui a Britânica cita Vattel, um advogado internacional do nobre Iluminismo do século XVIII- “‘que essa prática passou a ser um costume nas nações da Europa’”. Não é mais um costume das nações da Europa ou de nenhum outro lugar. Antes de 1914, a concepção de que a guerra devia se dar contra combatentes e não contra não-combatentes era uma concepção comum a rebeldes e revolucionários. O programa do Narodnaya Volya, o grupo russo que assassinou o czar Alexandre II, afirmava explicitamente que “indivíduos e grupos alheios a sua luta contra o governo seriam tratados como neutros, sendo suas pessoas e propriedades invioláveis”. Aproximadamente na mesma época, Frederick Engels condenava os fenianos irlandeses ( com quem estavam todas as suas simpatias) por colocarem uma bomba em Westminster Hall, arriscando assim as vidas de inocentes ali presentes. Como um velho revolucionário com experiência em conflito armado, ele achava que a guerra deveria ser movida contra combatentes e não contra civis. Hoje, esse limite não é mais reconhecido por revolucionários e terroristas, como também não o é pelos governos que promovem guerras.
Sugiro então uma breve cronologia dessa escorregada pelo declive de barbarização. São quatro os seus estágios principais: a primeira Guerra Mundial, o período da crise mundial desde o colapso de 1917-20 até o de 1944-7, as quatro décadas da era da Guerra Fria e, por ultimo, o colapso geral da civilização conforme conhecemos sobre sobre extensas áreas do mundo a partir dos anos 80. Há uma óbvia continuidade entre os três primeiros estágios. Em cada uma das lições anteriores de desumanidade do homem para com o homem foram aprendidas e se tornaram a base de novos avanços de barbárie. A mesma conexão linear não existe entre o terceiro e quarto estágios. O colapso dos anos 80 e 90 não se deu graças as ações de agentes humanos de decisão que poderiam ser reconhecidas como bárbaras, como o os projetos de Hitler e o terror de Stalin, lunáticas, como os argumentos justificando a corrida rumo a guerra nuclear, ou ambas, como a Revolução Cultural de Mão. O colapso ocorreu porque os agentes de decisão não sabem mais o que fazer quanto a um mundo qu escapa ao seu ou ao nosso controle, e porque a transformação explosiva da sociedade e da economia a partir de 1950 produziu um colapso e ruptura sem precedentes nas regras que governam o comportamento em sociedades humanas. O terceiro e quarto estágios, portanto, superpõe-se e interagem. Hoje as sociedades humanas estão falindo, mas sob condições em que o padrão de conduta pública permanecem ao nível a que foram reduzidos nos períodos anteriores de barbarização. Até agora não deram nenhum indício significativo de estarem novamente se elevando.”

(Eric Hobsbawn. Sobre História/ tradução de Cid Knipel. Companhia das letras, 1998, p. 270)

MATURIDADE E AFIRMAÇÂO DO INDIVIDUO NO TEMPO DE UM PONTO DE VISTA TOTALMENTE SUBJETIVO

Subjetivamente, considero a maturidade, enquanto meta ideal do desenvolvimento da personalidade humana, como um estado de consciência onde já não somos movidos por grandes paixões, em que não cultivamos grandes fantasias de futuro e ambições maiores do que a permitida pela realidade etérea de todos os dias.
A maturidade é, em suma, um modo de olhar o mundo vivenciar os fatos cotidianos, que pressupõe certo despreendimento e relativa indiferença a todas as coisas.
A maturidade é essencialmente aristocrática... um modo peculiar e impreciso, através do qual aprendemos a lidar com a fatalidade do acaso de nossas diversas e múltiplas individualidades e finitudes...