Há um passado
que não para de crescer
contra o tempo presente
em nome do avanço de uma antiga catástrofe civilizacional.
Ele vem do norte
como uma grande avalanche
que nos carrega em sua queda.
Este passado se chama Razão
e cresce com nossa ilustração*,
com nossa fome de Estado,
de controle e de progresso,
como um processo tecnológico,
quase tétrico teológico,
de absoluto narcismo.
Nosso triste sonho de vaidade
é a apoteose do delírio
de uma história universal
inspirada pela acumulação de riquezas e bens
da qual toda forma de vida
se tornou refém.
O poder é o passado personificado
como espírito nacional,
como projeto colonial,
desigual, racial, racional
e como solução final
para todos os dilemas da humanidade.
O poder é o passado como exploração
do outro e da natureza,
como ambição pessoal,
como destruição do que pode e poderia ser.
Logo,
ninguém existirá
para abrigar lembranças,
não haverá futuros ou tempo presente,
mas apenas o devir vazio
de uma eternidade morta e enterrada
sob o passado de nossa humanidade indecente,
devorada por suas guerras,
teologias e verdades supremas,
por sua ambição desmedida
na contramão de toda natureza.
Tudo em nome do Estado e do progresso universal
que só será pleno com nossa aniquilação,
com o triunfo do nosso passado.
* Aufklãrung