terça-feira, 31 de julho de 2018

A ARTE DE DECIFRAR



A arte de decifrar confunde-se com a experiência da interpretação. Assim, combina cumplicidade e imparcialidade na produção do sentido de um texto ou de uma realidade. Mas não se trata de um exercício de dedução no melhor ou pior uso do aparato caduco da tradição do pensamento. Trata-se de comprometimento, de pensar onde não somos, de adentrar labirintos. A compreensão de qualquer coisa é sempre interpretação e, portanto, pressupõe algo de falsificação, de reinvenção. Não é a verdade das coisas que alcançamos, mas sua simulação. Não é o sujeito fundante do Ser como pensamento que nos substitui no ato de decifrar. O enigma inventa a si mesmo e já contem sua própria resposta. Desta forma, o sentido possui sua soberania. Mas não remete a um significante ou a um significado, mas a um revelar-se como exterioridade interiorizada, como um fora que se torna dentro. Decifrar é movimento, é um estado e não um ato. Ele é o exercício de uma mobilidade labiríntica.


segunda-feira, 30 de julho de 2018

A VERDADE E A MENTIRA SEGUNDO NIETZSCHE



 Raramente nos damos conta do quanto o fundamento de qualquer verdade é sempre uma não verdade. O dizer verdadeiro é aquele que se inventa através de conceitos, este curioso artificio para dizer as coisas como elas devem ser na ignorância de suas diferenças. A sombra do Nietzsche de Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral, cabe dizer que tomamos a simbolização enunciativa do real como o próprio real, adivinhando, assim, uma ordem nas coisas.Nietzsche define a verdade neste breve texto de 1873 da seguinte maneira:

“O que é, pois, a verdade?
Um exercício móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas.”

A verdade é a obrigação de mentir socialmente através das convenções consolidadas, é também uma inconsciência das metáforas intuitivas originais. Assim, ela é essencial ao espírito gregário e a vida em rebanho. Afinal, a verdade tornou-se a principal lei da legislação da linguagem depois que o intelecto, este artificio essencial a sobrevivência  dos seres menos favorecidos, inventou a dissimulação como uma necessidade vital. Assim, através dele, a própria linguagem se converteu em um artificio, em dissimulação consagrando a ilusão do verdadeiro e do falso, uma arma, um mecanismo normativo e, portanto, de controle. 
Longe da soberba do homem racional e sua leviana história universal, vivemos melhor quando reinventamos nossos jogos de linguagem como exercícios metafóricos, quando através da intuição afirmamos a vida subjetivando a existência como obra de arte.  

sexta-feira, 27 de julho de 2018

NOTA SOBRE DELEUZE E O CINEMA


“O fato moderno é que já não acreditamos neste mundo. Nem mesmo nos acontecimentos que nos acontecem, o amor, a morte, como se nos dissessem respeito apenas pela metade. Não somos nós que fazemos cinema, é o mundo que nos aparece como um filme ruim.”
Gilles Deleuze in A Imagem Tempo (Cinema 2)

No modo como Deleuze fala sobre o cinema, tão influenciado pela filosofia de Bergson, o afeto não é um dado da percepção ou da representação. Mesmo eventualmente relacionado ao passional ou ao subjetivo, ele não se confunde com a ordem do pensamento. Ele é um outro tipo de informação que instiga a perceber e pensar de forma diferente daquela a qual estamos habituados, que parte da indiscernibilidade entre sujeito e objeto, entre pensamento e corpo,  estabelecendo o impensado de um pensamento afeto através de dois regimes de imagem: a Imagem-movimento e a Imagem-tempo. A própria matéria é um conjunto de imagens que nos afeta sem qualquer distinção entre o virtual e o real. Em poucas palavras, o cinema nos oferece a potência do falso... imagens que pensam.



A ESPIRAL DO CETICISMO


Sempre estou disposto a saltar sobre mim mesmo,
Sobre o tempo presente e a prisão dos fatos rasos.
Não para cair adiante,
Sobre a ilusão de futuros.
Mas para visitar passados desconhecidos
E vislumbrar ausências

Questionando tudo aquilo que nos tornamos.

SOBRE A CRIAÇÃO DE CONCEITOS



Descubra um plano de imanência sobre o qual construir e entrelaçar conceitos,
inventar-se em novas formas de subjetivação,
descobrir na paisagem abrigos, dobras e linhas de fuga....

terça-feira, 24 de julho de 2018

MAQUINAÇÕES ABSTRATAS



Pouco sei das coisas que vejo agora.
Mas elas sempre desenharam uma presença,
Uma invisibilidade ativa em minha vida.

As coisas são consciência,
Entes em meu pensamento
Revisando a história do mundo.

Sei que sou como vejo as coisas,
Que  existo como penso meus atos
Através de muitos dispositivos,
Em um eu disperso no corpo invisível
De  qualquer máquina abstrata


segunda-feira, 23 de julho de 2018

LINGUAGEM E ESCRITA



“O saber humano se espalha por todos os lados, a perder de vista, de modo que nenhum indivíduo pode saber sequer a milésima parte daquilo que é digno de ser sabido.”
Arthur Schopenhauer

Escrever não é um ato tão naturalizado como o falar. Exige uma postura que pressupõe um esforço para sistematização de um saber previamente articulado. Desta forma, o autor nunca é livre no ato de escrever. Ele não é o agente da escrita.  Ele replica o eco de vozes coletivas em seu fazer discursivo através de suas referencias. É o ler que permite o escrever, encadeando aleatoriamente discursos que se duplicam, que se dobram sobre si mesmos.

Escrever é sempre replicar um determinado saber. Mas longe de ser definido pela perícia com que se reelabora um dado saber eleito, o que realmente define um texto são os seus silêncios. Aquilo que é ignorado, paradoxalmente, torna um discurso viável. Eis o segredo de sua coerência na pretensão a um dizer verdadeiro.

Se o saber é múltiplo e diverso, irredutível a qualquer enunciado, todo discurso é parcial e introduz uma instabilidade em nossa codificação coletiva da realidade. Cada texto é como uma ferida aberta na gramatica do real, na multiplicidade das possibilidades do dizível.  Todo texto realmente significativo  deve anunciar seu próprio desaparecimento, sua superação. Ele é a experiência de um abismo, de um desassossego que nos afeta através das palavras. Escrever pressupõe um inacabamento da possibilidade do dito, um confronto com o indeterminado de um devir que é a própria linguagem.   


domingo, 22 de julho de 2018

ALÉM DO TEMPO PRESENTE



Fugi da hiper realidade da simulação diária,
Da palavra fechada e disseminada,
Realizada por verdades de mão única.

Procurei a reversão das genealogias,
Os labirintos do micro celular,
Do quase molecular.

Tudo que encontrei foi um grande vazio
Onde todas as coisas possíveis
Haviam definido mudas
Seu provisório lugar de quase não ser.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

PONDERAÇÕES FILOSÓFICAS


Descartes não duvidou de si mesmo.
A liberdade em Espinosa não tem livre arbítrio.
Hegel restituiu a razão a metafísica.
Shopenhauer inventou Nietzsche...
E seguimos hoje perplexos,
Entre o estoicismo e o paradoxo
A espera do além do humano.

O TEXTO CORROÍDO


O texto corroído é descartável.
Já não diz mais nada,
Não acorda a consciência,
Não desvela mundos dentro do mundo.
É apenas palavra e registro inútil
De um pensamento suspenso.
Afetos e sentidos investigam as coisas.
Mas as palavras envelhecem.
o discurso não funciona.
É pior do que qualquer dúvida.
O texto corroído inventa equívocos
E já não tenho mais nada a dizer.
.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

SOBRE A DUALIDADE DA CONSCIÊNCIA DO MUNDO


A consciência sensível e a consciência intelectual possuem o mesmo objeto: a exterioridade do mundo. Mas representam percepções e experiências diferentes deste objeto. O mundo é irredutível as duas. Apresenta-se como algo concreto através do corpo e ao mesmo tempo como uma abstração do pensamento. Em ambos os casos ele nos afeta como uma experiência interior que se reduz a um fora, que em sua multiplicidade permanece em alguma medida inconsciente. 

Mas toda forma de consciência é a percepção do exterior. Desta forma  não existe  consciência interior. Existe apenas expressão, movimento, de um fora que nos surpreende como um dentro, mas com o qual nos relacionamos através do filtro de determinadas configurações culturais ou simbólicas que definem o sensível e o intelectual. O sentir define o pensar e vice versa. Vemos apenas aquilo que podemos pensar. O próprio eu é exterioridade, o que inviabiliza  a subjetividade como um contraponto do mundo. Sujeito e objeto são uma coisa só.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

O NÃO LUGAR DO EU

Quando me ponho diante de um espelho e tento me descrever, surpreendo diante de mim uma anônima versão de mim mesmo.

Não sou aquele que revela a visão. Não sou minha voz e nem mesmo meus pensamentos. Sou qualquer coisa indeterminada, sem substância, entre o corpo e o mundo. Mas também não sou este eu que se inventa através de um discurso.

Ser qualquer coisa é uma pretensão tola. Tudo que faz sentido é não fazer sentido.

ETERNO RETORNO



O limite do possível é onde as coisas sempre acontecem.
É a dobra que separa o inatual da atualidade sempre provisória e que nos lança cada vez mais longe. Não há um ponto a ser alcançado que não conduza a outro mais distante. Entretanto, todos os pontos são iguais considerados em seus respectivos momentos. Estamos sempre retornando a um estágio inicial que nunca é o mesmo. Viver é constantemente começar de novo, devorar-se neste eterno circulo vivo que nos ensina o tempo.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

HISTORIOGRAFIA E ACONTECIMENTO

É aquilo que nunca mais se repete que interessa a historiografia na criação de memoria, na conversão em fato histórico daquilo que se perde na atualidade de cada novo momento. Mas não é apenas a individualidade e a singularidade que caracterizam os acontecimentos. Sua vulnerabilidade é o seu traço mais fundamental.

Afinal, tudo passa,  nos envolve e transcende. Estamos contidos no tempo, mas ele não nos contem. Ele nos atravessa. Todos os acontecimentos nos escapam, mas ganham materialidade quando coletivamente o inventamos no plano da experiência e da significação. Para tanto é preciso  transcender a imaginação do agora e apreender o devir que através deles nos surpreende  sempre. Em poucas palavras, o inatual nos habita e é exatamente isso que justifica a escrita da História.  

terça-feira, 10 de julho de 2018

HÁBITOS SEDENTÁRIOS E CONSCIÊNCIA


Uma metafísica da consciência busca a materialidade dos discursos como praticas e modo de ser, como um lugar dentro de um mundo. O discurso é onde se habita, onde a realidade se torna hábito. Mas a realidade não se reduz a práticas discursivas. Ela guarda sempre algo de indeterminado, de impertinente. Há sempre uma inquietude em relação ao real que engendra hiper realidades, ou que nos leva a o simulacro de palavras de ordem, de imagens de pensamento que reduzem o conhecimento a mera informação cotidiana ou, simplesmente, a uma performance discursiva.



sexta-feira, 6 de julho de 2018

SOBRE O DEVIR

O futuro, seja ele o que for, não será superior ao nosso presente, tanto quanto ele não é superior ao nosso passado. Apenas será outra coisa. O decisivo é sempre responder ao aqui e o agora buscando apreender o intempestivo, o incondicionada ou, simplesmente, o devir.  Seu movimento constante, sua durabilidade mutante, é o que sempre nos persegue através do tempo, das variações das formas históricas.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

NAUFRÁGIO



GEOGRAFIA EXISTENCIAL




Quem existe é o meio no qual me movimento.
É toda esta multiplicidade de objetos, processos,
Que transformam qualquer lugar em um acontecimento.

A singularidade é uma espacialidade dada que comporta o corpo.
Corpo onde o dentro e o fora inventam consciência das coisas.

Sou em todos os sentidos esta singularidade,
Este movimento que se transforma em lugar de existência.

Assim, a Terra inventa o universo como abstração
E duvido de tudo aquilo que me define a existência.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

JUNG E BERGSON: APROXIMAÇÕES



O "bergsionismo", mesmo aquele proposto por Deleuze, apresenta a intuição como um procedimento metódico que se destina a apreensão da materialidade movente das durações.

Ele se inventa contra a descontinuidade de momentos espalhados pelo indefinitivamente divisível (quantitativo), oferece como alternativa um tempo que corre indivisível (qualitativo) e que se prolonga como uma melodia, como um devir sem suporte e sempre em transição. Para Bergson esta duração é a essência do Ser, do absoluto. A mudança é indivisível e substancial. Fluxo é sinônimo de duração. A intuição como método é justamente a apreensão desta substância, o método filosófico de uma nova metafísica, que vislumbra  um além da condição humana.

Não seria descabido tentar aproximar as formulações de Bergson sobre memória do conceito de inconsciente coletivo de Jung. Afinal, para o filosofo da intuição, a memoria é uma força imaterial que evoca uma realidade transpessoal (espirito) que não é incompatível com o conceito de psique objetiva ou inconsciente coletivo. Afinal, os arquetípicos são informes. Apenas sabemos seu conteúdo através das imagens arquetípicas manifestas no campo da consciência de modo dinâmico e plástico. Através delas o homem arcaico e moderno coincidem em uma única experiência de realidade que poderíamos considerar intempestiva, pois pressupõe um devir manifesto através de manifestações históricas.

A memória é um acontecimento coletivo que nos atravessa e comove no plano mais intimo e pessoal porque nos oferece a percepção de nosso lugar no ininteligível do drama da própria espécie humana. Eis, talvez,  a medida de nossa criatividade....


O ACONTECIMENTO FILOSOFICO

O acontecimento filosófico não é uma busca pela verdade, por uma abstrata razão das coisas que nunca dá conta da multiplicidade e do caos que nos define o imediaticidade da existência.


A filosofia é a busca de uma ética,  de um  a imagem de mundo que revela um modo de habitar as coisas, uma prática de vida.

A prática filosófica é um modo de individuação e construção consciente e ativa de um cotidiano. Desta forma, filosofia é  imanência. É um modo de acontecer nas coisas contra as ilusões do Ser.

SABER E DEVIR

Entre diálogos e monólogos,
Invento meu próprio silêncio,
Investigo o real em sua nervura,
Sofro suas dobraduras
Nos labirintos da imaginação criadora.

A arte é natureza,
O dizer um vento
Dentro da música que anima o corpo.

O verdadeiro e o falso se nivelam.
revelando o erro como caminho,
como constante atualização do incerto.

O cérebro é o dentro através do fora.
E tudo acontece em irredutível movimento.