quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

O EU E O CORPO


O que faz de mim quem eu sou? Talvez minha capacidade de dizer a mim mesmo e ao mundo, de estabelecer com os outros praticas discursivas onde o “nós” define o “eu”. Mas isso não responde a questão “quem eu sou?”. Por que este ser que se diz “eu”, na qualidade de um pensamento, não passa de abstração. O corpo é a medida de nossa existência e não um eu que lhe usa como máscara e razão.


INCONSCIENTE COLETIVO E SUBJETIVIDADE

Para Jung os processos psíquicos antecedem a consciência do eu e o pensamento existe muito antes da consciência do próprio pensamento. Isso porque, para ele, o pensamento, a razão, não são processos autônomos, mas dependentes de uma dada estrutura cognitiva, são, em outros termos, funções psíquicas conectadas a um grande processo psíquico que é como uma realidade in potenctia.

Tal como o corpo contem toda a história evolutiva da humanidade através do DNA, o psíquico possui algo equivalente a isso, que seriam os arquetípicos, pois através de imagens (complexo de representações) eles se manifestam na consciência como uma espécie de ordenador inconsciente buscando alcançar objetivos como todo organismo vivo. O inconsciente coletivo é como aquela condição previa ou esquemas constituintes da psique que em si mesmo são imperceptíveis e não representáveis, mas que configuram todas as nossas representações.


Assim, nossa subjetividade não deve ser buscada na afirmação sempre relativa do eu como centro da consciência. Deve-se mesmo questionar até que ponto somos senhores ou escravos de nossos pensamentos e formulações. 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

O EGO SEGUNDO JUNG

Uma das premissas que considero mais interessantes para uma psicologia pós junguiana é aquela sugerida pela formulação de Jung sobre a natureza do ego. Para ele, como se sabe, o ego era um complexo dentre muitos outros,  articulado a uma diversidade de processos psíquicos que o tornam centro do fenômeno da consciência. Ao mesmo tempo sua autonomia em relação as dinâmicas da psique objetiva e, até mesmo sua substancialidade, são fenômenos profundamente relativos...


“... A consciência do eu é um complexo que não abrange o ser humano em sua globalidade: ela esqueceu infinitamente mais do que sabe. Ouviu e viu uma infinidade de coisas das quais nunca tomou consciência. Há pensamentos que se desenvolvem à margem da consciência, plenamente configurados e complexos, e a consciência os ignora totalmente. O eu sequer tem uma pálida idéia da função reguladora e incrivelmente importante dos processos orgânicos internos a serviço da qual está o sistema nervoso simpático. O que o eu compreende talvez seja a menor parte daquilo que uma consciência completa deveria compreender.

O eu, portanto, só pode ser um complexo parcelar. Talvez seja ele aquele complexo singular e único cuja coesão interior significa a consciência. Mas qualquer coesão das partes psíquicas não é em si mesma a consciência? Não se vê claramente a razão pela qual a coesão de uma certa parte de funções sensoriais e de uma certa parte do material de nossa memória deve formar a consciência, enquanto a coesão de outras partes da psique não a forma. O complexo da função de vista, da audição, etc., apresenta uma forte e bem organizada unidade interior. Não há razão para supor quer esta unidade não possa ser também uma consciência. Como bem nos mostra o caso da surda-muda e cega Hellen Keller, bastam o sentido do tato e a sensação corporal para tornar possível a consciência e faze-la funcionar, embora se trate de uma consciência limitada a estes dois sentidos. Por isto eu acho que a consciência do eu é uma síntese de várias “consciências sensoriais”, na qual a autonomia de cada consciência individual fundiu-se na unidade do eu dominante.

Como a consciência do eu não abrange todas as atividades e fenômenos psíquicos, isto é, não conserva todas as imagens nela registradas, e como a vontade, apesar de todo o seu esforço, não consegue penetrar em certas regiões fechadas da psique, surge-nos naturalmente a questão se não existiria uma coesão de todas as atividades psíquicas semelhante à consciência do eu, uma espécie de consciência superior e mais ampla na qual o nosso eu seria um conteúdo objetivo, como, por exemplo, o ato de ver, em minha consciência, fundido, como esta, com outras atividades inconscientes em uma unidade superior. A consciência de nosso eu poderia certamente estar encerrada numa consciência completa, como um circulo menor encerrado em um maior.”

( C G JUNG. Espírito e Vida, in OBRAS COMPLETAS DE C.G. JUNG. Volume VIII/2 “A Natureza da Psique/ tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis: Editora Vozes, 3° ed, p. 266 ) 



sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

TRANSGRESSÃO DISCURSIVA

"(...) o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar."
Michel Foucualt, A ordem do discurso

Inspirando-me, mas transbordando as questões colocadas na Ordem do Discurso de Michel Foucualt, digo que o ato de fala é aquilo que se produz através de um ou vários enunciados. Não é o dizer-se de um sujeito, mas o acontecer de um discurso, seu objeto e sua meta enquanto realidade discursiva é a normatização, a configuração da “palavra possível” como expressão da verdade.

O discurso é a linguagem assumida pelo sujeito da fala, sendo o sujeito aquele lugar vazio da enunciação que apenas desvela o sentido que o antecede, que estabelece através do seu ato, a miragem de um significado histórica e socialmente possível em determinada momento ou contexto coletivo.
Há relações de força inconscientes na produção do saber/poder que nos define em relação aos outros em função da posição discursiva que ocupamos, do atendimento ou não de certas expectativas sociais,  protocolos de fala e configurações da verdade.

Por isso o desviante, o dizer da loucura é tão intrigante.  Sua fala, ao fugir ao consenso racional, torna-se ininteligível e sem valor, porque não corresponde a nossas  expectativas. Como pratica social o discurso produz relações de inclusão/exclusão, condicionados a um regime institucionalizado de verdade.

O niilismo dadaísta, do qual o surrealismo e sua escrita automática são uma derivação, através de uma apropriação psicanalítica e irracional, quis por em cheque o dizer das coisas, a normatização racional. Assim estabeleceu uma estratégia de fuga a prisão dos protocolos de fala estabelecidos pelo racionalismo reinante. Mesmo hoje, cem anos depois das vanguardas artísticas de inicio de século XX, ainda nos insurgimos de forma inconclusiva contra os consensos racionais. Neste sentido, nada mais apropriado do que invocar Artaud e seu desesperado grito de existência contra os muros da ordem discursiva:

“Onde cheira a merda cheira a ser.
 (...) Então o homem recuou e fugiu.
E então os animais o devoraram.
Não foi uma violação,
 ele prestou-se ao obsceno repasto.

Ele gostou disso
 e também aprendeu a agir como animal
 e a comer seu rato.”

  (ARTAUD, Antonin. Para acabar com o Julgamento de Deus. IN: WILLER, Cláudio. Escritos de Antonin Artaud. Porto Alegre: L&PM, 1983. p. 153)


Artaud, convida a vertigem, ao limite da palavra, a transgreção. Sua fala é um lugar privilegiado de criação, de transbordamento da linguagem, cuja nervura ele busca através de seu próprio ser. Em poucas plavras, a fala pode se insurgir contra o discurso, recusar seu próprio lugar. Ela pode tornar-se “literatura” contra a pretensão à verdade.


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

PALAVRA LABIRINTO

“Do que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida  onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber  diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.”

Michel Foucault in  História da Sexualidade II: O Uso dos Prazeres 

PALAVRA LABIRINTO

O improviso do discurso diz que nada é universal ou definitivo.
Pensar é um devir que nos apaga através da escrita,
Das palavras encadeadas em um labirinto de significados e significações.

Palavras são, antes de tudo, uma busca...

COMO SER LIVRE SEM LIBERDADE

Nunca soube a alegria da liberdade,
As horas soltas nos atos vazios de fatos.
Nunca me perdi na sombra em uma tarde ensolarada.
Nunca fui o primeiro da fila.

Jamais provei o devir de uma existência nômade.
Mesmo assim, guardo dentro de mim
O selvagem prazer das incertezas extremas.



VIDA E PENSAMENTO

Poderia uma dada forma abstrata de pensamento tornar-se um destino? Converter-se em ethos, em um modo de saber o mundo que apaga inteiramente a presença de quem o pensa? Responder negativamente a esta questão é afirmar que a vida não cabe no pensamento. É matéria dos atos e intuições, domínio do corpo e das sensações.

A vida é tudo aquilo que ultrapassa as fronteiras do pensamento. A vida é o que se inventa como obra de arte.


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

METAFÍSICA DO BELO

“Como já foi mencionado é uma marca distintiva da humanidade o fato de nela o carater da espécie e do indivíduo estarem em cena separadas, de maneira que cada homem, em certa medida, expõe uma ideia inteiramente própria.”
A.    Schopenhaur in  Metafísica do Belo

O que é a arte? Segundo Schopenhauer em sua Metafísica do Belo, ela é o modo de consideração das coisas de forma independente da razão como princípio, em oposição a ciência e a experiência.
A arte é o domínio do gênio, daquele que procede intuitivamente, que possui a capacidade de apreender nas coisas efetivas sua ideia.
O gênio vê um mundo mais belo e claro, onde a representação não é obscurecida pela vontade. Sua sensibilidade intuitiva dialoga com a loucura aos olhos do homem comum.  



quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

RESPONSABILIDADE COMO FORMA DE LIBERDADE

Um dos grandes desafios que qualquer época coloca a um indivíduo é a responsabilidade por si mesmo. Por tal expressão entendo a necessidade de um constante exame de consciência que nos afaste, tanto do senso comum, quanto de qualquer adesão a conjuntos alternativos de valores e definições de vida.

Superar o comportamento mimético, fugir a multidão sem rosto, é assumir o risco de colocar-se a margem das convenções, mas também de suas contestações mais corriqueiras, expurgando de nossos discursos.

Reconhecer as contradições da realidade não nos conduz automaticamente a defesa de qualquer “deveria –ser”. Nos faz questionar como as coisas são, através justamente do que somos. Em outros termos, não se pode questionar o mundo sem questionar a si mesmo. Apenas entendendo a personagem que somos no teatro do mundo é que podemos sair do espetáculo com responsabilidade, recusar a ilusão dos significados.

Ser responsável por si mesmo é para a maioria assumir uma responsabilidade de consciência que resulte na dignidade de  responder pelos próprios atos. É basicamente um gatilho moral e conservador que faz pesar sobre o individuo a “espada da justiça”, a vontade de todos de forma coercitiva.

Mas aquilo que entendo por responsabilidade sobre si mesmo é algo bem diverso. Em lugar de um condicionamento do “eu” a lei ferrenha do “nós”, fazer de si mesmo objeto de responsabilidade é, simplesmente, ser para si mesmo.  E ser para si mesmo é  descobrir, em todos os contextos vividos,  um ponto de encontro entre os nossos tantos impulsos e vontades mediante uma espécie de equilíbrio hedonista. A responsabilidade deve ser uma forma de liberdade. Trata-se de fugir do mundo sendo intensamente através das coisas.






quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

O ENTENDIMENTO COMO DEVIR

Problematizar aquilo que se coloca como evidente, como norma ao conhecimento, é buscar o outro sempre renovado do entendimento. Pois, enquanto esclarecimento de si, entendimento é a apreensão do devir. Sempre nos empurra para além do ponto no qual nos encontramos oferecendo uma possibilidade nova de significação, de subjetivação.

A transversalidade da apreensão de um sentido é a experiência que condiciona o encadeamento dos  enunciados. Que o reduz a um delicado artesanato, labirinto, onde nos perdemos na medida em que nos encontramos. Nunca existe um ponto final, um intinerário linear e teleológicamente dado.