Uma das
premissas que considero mais interessantes para uma psicologia pós junguiana é
aquela sugerida pela formulação de Jung sobre a natureza do ego. Para ele, como
se sabe, o ego era um complexo dentre muitos outros, articulado a uma diversidade de processos
psíquicos que o tornam centro do fenômeno da consciência. Ao mesmo tempo sua
autonomia em relação as dinâmicas da psique objetiva e, até mesmo sua
substancialidade, são fenômenos profundamente relativos...
“... A
consciência do eu é um complexo que não abrange o ser humano em sua
globalidade: ela esqueceu infinitamente mais do que sabe. Ouviu e viu uma
infinidade de coisas das quais nunca tomou consciência. Há pensamentos que se
desenvolvem à margem da consciência, plenamente configurados e complexos, e a
consciência os ignora totalmente. O eu sequer tem uma pálida idéia da função
reguladora e incrivelmente importante dos processos orgânicos internos a
serviço da qual está o sistema nervoso simpático. O que o eu compreende talvez
seja a menor parte daquilo que uma consciência completa deveria compreender.
O eu,
portanto, só pode ser um complexo parcelar. Talvez seja ele aquele complexo
singular e único cuja coesão interior significa a consciência. Mas qualquer
coesão das partes psíquicas não é em si mesma a consciência? Não se vê
claramente a razão pela qual a coesão de uma certa parte de funções sensoriais
e de uma certa parte do material de nossa memória deve formar a consciência,
enquanto a coesão de outras partes da psique não a forma. O complexo da função
de vista, da audição, etc., apresenta uma forte e bem organizada unidade
interior. Não há razão para supor quer esta unidade não possa ser também uma
consciência. Como bem nos mostra o caso da surda-muda e cega Hellen Keller,
bastam o sentido do tato e a sensação corporal para tornar possível a
consciência e faze-la funcionar, embora se trate de uma consciência limitada a
estes dois sentidos. Por isto eu acho que a consciência do eu é uma síntese de
várias “consciências sensoriais”, na qual a autonomia de cada consciência
individual fundiu-se na unidade do eu dominante.
Como a
consciência do eu não abrange todas as atividades e fenômenos psíquicos, isto
é, não conserva todas as imagens nela registradas, e como a vontade, apesar de
todo o seu esforço, não consegue penetrar em certas regiões fechadas da psique,
surge-nos naturalmente a questão se não existiria uma coesão de todas as
atividades psíquicas semelhante à consciência do eu, uma espécie de consciência
superior e mais ampla na qual o nosso eu seria um conteúdo objetivo, como, por
exemplo, o ato de ver, em minha consciência, fundido, como esta, com outras
atividades inconscientes em uma unidade superior. A consciência de nosso eu
poderia certamente estar encerrada numa consciência completa, como um circulo
menor encerrado em um maior.”
( C G
JUNG. Espírito e Vida, in OBRAS COMPLETAS DE C.G. JUNG. Volume VIII/2 “A
Natureza da Psique/ tradução de Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha. Petrópolis:
Editora Vozes, 3° ed, p. 266 )
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