sábado, 30 de agosto de 2008

SOLITUDE

O céu fechado
em abstrações de passados
Desconstrói presentes
Em delírios de futuros.

Toda tempo cabe
Em um instante
Inútil
de perfeito silêncio.

O acontecer do mundo
Perde-se no ser
De um dia nublado
Onde mergulho em inercias
Sob cobertas
Até desaparecer provisoriamente
Em algum outro de mim mesmo.

TEMPO E EXPERIÊNCIA VIVIDA


Nossa idéia de tempo encontra-se intimamente associada ao vivido, ao subjetivo, por mais que nossa conceituação formal do fenômeno da temporalidade remeta a uma experiência objetiva, ou seja, acontecida fora de nós.
É na pseudo realidade do tempo que nos movemos, que nossas vidas acontecem. Daí, nada mais natural do que vinculá-lo a ação e atividade, a experiência da irreversibilidade de todo acontecer da vida mais do que propriamente uma medida cronológica baseada na linealidade de um “antes” e um “depois” psicológicos.
Enquanto premissa subjetiva da condição humana, o tempo apresenta-se agora como um fenômeno irracional e quase incognoscível, como a personificação básica da profunda inconstância que fundamenta nossa consciência das coisas.
Em outra palavras, a contemporaneidade tornou a idéia de um tempo absoluto e universal, qualquer noção de eternidade, uma abstração vazia frente ao “relativismo historicista” da percepção e vivência imediata de nossos múltiplos tempos subjetivos.
Em poucas palavras, nossa idéia de tempo confunde-se hoje com o particular, com o fragmento multifacetado que compõe uma biografia individual alem de todo o universal. Livres da mítica da tradição e do peso de nossos passados socialmente construídos, adotamos como coordenadas básicas de nosso senso ontológico, o próprio imediato fugaz da mínima experiência do agora como lócus de uma temporalidade aberta e indefinida que se faz a deriva no jogo sensual e finito dos acontecimentos brutos. O tempo é agora a pluralidade de cada instante enquanto o mesmo de um “si-mesmo” que se mantém incessantemente como um novo outro de si.
Do ponto de vista da percepção do tempo e da individuação de sua experiência, pode-se falar de um “fim da História” sem um ultimo homem em um mundo em que a vida humana perdeu-se de todos os seus propósitos e sentidos para revelar a sensualidade de sua abstrata nudez...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

PEDAÇOS DE MIM

Perdidas realidades
De esquecidos hojes
reinventam
dentro de mim
o tempo.

Em restos de memórias
E pensamentos
Vivem ainda possibilidades
perdidas em dias
quase vividos.

Em algum canto
Roto de mim
um futuro se apavora
ao surpreender-se
passado...

NIETZSCHE E A LINGUAGEM


Uma das peculiaridades das obras de Nietzsche é a extraordinária habilidade para “revelar” a fantasia como linguagem através de um estilo metafórico e aparentemente poético de desconcertante densidade para os adeptos do racionalismo.
Mas é importante dizer que tal estilo traduz com impecável precisão o novo modo de “olhar o mundo” inaugurado pelo filósofo que aprendera a ser pós moderno antes do próprio pos moderno ao subverter a experiência da linguagem e do próprio pensamento usando os códigos literários como ardiloso artifício filosófico e psiquico.
Em as Idéias de Nietzsche J. P. Stern nos fornece uma leitura profundamente interessante para melhor se compreender o lugar e papel da linguagem na filosofia de Nietzsche.Primeiramente, como ele nos fala em suas conclusões:

O que Nietzsche nos ensina não é ler filosofia como literatura, nem muito menos literatura como filosofia, mas ambas como formas intimamente relacionadas de vida. Ao desafiar, através do seu modo de escrever, a dicotomia “cientifico” versus “imaginativo”, ou a antítese entre “conceito” e “metáfora”, “abstrato” e “concreto”, estava, ao mesmo tempo, decidido a desafiar essas divisões em nossas áreas de conhecimento e experiência e a fragmentação do conhecimento em que ele ( juntamente com outros pensadores do século XIX, homens como Marx, Thomas Carlyle e Matthew Arnold) viu um dos principais flagelos da moderna civilização ocidental.”

(J P Stern. As idéias de Nitzsche/ tradução de Octavio Mendes Cajado. SP: Cultrix, s/d, Coleção Mestres da Modernidade, p. 94)

Por outro lado, o autor reconhece que em uma dimensão mais profunda;

“O que Nietzsche desenvolveu nos dezesseis anos que lhe foram concedidos para o seu empreendimento filosófico foi uma variedade de estilos metafóricos no sentido esboçado no seu ensaio anterior e nas observações mais recentes que dele promanam. É um modo de escrever que se situa em algum ponto entre a individuação e o interesse pelos particulares, que é a área da linguagem das belas artes, e as generalidades conceituais e abstrações, que constituem a área da linguagem da filosofia tradicional kantiana e pós kantiana. Quando Nietzsche se refere a imagem da moeda de prata com sua inscrição apagada, seu valor reduzido ao valor exclusivo do metal, não n tem em mente a própria moeda ( ele esta contando uma história), nem uma generalidade que faria da imagem real da moeda uma simples ilustração e,portanto, dispensável. A metáfora da moeda destina-se a ser um intermediário entre dois modos de pensar e escrever, como um modelo que não determina nem uma linha de narrativa nem um trecho de poesia filosófica ou “Begriffsdichtung”, mas um argumento filosófico.
Esse modo médio de discurso pode, sem duvida, ser mostrado ( e mostrá-lo tem sido o propósito deste capitulo), mas não vejo com muita clareza como se pode defini-lo mais precisamente. Não é poesia: a poesia de Nietzsche é menos distinta e menos importante do que a sua prosa- a prosa poética que ele escreveu só de raro em raro logra êxito; em passagens de Zaratustra (em si mesma e em sua influência) é um desastre. Tampouco é aforismo-os pronunciamentos rigorosamente aforísticos de Nietzsche são menos interessantes que os de La Rochefoucauld e de Georg Chistoph Lichenberg, os dois praticantes do gênero que ele mais admirava. E não é, de certo, a linguagem conceitual da filosofia: nas ocasiões em que, ao tratar de problemas filosóficos tradicionais ( como, por exemplo, em sua polêmica com Kant), ele emprega esse tipo de linguagem, s eu estilo torna-se impaciente, repetitivo e amiúde perfunctório. A verdadeira distinção da sua obra, e a verdadeira esfera de sua influência imensamente ampla e frequentemente avassaladora, reside em seu modo médio de linguagem, que imagino podemos denominar “literário-filosófico”; o ter inventado esse modo e o tê-lo aplicado a uma variedade quase infinita de questões contemporâneas é a sua maior consecução. Entretanto, desse modo também decorre o hábito de todo em todo moderno (e deprimente familiar) de falar por metáforas sobre Deus, a santidade, a criação divina, o pecado, e outras coisas do gênero, sem jamais decidir quais os significados não metafóricos e quais as crenças ( se é que há alguma), que acompanham esse falar.
O desdém com que ele tratou a esfera da associação e as conseqüentes limitações de sua concepção da vida no mundo já forma mencionados, mas existe outro lado, o positivo, dessa história. A intenção diretora da sua prosa filosófica não é transmitir o geral nem o médio, senão o único; preservar a natureza dinâmica, vacilante, irregular e, acima de tudo, individualizada da vida. Ele receia ser “formulado, estatelado, sobre um alfinete”. Sua intenção é deixar falar o processo do “vir-a-ser”, afastar tanto quanto possível a descrição da “vida” das origens e destino incertos e catastróficos da existência, até à custa da própria coerência intelectual. A linguagem, a metáfora e o pensamento estão relacionados com o “mundo real” como padrões e paradigmas do nosso ser em sua relação com o “mundo real”: não existe nada parecido com um “Ser em repouso com sigo mesmo, idêntico a si mesmo, inalterado: o único ‘ser’ que nos foi outorgado é mutável, não idêntico a si mesmo, e está envolvido em relações.”

( Idem, p. 92)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

F. NIETZSCHE E A CONTEMPORANEIDADE


É justo questionar o que efetivamente faz de friedrich Nietzsche ( 1844-1900) um dos mais contemporâneos pensadores do século XIX europeu. Pode-se dizer que ele foi um critico voraz da modernidade, o que por si só é mais do que suficiente para atestar sua atualidade, visto que esta é uma das questões mais decisivas de nossa contemporaneidade.
Mas cabe também considerar o forte apelo de sua filosofia aquilo que nos é mais caro: nossa própria individualidade e singularidade humana a deriva entre as prerrogativas da natureza e os imperativos da civilização.
Colocando as coisas em ternos bem “nietzscheano”, seu pensamento é essencialmente uma afirmação radical da vida em toda sua potencialidade instintiva e telúrica, uma filosofia dionisíaca voltada para superação de toda a tradição ocidental, seja em sua dimensão racionalista/filosófica, seja em sua dimensão ético moral personificada pelo “deus morto” da tradição judaico-cristã.
Seu livro mais popular: Assim falava Zaratustra personifica de modo intensamente poético e metafórico a verdadeira transmutação de valores vislumbradas pelo seu autor. Através de seu Zaratrusta Nietzsche não apenas anuncia a morte do deus cristão, mas nos oferece a boa nova do alem do humano, do super homem. Este advento de um homem superior, arauto de um pensar critico e independente, irredutível frente a lógica do rebanho inspirada pelo poder simbólico da Igreja, do Estado e da própria Sociedade, é também um chamado a solidão. Não qualquer solidão, mas aquela que nos compromete a busca do Maximo potencial da singularidade ou individualidade humana através de uma reconciliação com nossa própria natureza psíquica e a desconstrução de todo carcomido mundo da tradição.



DO HOMEM SUPERIOR ( fragmento)

1

“ A primeira vez em que estive na casa dos homens, cometi a loucura do solitário, a grande loucura: instalei-me na praça pública.
E como falava a todos, não falava a ninguém. E, à noite, tinha por companheiros funâmbulos e cadáveres. Eu mesmo era quase um cadáver!
A nova manhã me trouxe uma nova verdade. Aprendi então a dizer: “Que me importam a praça pública, a plebe, a algazarra da plebe e as orelhas cumpridas da plebe?”.
“Homens superiores”- assim diz a plebe. “Não há homens superiores. Todos somos iguais. Perante Deus, um homem não é mais que outro. Todos somos iguais.!”
Perante deus! Mas agora esse Deus morreu. E perante a plebe nós não queremos ser iguais. Homens superiores, fugi da praça pública.

2

Perante Deus! Mas agora esse Deus morreu! Homens superiores, esse Deus foi o nosso maior perigo.
Ressuscitastes desde que ele jaz na sepultura. Só agora volta o grande meio dia. Agora torna-se senhor o homem superior.
Compreendeis essas palavras, meus irmãos? Estais assustados, vosso coração esta dominado pela vertigem? Vedes abrir-se aqui para vós o abismo? O cão do inferno ladra contra vós?
Vamos, coragem! Homens superiores! Só agora a montanha solta o grito da parturiente porque vai dar a luz o futuro humano. Deus morreu. Agora nos queremos que viva o super homem.”

(F. Nietzsche. Assim falava Zaratustra: Um livro para todos e para ninguém./ tradução de Ciro Mioranza. SP: Editora Escala, ( Coleção Grandes Obras do pensamento Universal) s/d., p.250-1)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

BUSCAS

Sigo inquieto,
Quase perplexo,
Pelos diversos tempos
Da vida.

Mas não sei
Que tempo
Me define o hoje,
Se vivo dias de risos,
Lágrimas
Ou incertezas.

Não sei o que sinto
Ao poente,
Os vazios a preencher
Tentando saber a vida
Mais intensamente
Que a mim mesmo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

THE CLASH



O The Crash foi originalmente formado em Londres nos idos de 1976 por John Mellor - vulgo Joe Strummer - (vocais, guitarra rítmica), Mick Jones (vocais, guitarra), Paul Simonon (baixo e vocais), Keith Levene (guitarra guia) e Terry Chimes - creditado no primeiro LP como "Tory Crimes" - (bateria), tornado-se uma das principais referências da primeira fase do punk britânico.
O primeiro show que fizeram foi em 1976 como banda de apoio dos Sex Pistols. Mas não demorou muito para a banda talhar uma identidade própria e única dentro do cenário do movimento punk superando o niilismo anarquista com um engajamento político, mesmo que não menos ingênuo, mais conseqüente do que a infeliz oposição a monarquia e a aristocracia britânica através do apoio a movimentos de libertação então espalhados pelo mundo como cria da sombria ideologia dos tempos de guerra fria. Assim a banda apoiou movimentos como os dos sandinistas na América Latina e até mesmo o terrorismo do IRA e do PLO, envolvendo-se com a polêmica Liga Anti Nazista e o Rock Against Racism.
Do ponto de vista da musicalidade cabe destacar o ecletismo da banda que, transcendendo a lógica do som cru de três acordes característica do punk, recebia influências do jazz, do rockabilly e do reggae.
Dentre os trabalhos da banda, extinta em 1985, considero o mais marcante e significativo o LP duplo London Calling (1979) onde encontramos uma de suas mais ontológicas composições:

London calling

London calling to the faraway towns/

Now that war is declared/And battle come down;/

London calling to the underworld/

Come out of the cupboard/

All you boys and girls/

London calling, now don't look to us/

Phony Beatlemania has bitten the dust/

London calling/

See we ain't got no swing/

Except for the ring of that truncheon thing/



The ice age is coming, the sun's zooming in/

Meltdown expected the wheat is growing thin/

Engines stop running/

But I have no fear/

London is drowning/

And I live by the river/




London calling to the imitation zone//

Forget it brother, you can go it alone/

London calling to the zombies of death/

Quit holding out and draw another breath/

London calling and I don't wanna shout/

But while we were talking/

I saw you nodding out/

London calling/

See we ain't got no highs/

Except for that one with the yellowy eyes/



The Ice age is coming the sun is zooming in//

Engines stop running the wheat is growing thin/

A nuclear error but I have no fear/

Cos London is drowning/

And I live by the river/



Now get this/

London calling/

Yes I was there too/

An' you know what they said/

Well some of it was true!/

London calling at the top of the dial/

An' after all this/

Won't you give me a smile?/


I never felt so much a' like...



Tradução:



Chamada de Londres



Chamada de Londres para as cidades distantes/

Agora que a guerra foi declarada/

E a batalha chegou/

Chamada de Londres para o submundo/

Apareçam/

Todos os rapazes e garotas/

Chamada de Londres, agora não lha para nós/

A fingida Beatlemania está terminando/

Chamada de Londres/

Veja nós não sabemos dançar/

A não ser com o toque do cassetete/



A era do gelo está chegando, o sol cresce/

Esperando que se derreta o trigo que cresce/

As máquinas param de funcionar/

Mas eu não tenho medo/

Londres está afundando/

E eu moro à beira do rio/



Chamada de Londres para a zona de imitação/

Esqueça irmão, você pode ir sozinho/

Chamada de Londres para os zumbis da morte/

Perca as esperanças e respire novamente/

Chamada de Londres e eu não quero gritar/

Mas enquanto estávamos conversando/

Eu vi você adormecer/

Chamada de Londres/

Veja nós não temos nobreza/

Com exceção àquele com olhos amarelados/



A era do gelo está chegando, o sol cresce/

As máquinas pararam, o trigo cresce/

Um erro nuclear mas eu não tenho medo/

Londres está afundando/

E eu moro à beira do rio/



Agora ouça/

Chamada de Londres/

Sim eu também estava lá/

E você sabe o que eles disseram/

Bem, alguma coisa era verdade!/

Chamada de Londres no topo do mostrador/

E depois de tudo isso/

Você não irá sorrir para mim?/


Eu nunca me senti dessa forma/

SOMBRA E AUTO CONHECIMENTO


Uma das imagens mais fascinantes construídas por Jung em seu jogo de ciência e fantasia com a psique objetiva ou inconsciente foi a formulação do arquétipico da sombra... Esse desafio ao ego e as representações convencionais do self cultural de qualquer época estabelecida que nos conduz, de muitas maneiras, ao abismo de nossas certezas mais intimas e, ao mesmo tempo, a um confronto com o socialmente vivido e representado. Mas não quero aqui falar sobre as complexas relações entre sombra e persona. Faz mais sentido para mim adotar como ponto de partida deste aleatório discurso que ora construo um fragmento do próprio Jung sobre o sentido do auto conhecimento em Presente e Futuro, ensaio aqui já citei anteriormente:

“ O que a nossa época vê como sombra e inferioridade da psique humana contém mais do que algo puramente negativo. Já o simples fato de que através do autoconhecimento, através da investigação da própria alma, nós nos depararmos com os instintos e seu mundo de imagens, pode construir um passo no sentido de esclarecer as forças adormecidas de nossa psique que, embora presentes, passam quase despercebidas. Trata-se de possibilidades de intensa dinâmica, e a questão se a interrupção dessas forças e visões a elas relacionadas conduz a uma construção ou a uma catástrofe depende apenas do preparo e da atitude da consciência. O medico parece ser o único a saber, pela sua experiência, como o preparo psíquico do homem moderno é precário, pois ele é o único que se vê obrigado a buscar, na natureza do homem singular todas as forças e idéias que possam servir de ajuda para atravessar a obscuridade e o perigo. Esse trabalho paciente não pode se valer de formulas convencionais “teria que”, “deveria”,m pois com isso ele depositaria em outras instâncias o perigo. Esse trabalho paciente não pode se valer de formulas convencionais “teria que”, “deveria”, pois com isso ele depositaria em outras instâncias o esforço exigido, contentando-se com o trabalho fácil da repetição. Todos sabemos como a pregação do desejável é inútil, e como a ausência de parâmetros e a forte exigência a ser cumprida acabam fazendo com que se prefira repetir velhos erros a quebrar a cabeça com um programa de ordem subjetiva. Alem disso, trata-se sempre de um indivíduo e não de um milhão, o que talvez valesse o esforço, apesar de saber que, sem a transformação do indiví duo, nada pode acontecer.”

( C G Jung. Presente e Futuro. Obras Completas vol. X/1, Petrópolis: Vozes, 2º ed, 1989, p. 49-50)

I AM TIRED... FREE.

Entre um dia
E outro
Sofro o mesmo sono,
O mesmo cansaço
Em avessos de vontades
E certezas de pensamento.

Guardo-me de mim mesmo
E do silêncio das coisas
Que sofrem o tempo
Esquecendo meus mais caros
Sonhos.

Que importa?

Infinitos correm dentro de mim
Dizendo o sem limite da vida
Em fome louca de liberdade
E individualidade.

PARA QUE SERVE TUDO ISSO?



Tomo a liberdade de reproduzir aqui a saborosa introdução de um texto interessante sobre o sentido da vida de Julian Baggini. Refiro-me a provocante introdução de seu livro “PARA QUE SERVE TUDO ISSO? A FILOSOFIA E O SENTIDO DA VIDA, DE PLATÃO A MONTY PYTHON” .


Rio de Janeiro
Tradução:
Cristiano Botafogo
Título original:
What’s It All About?
(Philosophy and the Meaning of Life)
Tradução autorizada da edição inglesa
publicada em 2005 por Granta Books, de Londres, Inglaterra
Copyright © 2004, Julian Baggini
Julian Baggini asserts the moral right to be identifi ed as the author of this Work.
Copyright da edição brasileira © 2008:
Jorge Zahar Editor Ltda.



Introdução



“Você é o T.S. Eliot”, disse o taxista ao famoso poeta quando
Eliot entrou em seu táxi. Eliot, então, perguntou a ele como
sabia. “Ah! Eu sempre reconheço as celebridades”, respondeu o
taxista. “Um tempo atrás, eu peguei o Bertrand Russell, e disse
para ele: ‘E aí, lorde Russell, qual o sentido da vida?’ E, sabe o
quê? Ele não sabia.”
Quem está sendo zombado nessa história? Lorde Russell,
o grande fi lósofo, que, apesar de toda a sua presumível inteligência
e sabedoria, não soube responder ao taxista? Se alguém
é capaz de nos dizer qual é “o sentido da vida”, esse alguém
deveria ser Bertrand Russell, o maior fi lósofo vivo do mundo,
certo? Ou seria o taxista, que esperava ouvir a solução de um
problema tão profundo em um curto percurso? Mesmo que
Russell soubesse a resposta, explicar os segredos do universo
demandaria tempo e paciência.
Talvez o melhor a dizer seja que nenhum dos dois merece
ser zombado. Russell certamente não, pois se fosse possível
responder a essa pergunta de forma adequada em dez minutos,
alguém já o teria feito e o taxista não precisaria perguntar. Também
não deveríamos zombar do taxista por não saber disso. Sua
pergunta é uma que todos se fazem em algum ponto da vida.
O problema é que a pergunta é vaga, inespecífi ca e obscura.
Não é bem uma só pergunta, mas o ponto central de uma
série de questões: por que estamos aqui? Para que serve a vida?
Ser feliz é sufi ciente? Minha vida serve a um propósito maior? Estamos
aqui para ajudar os outros ou somente a nós mesmos?
8 Para que serve tudo isso?
Qual o sentido da vida?
Para responder a essas perguntas, temos que realizar uma
investigação racional e secular. E com “secular” não quero dizer
“atéia”. Quero apenas dizer que nossa argumentação não deve
partir de nenhuma verdade supostamente revelada, de doutrinas
religiosas ou textos sagrados. Em vez disso, ela deve recorrer
a razões, evidências e linhas de pensamento que possam ser
compreendidas por todos, sejam pessoas de fé ou não. Isso porque,
mesmo para muitos fi éis, a autoridade das reli giões não
pode ser vista como absoluta. Conhecendo a grande diversidade
de religiões no mundo, entendendo as forças e os acontecimentos
históricos que moldaram suas doutrinas e textos sagrados
e percebendo a falibilidade dos seus líderes, a idéia de
que elas nos fornecem acesso direto a verdades absolutas perde
credibilidade. A mão humana está claramente presente ali, seja
por inspiração divina ou não. Isso signifi ca que, mesmo que
tenhamos fé, não podemos aceitar os ensinamentos religiosos
sem questioná-los. Precisamos usar nossa inteligência para determinar
por nós mesmos se as respostas que eles nos dão fazem
ou não sentido. E como em algum momento da vida sempre
acabamos nos perguntando “qual o sentido da vida?”, não
dá pra fi car postergando esse fi losofar para sempre.
O assunto, às vezes, é tão complicado e profundo que a tentativa
de escrever um livro sobre o tema já pode ser considerada
arrogante. Eu até poderia ser acusado se estivesse afi rmando que
o “sentido da vida” é um segredo que somente alguns poucos
podem descobrir através da contemplação, de uma revelação ou
de uma vida inteira de investigação intelectual. Esse tipo de promessa
subentende que o sentido da vida é um enigma que, após
desvendado, revela todos os mistérios e explica todas as coisas. E,
como a grande maioria de nós não conhece esse segredo, é preciso
ser realmente muito sábio para tê-lo descoberto.
Eu acho essa idéia uma palhaçada e espero que a maioria
dos leitores concorde comigo. Se realmente existisse um grande
Introdução,segredo, já estaria correndo algum boato. O problema do sentido
da vida não é a falta de acesso a uma informação secreta que
nos faria compreendê-lo. Não é uma questão que se possa resolver
a partir da descoberta de uma nova informação, mas sim
pensando-se nas questões sobre as quais não possuímos muitas
evidências. Grande parte do que vem a seguir, espero, demonstrará
isso.
Sendo assim, eu diria que a explicação do sentido da vida
presente nesse livro é “defl acionária”, pois reduz a busca mítica
e misteriosa por um único “sentido da vida” a uma série
de questões menores e pouco misteriosas a respeito dos vários
sentidos da vida. Dessa forma, o livro apresenta a questão
como, ao mesmo tempo, algo menor e maior do que normalmente
é considerada. Menor porque não é um grande mistério
inatingível para a maioria de nós; e maior porque não gera uma
só pergunta, mas muitas.
Essas perguntas podem ser respondidas – não por eu ser
um grande sábio, mas pelo simples fato de estar aqui reunindo
a sabedoria dos grandes fi lósofos do passado. Ao selecionar
e apresentar suas idéias, contudo, necessariamente estou
também mostrando uma visão particular, e não uma pesquisa
imparcial sobre o que disseram a respeito do tema. Este livro é
um relato pessoal, mas espero que a maioria dos fi lósofos concorde
com ele.
Quem quiser embarcar na busca pelo sentido da vida deveria
prestar atenção ao alerta feito por Douglas Adams no livro
O guia do mochileiro das galáxias. Nessa história, uma raça de
seres se cansa de brigar por causa do problema e decide construir
um supercomputador para obter uma resposta. O “Pensador
Profundo”, como fi cou conhecido, demora sete milhões
e meio de anos para responder a questão sobre “a vida, o universo
e tudo”. No dia de anunciar a resposta, com “majestade
e calma infi nitas”, o Pensador Profundo fi nalmente deu o seu
veredicto: “Quarenta e dois.”
10 Para que serve tudo isso?
O problema é que os engenheiros que construíram o
compu tador pediram uma resposta para “a questão da vida,
do universo e de tudo”, sem nem ao menos se questionar se
eles mesmos sabiam o que ela signifi cava. Agora eles tinham a
resposta, mas não a compreendiam porque não sabiam a que
questão ela estava direcionada. Fazer as perguntas certas é tão
importante quanto responder corretamente.
Nunca vai haver uma explicação defi nitiva para o sentido
da vida, em parte porque todo indivíduo tem que fi car satisfeito
tanto com as perguntas quanto com as respostas. A busca
pelo sentido da vida é essencialmente pessoal. Este livro não
poderá dar aos leitores um mapa mostrando exatamente onde
ela terminará – se é que isso um dia vai acontecer. Mas pode
lhes fornecer algumas ferramentas que auxiliarão na procura.
Como serão utilizadas, e se serão úteis ou não, é o leitor que
deve determinar.