sexta-feira, 22 de agosto de 2008

PARA QUE SERVE TUDO ISSO?



Tomo a liberdade de reproduzir aqui a saborosa introdução de um texto interessante sobre o sentido da vida de Julian Baggini. Refiro-me a provocante introdução de seu livro “PARA QUE SERVE TUDO ISSO? A FILOSOFIA E O SENTIDO DA VIDA, DE PLATÃO A MONTY PYTHON” .


Rio de Janeiro
Tradução:
Cristiano Botafogo
Título original:
What’s It All About?
(Philosophy and the Meaning of Life)
Tradução autorizada da edição inglesa
publicada em 2005 por Granta Books, de Londres, Inglaterra
Copyright © 2004, Julian Baggini
Julian Baggini asserts the moral right to be identifi ed as the author of this Work.
Copyright da edição brasileira © 2008:
Jorge Zahar Editor Ltda.



Introdução



“Você é o T.S. Eliot”, disse o taxista ao famoso poeta quando
Eliot entrou em seu táxi. Eliot, então, perguntou a ele como
sabia. “Ah! Eu sempre reconheço as celebridades”, respondeu o
taxista. “Um tempo atrás, eu peguei o Bertrand Russell, e disse
para ele: ‘E aí, lorde Russell, qual o sentido da vida?’ E, sabe o
quê? Ele não sabia.”
Quem está sendo zombado nessa história? Lorde Russell,
o grande fi lósofo, que, apesar de toda a sua presumível inteligência
e sabedoria, não soube responder ao taxista? Se alguém
é capaz de nos dizer qual é “o sentido da vida”, esse alguém
deveria ser Bertrand Russell, o maior fi lósofo vivo do mundo,
certo? Ou seria o taxista, que esperava ouvir a solução de um
problema tão profundo em um curto percurso? Mesmo que
Russell soubesse a resposta, explicar os segredos do universo
demandaria tempo e paciência.
Talvez o melhor a dizer seja que nenhum dos dois merece
ser zombado. Russell certamente não, pois se fosse possível
responder a essa pergunta de forma adequada em dez minutos,
alguém já o teria feito e o taxista não precisaria perguntar. Também
não deveríamos zombar do taxista por não saber disso. Sua
pergunta é uma que todos se fazem em algum ponto da vida.
O problema é que a pergunta é vaga, inespecífi ca e obscura.
Não é bem uma só pergunta, mas o ponto central de uma
série de questões: por que estamos aqui? Para que serve a vida?
Ser feliz é sufi ciente? Minha vida serve a um propósito maior? Estamos
aqui para ajudar os outros ou somente a nós mesmos?
8 Para que serve tudo isso?
Qual o sentido da vida?
Para responder a essas perguntas, temos que realizar uma
investigação racional e secular. E com “secular” não quero dizer
“atéia”. Quero apenas dizer que nossa argumentação não deve
partir de nenhuma verdade supostamente revelada, de doutrinas
religiosas ou textos sagrados. Em vez disso, ela deve recorrer
a razões, evidências e linhas de pensamento que possam ser
compreendidas por todos, sejam pessoas de fé ou não. Isso porque,
mesmo para muitos fi éis, a autoridade das reli giões não
pode ser vista como absoluta. Conhecendo a grande diversidade
de religiões no mundo, entendendo as forças e os acontecimentos
históricos que moldaram suas doutrinas e textos sagrados
e percebendo a falibilidade dos seus líderes, a idéia de
que elas nos fornecem acesso direto a verdades absolutas perde
credibilidade. A mão humana está claramente presente ali, seja
por inspiração divina ou não. Isso signifi ca que, mesmo que
tenhamos fé, não podemos aceitar os ensinamentos religiosos
sem questioná-los. Precisamos usar nossa inteligência para determinar
por nós mesmos se as respostas que eles nos dão fazem
ou não sentido. E como em algum momento da vida sempre
acabamos nos perguntando “qual o sentido da vida?”, não
dá pra fi car postergando esse fi losofar para sempre.
O assunto, às vezes, é tão complicado e profundo que a tentativa
de escrever um livro sobre o tema já pode ser considerada
arrogante. Eu até poderia ser acusado se estivesse afi rmando que
o “sentido da vida” é um segredo que somente alguns poucos
podem descobrir através da contemplação, de uma revelação ou
de uma vida inteira de investigação intelectual. Esse tipo de promessa
subentende que o sentido da vida é um enigma que, após
desvendado, revela todos os mistérios e explica todas as coisas. E,
como a grande maioria de nós não conhece esse segredo, é preciso
ser realmente muito sábio para tê-lo descoberto.
Eu acho essa idéia uma palhaçada e espero que a maioria
dos leitores concorde comigo. Se realmente existisse um grande
Introdução,segredo, já estaria correndo algum boato. O problema do sentido
da vida não é a falta de acesso a uma informação secreta que
nos faria compreendê-lo. Não é uma questão que se possa resolver
a partir da descoberta de uma nova informação, mas sim
pensando-se nas questões sobre as quais não possuímos muitas
evidências. Grande parte do que vem a seguir, espero, demonstrará
isso.
Sendo assim, eu diria que a explicação do sentido da vida
presente nesse livro é “defl acionária”, pois reduz a busca mítica
e misteriosa por um único “sentido da vida” a uma série
de questões menores e pouco misteriosas a respeito dos vários
sentidos da vida. Dessa forma, o livro apresenta a questão
como, ao mesmo tempo, algo menor e maior do que normalmente
é considerada. Menor porque não é um grande mistério
inatingível para a maioria de nós; e maior porque não gera uma
só pergunta, mas muitas.
Essas perguntas podem ser respondidas – não por eu ser
um grande sábio, mas pelo simples fato de estar aqui reunindo
a sabedoria dos grandes fi lósofos do passado. Ao selecionar
e apresentar suas idéias, contudo, necessariamente estou
também mostrando uma visão particular, e não uma pesquisa
imparcial sobre o que disseram a respeito do tema. Este livro é
um relato pessoal, mas espero que a maioria dos fi lósofos concorde
com ele.
Quem quiser embarcar na busca pelo sentido da vida deveria
prestar atenção ao alerta feito por Douglas Adams no livro
O guia do mochileiro das galáxias. Nessa história, uma raça de
seres se cansa de brigar por causa do problema e decide construir
um supercomputador para obter uma resposta. O “Pensador
Profundo”, como fi cou conhecido, demora sete milhões
e meio de anos para responder a questão sobre “a vida, o universo
e tudo”. No dia de anunciar a resposta, com “majestade
e calma infi nitas”, o Pensador Profundo fi nalmente deu o seu
veredicto: “Quarenta e dois.”
10 Para que serve tudo isso?
O problema é que os engenheiros que construíram o
compu tador pediram uma resposta para “a questão da vida,
do universo e de tudo”, sem nem ao menos se questionar se
eles mesmos sabiam o que ela signifi cava. Agora eles tinham a
resposta, mas não a compreendiam porque não sabiam a que
questão ela estava direcionada. Fazer as perguntas certas é tão
importante quanto responder corretamente.
Nunca vai haver uma explicação defi nitiva para o sentido
da vida, em parte porque todo indivíduo tem que fi car satisfeito
tanto com as perguntas quanto com as respostas. A busca
pelo sentido da vida é essencialmente pessoal. Este livro não
poderá dar aos leitores um mapa mostrando exatamente onde
ela terminará – se é que isso um dia vai acontecer. Mas pode
lhes fornecer algumas ferramentas que auxiliarão na procura.
Como serão utilizadas, e se serão úteis ou não, é o leitor que
deve determinar.

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