quinta-feira, 28 de agosto de 2008

NIETZSCHE E A LINGUAGEM


Uma das peculiaridades das obras de Nietzsche é a extraordinária habilidade para “revelar” a fantasia como linguagem através de um estilo metafórico e aparentemente poético de desconcertante densidade para os adeptos do racionalismo.
Mas é importante dizer que tal estilo traduz com impecável precisão o novo modo de “olhar o mundo” inaugurado pelo filósofo que aprendera a ser pós moderno antes do próprio pos moderno ao subverter a experiência da linguagem e do próprio pensamento usando os códigos literários como ardiloso artifício filosófico e psiquico.
Em as Idéias de Nietzsche J. P. Stern nos fornece uma leitura profundamente interessante para melhor se compreender o lugar e papel da linguagem na filosofia de Nietzsche.Primeiramente, como ele nos fala em suas conclusões:

O que Nietzsche nos ensina não é ler filosofia como literatura, nem muito menos literatura como filosofia, mas ambas como formas intimamente relacionadas de vida. Ao desafiar, através do seu modo de escrever, a dicotomia “cientifico” versus “imaginativo”, ou a antítese entre “conceito” e “metáfora”, “abstrato” e “concreto”, estava, ao mesmo tempo, decidido a desafiar essas divisões em nossas áreas de conhecimento e experiência e a fragmentação do conhecimento em que ele ( juntamente com outros pensadores do século XIX, homens como Marx, Thomas Carlyle e Matthew Arnold) viu um dos principais flagelos da moderna civilização ocidental.”

(J P Stern. As idéias de Nitzsche/ tradução de Octavio Mendes Cajado. SP: Cultrix, s/d, Coleção Mestres da Modernidade, p. 94)

Por outro lado, o autor reconhece que em uma dimensão mais profunda;

“O que Nietzsche desenvolveu nos dezesseis anos que lhe foram concedidos para o seu empreendimento filosófico foi uma variedade de estilos metafóricos no sentido esboçado no seu ensaio anterior e nas observações mais recentes que dele promanam. É um modo de escrever que se situa em algum ponto entre a individuação e o interesse pelos particulares, que é a área da linguagem das belas artes, e as generalidades conceituais e abstrações, que constituem a área da linguagem da filosofia tradicional kantiana e pós kantiana. Quando Nietzsche se refere a imagem da moeda de prata com sua inscrição apagada, seu valor reduzido ao valor exclusivo do metal, não n tem em mente a própria moeda ( ele esta contando uma história), nem uma generalidade que faria da imagem real da moeda uma simples ilustração e,portanto, dispensável. A metáfora da moeda destina-se a ser um intermediário entre dois modos de pensar e escrever, como um modelo que não determina nem uma linha de narrativa nem um trecho de poesia filosófica ou “Begriffsdichtung”, mas um argumento filosófico.
Esse modo médio de discurso pode, sem duvida, ser mostrado ( e mostrá-lo tem sido o propósito deste capitulo), mas não vejo com muita clareza como se pode defini-lo mais precisamente. Não é poesia: a poesia de Nietzsche é menos distinta e menos importante do que a sua prosa- a prosa poética que ele escreveu só de raro em raro logra êxito; em passagens de Zaratustra (em si mesma e em sua influência) é um desastre. Tampouco é aforismo-os pronunciamentos rigorosamente aforísticos de Nietzsche são menos interessantes que os de La Rochefoucauld e de Georg Chistoph Lichenberg, os dois praticantes do gênero que ele mais admirava. E não é, de certo, a linguagem conceitual da filosofia: nas ocasiões em que, ao tratar de problemas filosóficos tradicionais ( como, por exemplo, em sua polêmica com Kant), ele emprega esse tipo de linguagem, s eu estilo torna-se impaciente, repetitivo e amiúde perfunctório. A verdadeira distinção da sua obra, e a verdadeira esfera de sua influência imensamente ampla e frequentemente avassaladora, reside em seu modo médio de linguagem, que imagino podemos denominar “literário-filosófico”; o ter inventado esse modo e o tê-lo aplicado a uma variedade quase infinita de questões contemporâneas é a sua maior consecução. Entretanto, desse modo também decorre o hábito de todo em todo moderno (e deprimente familiar) de falar por metáforas sobre Deus, a santidade, a criação divina, o pecado, e outras coisas do gênero, sem jamais decidir quais os significados não metafóricos e quais as crenças ( se é que há alguma), que acompanham esse falar.
O desdém com que ele tratou a esfera da associação e as conseqüentes limitações de sua concepção da vida no mundo já forma mencionados, mas existe outro lado, o positivo, dessa história. A intenção diretora da sua prosa filosófica não é transmitir o geral nem o médio, senão o único; preservar a natureza dinâmica, vacilante, irregular e, acima de tudo, individualizada da vida. Ele receia ser “formulado, estatelado, sobre um alfinete”. Sua intenção é deixar falar o processo do “vir-a-ser”, afastar tanto quanto possível a descrição da “vida” das origens e destino incertos e catastróficos da existência, até à custa da própria coerência intelectual. A linguagem, a metáfora e o pensamento estão relacionados com o “mundo real” como padrões e paradigmas do nosso ser em sua relação com o “mundo real”: não existe nada parecido com um “Ser em repouso com sigo mesmo, idêntico a si mesmo, inalterado: o único ‘ser’ que nos foi outorgado é mutável, não idêntico a si mesmo, e está envolvido em relações.”

( Idem, p. 92)

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