quarta-feira, 30 de julho de 2008

ROLLING STONES: O CORPO COMO MUSICA EM MOVIMENTO



Nunca tive o trabalho de mapear todas as bandas que fizeram parte da chamada “invasão britânica” dos Estados Unidos liderada pelos Beatles depois da turnê de 1964. Mas é fato que se tratou de um movimento plural, diverso, ao ponto de uma das maiores forças da invasão britânica, os Rolling Stones, representarem em sua essência um profundo sincretismo entre a linguagem impar do rock britânico e a musica popular norte americana.
Se os Beatles são os herdeiros e mais originais continuadores da primeira geração do rock, a ponto de estabelecer uma ruptura de conseqüências impares, os Stones são seus leitores mais originais. Sua musicalidade nos atinge o corpo, os sentidos, e passa longe do pensamento e das angustias existenciais. É apenas puro e bruto roch’n roll... musica para dançar no mais cru primitivismo que o rock pode representar do ponto de vista da cultura clássica ou inspirada pela tradição da “boa sociedade”.
Não é nada fácil definir o som dos Stones... Talvez eles representem o pensamento do não pensamento... uma linguagem musical inspiradora de vertigens e sensações de corpo de alma. Algo só compreensível quando somos embalados por clássicos como Satisfaction, Sympathy for the divel, I’m free ou No expectations até o esgotar de todas as nossas ansiedades e energias em qualquer forma de melancolia como em paint it black, as tears go by e lady jane.


Segundo Paul Friedlander foi em 1968 que os Stones atingiram sua maturidade assegurando um lugar certo para Mick, Keith e Brian na história mágica do rock...


...Na primavera de 1968, porem, nem gravações no estúdio londrino Olympic, eles produziram uma musica que reverberou por todo o mundo da música. Era uma inovação, o som era encrespado e as idéias musicais eram mais sofisticadas. A temática das letras tinha expandido o anterior foco em envolvimentos românticos/sexuais para incluir temas como preocupação política e social. Mesmo assim, a cozinha ritma a inda vibrava, Jagger continuava a rosnar e uivar, e perigo e tabu ainda se escondiam por entre as letras. Os Rolling Stones amadurecidos não eram não eram nada submissos. Eles produziram um quarteto de discos clássicos- Beggars Banquet, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main Street- que garantiriam que os Stones seriam considerados eternamente um dos maiores grupos de rock and roll.”
Pode-se apontar o produtor Jimmy Miller como o responsável pelo amadurecimento musical e por uma nova sofisticação nos arranjos e no som. Miller, um per cussionista americanom já tinha produzido álbuns para Spook Tooth e o Traffic quando foi convidado para assistir as gravações dos Stones. A relação profissional foi estabelecida ne Miller continuou como produtor da banda nos cinco discos seguintes, sendo que os quatro primeiros são o ponto alto da carreira da banda. Um dos aspectos mais marcantes deste período ( graças, talvez, a genialidade de Miller no estúdio) é a linha de instrumentos de percussão no inicio de sucessos como Sympathy for the Devil e Gimme Shelter.”


( Paul Frederich. Rock and Roll: Uma história social/ tradução de A. Costa-4º ed. RJ: Record, 2006, p.164 )

CRÔNICA RELÂMPAGO XXXII


Sei que sou feito por tudo aquilo que passou; pelo que perdi, sonhei e conquistei neste decepcionante resultado informe de copia carbono de sonhos desfeitos... que é simplesmente meu eu...
Mas se o que nos tornamos na vida é conseqüência dos limites, desafios e escolhas que fazemos, não há satisfatória conceituação que desvele O SUPLEMO IMPRECISO DE NÓS MESMOS, esta fantasmagórica metáfora que expressa o mais irracional e intenso fundo de nossas almas, aquilo que nos leva a uma insaciável sensação de desconforto e insatisfação permanente.
A vida é essencialmente um estado constante de inquietação...

OS FANTASMAS DO TEMPO

Preencher de vida
O tempo de cada dia
É a única tarefa
Que nos ocupa.

Vivemos para
E através do tempo...

Arrumamos a vida
Em calendários e relógios
Desarrumando o lúdico
Dos desejos brutos.

Tudo para cumprir o oficio
De inventar sociedades.
Mas devaneios de infância
Espreitam a madrugada.

Em face de lua e encanto,
Em embriagados vazios,
Algum eu rebelde me invade
sonhando infinitos
e outras realidades.

domingo, 27 de julho de 2008

C G JUNG E O TEMPO PRESENTE: CIVILIZAÇÃO EM TRANSIÇÃO



Em um breve ensaio sobre a situação da mulher na Europa, originalmente publicado na Alemanha em 1929, C. G.Jung tece certas considerações interessantes sobre o significado do tempo presente que ainda hoje se aplica aquilo que muito imprecisamente podemos conceituar como contemporaneidade, ou seja, o profundo e inédito “vazio” cultural ou desconstrução da tradição que define a dinâmica cultural de nossos dias. Assim sendo, vale a pena aqui reproduzir a seguinte passagem como mais um elemento, ou fragmento, sobre a a nova fenomenologia do contemporâneo já muitas vezes abordada neste espaço:


“... O que chamamos presente não passa de uma fina camada superficial que se cria nos grandes centros da humanidade. É muito fina, como na antiga Rússia, e assim é irrelevante ( como os acontecimentos mostraram). Mas quando atinge uma certa espessura e força, já podemos falar de cultura e progresso, surgindo então problemas característicos de uma época. É neste sentido que a Europa tem um presente, e há mulheres que vivem nele e estão sujeitas aos seus problemas. E só dessas mulheres podemos dizer alguma coisa. Aquelas que se sentem satisfeitas com os caminhos e possibilidades que a Idade Media lhes oferece não tem qualquer necessidade do presente e suas experiências. Mas o homem que é do presente- seja qual for a razão- já não pode retornar ao passado, sem sofrer uma irreparável perda. Não raro esse retorno se torna impossível, mesmo que se esteja disposto a sacrifícios. O homem do presente deve trabalhar para o futuro e deixar a outros a tarefa de conservar o passado. Por isso, alem de construtor, é também um destruidor. Ele e seu mundo tornaram-se ambíguos e questionáveis. Os caminhos que o passado lhe indica e as respostas que dá aos seus problemas são insuficientes às suas necessidades presentes. Os confortáveis caminhos do passado já foram obstruídos e novas trilhas foram abertas, com novos perigos, totalmente desconhecidos do passado. Segundo o provérbio, nada se aprende da história; também quanto aos problemas do tempo atual, via de regra nada dirá. O novo caminho deve ser traçado em terreno virgem, sem qualquer pressuposto e, infelizmente, muitas vezes sem dó nem piedade.”


(C G JUNG. A Mulher na Europa, in Obras Completas Volume X/3- Civilização em Transição. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 112)


É interessante como Jung , em sua inegável sensibilidade pensa sua história contemporânea como uma ruptura radical com a tradição e para o significativo detalhe de que a maior parte das pessoas no mundo vivem de modo a-histórico, não alcançam qualquer interpretação ou preocupação realmente significativa com as questões e dilemas definidoras do tempo presente. A historicidade enquanto uma modalidade de sentimento ou percepção das coisas é praticamente um privilégio reservado a uma parcela pequena da população mundial contraposta a grande massa ainda mergulhada de alguma forma em um mundo fantasmagórico definido pela tradição. Recorrendo a uma segunda passagem do mesmo ensaio:


“... Trata-se, afinal, de saber se queremos ser a-históricos e, assim, fazer a história ou não. Ninguém pode fazer história se não quiser arriscar a própria pele, levando até ao fim a experiência de sua própria vida, e deixar bem claro que sua vida não é uma continuação do passado, mas um novo começo. Continuar é uma tarefa que até os animais são capazes de fazer, mas começar, inovar é a única prerrogativa do homem que o coloca acima dos animais.”

( Idem p. 114)


Evidentemente seria uma lamentável miopia tomar essas palavras de Jung, arrancadas de seu contexto, em alguma espécie de discurso revolucionário estilo sécs. XIX e XX. O que aqui me parece ser problematizada é a tendência que temos na definição de nossas próprias vidas para seguir o confortável rumo dos valores impostos por esta ou aquela tradição cultural desconsiderando o inédito, o potencial criativo e inventivo que potencialmente existe em cada individualidade humana.
Nossa contemporaneidade é em certo sentido a percepção abstrata desta possibilidade inedita que afirmou-se para o homem ocidental através das revoluções comportamentais e verdadeira reviravolta de valores e certezas que teve lugar no último século. Somos hoje todos um pouco vazios de cultura/tradição, verdadeiros bárbaros contemporâneos entre os destroços do mundo da tradição.

IRON BUTTERFRY: IN A GADDA DA VIDA: 40 anos depois...



Um dos mais contundentes registros da efervescência cultural de fins dos anos 60, a banda Iron Butterfry, de certa forma, sintetiza a proposta do Acid Rock, da contra cultura personificada pelo movimento Hippie.
Gravado em 1968, o LP “In-A-Gadda-Da-Vida”, do qual a música homônima, diga-se de passagem, com 17:05 minutos de duração, tornou-se a época um hino para os jovens americanos e seus sonhos de liberdade é um retrato musical singular dos anos 60.
Talvez os longos e destorcidos solos de guitarra, acompanhados por um baixo marcante, bateria frenética e um teclado alucinante e inconfundivelmente psicodélico, tudo isso ao sabor de letras inspiradas na filosofia do love and piece, nos pareçam hoje demasiadamente datados e distantes.
Isso não impede, entretanto, que In-A-Gadda-Da-Vida irradie um certo encanto atemporal, um apelo à evasão e transcendência das nossas desbotadas paisagens cotidianas que de muitas formas nos é contemporânea.
Quem já ouviu In-A-Gadda-Da-Vida pela manhã antes de mergulhar em rotinas e pueris papeis pessoais sabe o gosto de imprecisos e doces infinitos de pensamento que esta musica nos proporciona com sua atmosfera mágica e radicalmente psicodélica.
Tudo o mais e acid...

LIMITES



Sei que sou apenas isso...
Um indefinido rosto
Perdido
No fundo de multidões.


Mas busco a liberdade dos pássaros
Que rasgam o azul do céu
Sem o peso de qualquer sentimento,
De qualquer certeza.


Restrito aos meus limites
Mergulho em infinitos sonhados
Me faço no sem sentido
De cada ato abstrato
De mero pensamento.


Escapo ao mundo
No buscar a mim mesmo
Desfeito no tempo
Da minha própria vida.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

WORD

A palavra me rouba
O aprendizado do silêncio.

Em cacos vislumbro meu rosto
Opaco na variação de emoções
E humores.

Visto um verso
Para despir sentimentos,
Buscar o invisível e incompreensível
Segredo do acontecer da existência
Sob os desígnios do acaso.

Mas tudo que vejo e faço
Transfigura-se no raso
De um imperfeito discurso.

TIME

A soma das horas
Da minha vida
Jamais definirão
O que fui e sou
Entre o céu, a terra
E o devir.

Quantos de mim mesmo,
Afinal,
Posso sonhar, ser
E saber
Na matéria bruta dos fatos?

Nenhum retrato diz meu rosto
Nos dias,
Nenhum pensamento esclarece
O movimento da carne d’alma
Dentro do tempo.

Tudo que sei é que passo
Em atos de liberdade
No finito de cada passo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O CANTO DE MARLENE DIETRICH


Ouvia agora a pouco uma coletânea de Marlene Dietrich. Dei-me conta, na aventura da musica decorando a noite, do quanto, mesmo como cantora ou one woman show, ela representa o mais enigmático, ambíguo e misterioso símbolo feminino de sexualidade já construído pela mítica e irracional linguagem do cinema da primeira metade do século XX.
Interpretando peças musicais, Marlene é uma realmente singular... uma musa profunda e expressiva que parece, com a ambigüidade de uma esfinge desafiar-nos com a sóbria interpretação quase masculina de canções tão preciosas como Lili Marlene, Simphonie, Black Market ou You Go To My Head.
Segundo Charles Higman, autor de uma biografia sobre Marlene, citando seu regente dos anos 50, William Blezard, ela desenvolveu e popularizou o sprechstimme, a arte de falar como se estivesse cantando na inventividade única de seu canto.
As Performances de Dietrich são como um seqüestro de vida de alguma elegante plenitude de mundo que nos revela o máximo limite e apoteose da experiência humana.

LIVROS, LEITURAS E FRAGMENTO


Não conheço maneira mais apropriada para se ler um livro do que cortar-lhe a abstrata carne rasgando-lhe em fragmentos que, de algum modo subjetivo, nos revelam o cerne de seu corpo, de sua aparentemente homogênea narrativa.
Não se pode negar que a experiência da leitura faz-se normalmente pelo impacto de alguns parágrafos ou frases que nos seduzem, dar-se através de retalhos, de retratos em closes, ou ainda, através da surpresa reveladora de determinadas passagens onde nos reconhecemos provisoriamente.
Por tudo isso, escolher citações em um livro é um modo de dizer o que realmente nos interessa singularmente neles, aquilo de que nos apropriamos na aventura da leitura.