quinta-feira, 24 de maio de 2018

ENTRE O OLHAR E O DIZER

Existe uma insuperável distância entre o visível e o dizível. Por isso,  mais do que observar é preciso saber com os olhos, tocar com o pensamento.

Tal habilidade não é proporcionada por nenhum saber ou ciência. Pressupõe certa intuição, uma espécie de automatismo da percepção e a sensibilidade de um olhar que recusa a paisagem, que se prende aos detalhes, e preenche o dizer com delicados silêncios.

O significado das coisas é um ato de linguagem, mas não se esgota no dizer. O visível é irredutível ao dito. Há sempre algo que escapa ao sentido e que deve ser acolhido na narrativa. É isso que nos leva a recusar ingenuas pretensões a  verdade como premissa de um enunciado.

O olhar é sempre relativo a astúcia da observação. O dizer nunca é uma descrição. Mas entre o visível e o dizível inventamos o comunicável como experiência imanente de um sentido que nasce do que não faz sentido. Há sempre algo que nos sequestra entre o olhar e o dizer.

EXISTENCIA EM MOVIMENTO


Não existo em qualquer ponto fixo de tempo e espaço, mas através de um deslocamento constante.

Percorro imaginações através do desejo,
Vivo uma busca sem objeto em permanente estado de movimento.

Onde isso me leva?
Talvez ao não lugar do vento.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

O CUIDADO DE SI COMO UM MODO DE VIVER




Foi no terceiro volume de sua Historia da Sexualidade que Foucault nos apresentou o conceito de cuidado de si, problematizando de forma original as configurações da subjetividade na cultura ocidental. Para tanto regressou as paisagens da antiguidade greco romana, dando um colorido novo a filosofia de Platão, dos estoicos e dos cínicos. Este tema preencheria seus últimos cursos ministrados no College de France interrompidos em 1984 por sua morte prematura.

Segundo Foucault, em algumas comunidades monásticas do inicio de nossa era, foram elaboradas técnicas que visavam um dizer constante da verdade de si mesmo a um superior hierárquico, definindo rígidas regras de obediência. Trata-se de uma confissão permanente de faltas e medos pessoais que põe em evidência os mais íntimos desejos.

Mas ele também nos fala sobre autores como Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio, que na antiguidade tardia apontavam para um outro relacionamento entre sujeito e verdade. Em lugar de uma sujeição a autoridade e controle, os últimos filósofos da era pagã elaboraram em suas praticas discursivas uma verdadeira ética da imanência e estética da existência que, embora pressuponha trabalho e disciplina, não está condicionada a valores transcendentais ou a afirmação de qualquer ordem social.

O bios torna-se, assim, matéria de uma arte onde o ocupar-se de si mesmo é também um ocupar-se com os outros e com o mundo, um qualificar-se para a vida publica, como Foucault demonstra através de uma minuciosa analise do diálogo de Platão consagrado a Alcebiades, no curso A Hermeneutica do sujeito, ministrado em 1982.

Todo um modo de vida é definido através de exercícios de meditação e de ascese que tornam o conhecimento de si um cuidado de si, ou seja, uma ética e uma estética. Não se trata aqui, portanto, do sujeito enquanto objeto de um discurso verdadeiro, mas do sujeito afetado e transformado por uma verdade que se torna forma de vida.

Pode-se falar sem pudor do conhecimento como um modo de existência, redimensionando a construção da subjetividade. De fato, trata-se aqui de ir além do jogo da verdade e do poder, da sujeição a identidades. O estudo dos sistemas de pensamento e das praticas discursivas conduzem a um questionamento dos saberes normativos e estratificados, da direção pastoral e autoritária da produção coletiva do conhecimento orientadas para disciplinar e estabelecer praticas de controle.

Pode-se mesmo fazer um uso normativo das praticas do cuidado de si, sucumbir a verdade e reduzi-las a mera disciplina. Mas é o oposto disso que nos leva a invenção de nos mesmos como experiência de si, do mundo e dos outros. É preciso aprender a inventar-se através das coisas.


sábado, 19 de maio de 2018

O SENSO COMUM E O PENSAR DAS PALAVRAS

Para a maioria das pessoas o pensar das palavras é algo sem vida que  não  afeta ou comove. Só interessa como informação, como domínio de autoridade narcisista. Não lhe ocorre qualquer relação profunda entre o pensar e o existir, entre o dizer e o fazer. Há apenas o conformismo as formas pré definidas de codificar a existência como uma prática cotidiana vazia. Os signos e símbolos apenas circulam opacos entre todos realizando saberes saturados. A vida concreta e pragmática, que escraviza a sobrevivência é o critério da inteligência, dá inteligibilidade do real. 

No fundo elas sabem que o pensar das palavras é o que pode por o mundo em perigo. Por isso a ordem das coisas deve confirmar os enunciados e as estratégias discursivas as normas da normalidade.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

A LINGUAGEM COMO MODO DE EXISTÊNCIA


Em muitos sentidos, a linguagem é um modo de materializar aquilo que não pode ser visto e cuja existência não tem um lugar real, mas corresponde a um estado de devir que se enraíza na própria linguagem.  

Dizer é construir uma forma de existência que extrapola o corpo e o próprio eu, que escapa ao tempo e se faz cartografia de um lado de fora de nós e dos outros.  Um enunciado autêntico é aquele que nos oferece imagens de abismo e nos surpreendem com o devir de um silêncio que é a própria vidam

quarta-feira, 16 de maio de 2018

DEVIR E NÃO IDENTIDADE



Não sei mais quem eu era e muito menos o que posso me tornar. Todo o devir que é minha existência conduziu a este impasse, a uma despersonificação que desvela, no ato da linguagem, um lado de fora onde o caos se infiltra como um absurdo ontológico.

Trata-se também de uma experiência, onde o corpo, o ambiente e o sentido nivelam-se. A indeterminação deste acontecer é onde a vida escapa a existência.  

O TEXTO COMO TERRITÓRIO DE SENTIDO


As palavras marcam,
Transformam o branco da folha
Em território de sentido.
Mas não são um dizer das coisas.
São um acontecimento linguístico,
Um fato abstrato,
Que nos surpreende como pensamento.
O sentido não está no texto,
Mas em nós mesmos.
Ele extrapola o dizer.
É um lugar abstrato
Onde habitamos mundos
Que não existem.

terça-feira, 15 de maio de 2018

CONSTATAÇÕES



Hoje amanheci pequeno,
Incrivelmente espantado comigo mesmo.

A vida transborda,
Não cabe em qualquer pensamento,
Mas cresce nas imaginações.

Tudo acontece em todos os tempos.
O presente é um passado que cresce futuro.

Não passo de um ponto estático
Em uma paisagem em movimento.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A DECADÊNCIA DO PENSAMENTO





Não há mais uma obra a ser escrita. Escrever já não se inscreve em um plano de referencias conceituais e sistematizações narrativas tendentes a verdade. Não há mais um real a ser desvelado, explicado ou analisado. Não há mais autoridade nas disciplinas ou dignidade no saber e seu jogo normativo. Não há mais poder nas palavras. O conhecimento se converteu em informação, em opinião mimetizada ou, no melhor dos casos em maquinaria técnica para o gosto dos que precisam de princípios e orientações. Não é mais tempo de pensar. O individuo emancipado pela razão foi o breve sonho de um século distante. Jamais pôs os pés na terra prometida do progresso. Vivemos agora a margem de qualquer representação convincente das coisas. A vida tornou-se transparente e epidérmica.   



A VELOCIDADE DAS PALAVRAS


A velocidade das palavras é tangível no acontecer da leitura. O texto tem um ritmo, é movimento. Ás vezes parece um organismo vivo. Mas quase não sei o que é o texto e a experiência de ler, pois não me percebo dentro dos enunciados. Eles acontecem quando eu não aconteço, onde não há substância.

A compreensão, o sentido, é um desvelar-se de uma matéria invisível. Existe algo dentro das palavras que não são as palavras. É preciso ter esta intuição para perceber o quanto elas são rápidas e fogem dos olhos. Toda narrativa acorda sensações físicas, apercepções; engendra duplos.

Não há representação. Existe um lado de fora dos significantes e dos significados, uma espécie de epiderme esvoaçante, um fantasma, que é a própria materialidade da narrativa.

A velocidade das palavras é perceptível onde não há temporalidade, onde o próprio leitor desaparece no acontecer da leitura, que é também um re acontecer da narrativa como espaço abstrato de experiência. A velocidade é aqui um contrário de tempo, é uma substancia, um atributo do discurso. Uma leitura não tem duração. Ela tem movimento. Mas ela não percorre qualquer espaço. A velocidade é o próprio pensar como experiência do sentido.