segunda-feira, 21 de maio de 2018

O CUIDADO DE SI COMO UM MODO DE VIVER




Foi no terceiro volume de sua Historia da Sexualidade que Foucault nos apresentou o conceito de cuidado de si, problematizando de forma original as configurações da subjetividade na cultura ocidental. Para tanto regressou as paisagens da antiguidade greco romana, dando um colorido novo a filosofia de Platão, dos estoicos e dos cínicos. Este tema preencheria seus últimos cursos ministrados no College de France interrompidos em 1984 por sua morte prematura.

Segundo Foucault, em algumas comunidades monásticas do inicio de nossa era, foram elaboradas técnicas que visavam um dizer constante da verdade de si mesmo a um superior hierárquico, definindo rígidas regras de obediência. Trata-se de uma confissão permanente de faltas e medos pessoais que põe em evidência os mais íntimos desejos.

Mas ele também nos fala sobre autores como Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio, que na antiguidade tardia apontavam para um outro relacionamento entre sujeito e verdade. Em lugar de uma sujeição a autoridade e controle, os últimos filósofos da era pagã elaboraram em suas praticas discursivas uma verdadeira ética da imanência e estética da existência que, embora pressuponha trabalho e disciplina, não está condicionada a valores transcendentais ou a afirmação de qualquer ordem social.

O bios torna-se, assim, matéria de uma arte onde o ocupar-se de si mesmo é também um ocupar-se com os outros e com o mundo, um qualificar-se para a vida publica, como Foucault demonstra através de uma minuciosa analise do diálogo de Platão consagrado a Alcebiades, no curso A Hermeneutica do sujeito, ministrado em 1982.

Todo um modo de vida é definido através de exercícios de meditação e de ascese que tornam o conhecimento de si um cuidado de si, ou seja, uma ética e uma estética. Não se trata aqui, portanto, do sujeito enquanto objeto de um discurso verdadeiro, mas do sujeito afetado e transformado por uma verdade que se torna forma de vida.

Pode-se falar sem pudor do conhecimento como um modo de existência, redimensionando a construção da subjetividade. De fato, trata-se aqui de ir além do jogo da verdade e do poder, da sujeição a identidades. O estudo dos sistemas de pensamento e das praticas discursivas conduzem a um questionamento dos saberes normativos e estratificados, da direção pastoral e autoritária da produção coletiva do conhecimento orientadas para disciplinar e estabelecer praticas de controle.

Pode-se mesmo fazer um uso normativo das praticas do cuidado de si, sucumbir a verdade e reduzi-las a mera disciplina. Mas é o oposto disso que nos leva a invenção de nos mesmos como experiência de si, do mundo e dos outros. É preciso aprender a inventar-se através das coisas.


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