Na prática, a noção de verdadeiro e falso é um dispositivo de regulamentação social das relações humanas. É um jogo de poder, de validação deste ou daquele saber sobre outros. Há algo de perigoso em afirmar uma verdade. Trata-se de um ato deliberado de parcialidade. Qualquer verdade é também a afirmação de determinados valores. Por isso muitas pessoas possuem necessidade da verdade para validar seu próprio mundo vivido, sua visão de mundo. em contrapartida desqualificam suas concorrentes no jogo por simples afirmação de identidade. Tomam a adesão a certos enunciados com pretensão a verdade como uma espécie de revelação redentora.
Este Blog é destinado ao exercicio ludico de construção da minima moralia da individualidade humana; é expressão da individuação como meta e finalidade ontológica que se faz no dialogo entre o complexo outro que é o mundo e a multiplicidade de eus que nos define no micro cosmos de cada individualidade. Em poucas palavras, ele é um esforço de consciência e alma em movimento...entre o virtual, o real, o simbolo e o sonho.
terça-feira, 9 de janeiro de 2018
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
O SENSO COMUM COMO PROSA DO MUNDO
Em toda sociedade vigora uma
prosa do mundo que se opõe a cultura erudita (livresca) e as suas polêmicas e
disputas em torno da questão da verdade como norma de vida. De um modo geral as pessoas não tomam como referência a sofisticação acadêmica
em seus engajamentos cognitivos e convenções de verdade. Buscam, ao contrário, o conforto e o
sedentarismo do senso comum, onde as palavras funcionam apenas como uma convenção
útil e necessária ao convívio humano, onde é possível viver de pequenas e
cotidianas certezas verbais.
O senso comum é uma forma de
representação coletiva do mundo orientada pelo razoável e por certo
pragmatismo. Não exige grande lapidação intelectual e nem se coloca questionamentos
muito profundos. Prima apenas pelo equilíbrio e pelo bom senso, mas, não
raramente, confronta com a pretensão a verdade dos eruditos e suas novidades,
dado que é necessariamente conformista e baseado em generalizações amplas.
Fugir ao senso comum é habitar seu próprio discurso indiferente a
prosa do mundo e as conformações de uma época. É inventar-se através do
aprendizado de dizer a si mesmo. Mas isso também significa fugir aos lugares
comuns da erudição e exige muta experimentação.
sexta-feira, 5 de janeiro de 2018
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
MASSA E PODER: UMA ANTROPOLOGIA PATOLÓGICA
Não é possível em algumas poucas
palavras registrar a contento o impacto da leitura de um clássico como Massa
e Poder de Elias Canetti.
Sua matéria prima, em sentido amplo, é nossa própria condição humana e o
processo civilizatório. Mas a partir de um ângulo “selvagem”, ou seja, não
domesticado pela sociologia ou pela ciência politica. Esta é a maior virtude de
sua densa e bem fundamentada narrativa que pode ser considerada uma critica
radical ao poder através de uma espécie de antropologia patológica.
O mito moderno do contrato social é aqui substituído por um associativismo instintivo em uma trama narrativa que esboça uma versão original sobe as origens do totalitarismo .
Significativamente, uma das
imagens chaves deste livro é o arquetípico da luta pela sobrevivência. Questão
que anima a história humana desde seus primórdios e compreende uma das
motivações instintivas mais preeminentes. Afinal, foi ela quem inspirou ao home
arcaico a superação do medo do desconhecido, do pavor de ser tocado, mesmo por
seus semelhantes, permitindo, através do contato, o advento da malta e,
posteriormente, da massa, como padrão elementar da associação humana.
A definição e tipificação de
massa elaborada por Canetti, sua diferenciação e relação com a malta, é questão que por sua complexidade não
comporta aqui uma apresentação resumida e apressada. Cabe apenas apontar que Canetti
revela um conhecimento singular das culturas arcaicas, mas é mediante o
reconhecimento da permanência de alguns elementos deste arcaísmo em nosso
comportamento contemporâneo mais cotidiano, que ele tece os contornos de uma
psicologia da multidão que tem na expressão corporal/motora um de seus meios
mais concretos de expressão cognitiva.
Assim, o ato de agarrar, de
triturar, de morder, de permanecer ereto, subordina-se a constituição de uma
economia simbólica da performance do poder e da potencia de existir. O próprio
poder, neste contexto, entendido como um produto da própria luta pela
sobrevivência, associada à distinção do herói civilizador, do grande líder,
posteriormente ungido pela metafisica religiosa. O líder é legitimado pela
multidão, glorificado como a personificação do sobrevivente por excelência.
Com a decadência das religiões
monoteístas da lamentação, fundamentadas no imperativo do uno e do universal,
que legitimava e fundamentava o prestigio e autoridade do líder, o poder
encontrou na malta, no conteúdo da malta da multiplicação,
para usar uma categoria do autor, um novo e secular princípio para a manutenção
do amalgama coletivo. Assim, não surpreende que hoje em dia todos os países
estejam mais inclinados a proteger sua estrutura produtiva do que a vida de
seus próprios membros. O líder, personificação ideal do sobrevivente, do todo
que é apenas um, é aquele que realmente importa diante das multidões cujo
destino tem nas mãos.
Sendo desta maneira, Canetti
assim define a distinção entre o rico, o detentor do poder e o famoso no que
diz respeito a gloria:
Para o rico o que importa é o dinheiro,
não montes e rebanhos. Os homens não interessam; basta o fato de poder
compra-los. Já o detentor do poder, coleciona homens. Os montes e rebanhos também
não lhe interessam, a não ser como meio para adquirir homens. Já para o famoso,
o que importa são os coros que gritam seu nome. Não importa se vivos, mortos ou
não nascidos, o imperativo é multiplicar aqueles que gritam seu nome,
independente dos montes e rebanhos. Assim, cada um a sua maneira exerce seu
poder diante da massa anônima.
A terapêutica que o autor parece
insinuar diante do patológico e arcaico fascínio do líder que personifica para
todos o drama da sobrevivência, nutrindo uma relação irracional com as massas,
potencializando sua tendência ao crescimento, ao expansionismo constante, na
paradoxal afirmação do um que é todos, é a aceitação franca de nossa própria
vulnerabilidade e limitações.
A prosa densamente literária do
denso estudo de Canetti esta longe de alguma forma ter sido aqui minimamente
apresentada, muito menos resumida. Neste caso, nenhuma resenha possível nos
prepara para a experiência da leitura e sentimento de perplexidade diante da
fragilidades de todo humanismo quando confrontado com a concretude da condição
humana.
A ÉTICA DO CUIDADO DE SI E DOS OUTROS
“em nossas sociedades, a partir de um certo momento – e é muito difícil
saber quando isso aconteceu –, o cuidado de si se tornou alguma coisa um tanto
suspeita. Ocupar-se de si foi, a partir de um certo momento, denunciado de boa
vontade como uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse
individual em contradição com o interesse que é necessário ter em relação aos
outros ou com o necessário sacrifício de si mesmo. Tudo isso ocorreu durante o
cristianismo, mas não diria que foi pura e simplesmente fruto do cristianismo.
A questão é muito mais complexa, pois no cristianismo buscar sua salvação é
também uma maneira de cuidar de si. Mas a salvação no cristianismo é realizada
através da renúncia a si mesmo. Há um paradoxo no cuidado de si no cristianismo...”
Michel Foucault in Ética,
Sexualidade, Política. Org. e seleção de textos Manoel B. da Motta. Trad. Elisa
Monteiro, Inês Autran D. Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
(Ditos & Escritos; V)
Porque pensamos como pensamos?
Eis a pergunta mais elementar de uma hermenêutica de si mesmo, de um exame de
nossos “jogos de verdade” e formatação do real que define os limites cotidianos
de nossa linguagem.
É em torno daquilo sobre o que
nos calamos que se esboça o provisório de qualquer resposta.
O exame de quem somos é a
exploração das fronteiras de nossas certezas e valores, dos nossos condicionamentos
mais insuspeitos, como construções perenes de sentido. Pois a única questão que
permanece em nosso horizonte é aquela pertinente ao que podemos ainda ser além
daquele ponto no qual nos encontramos.
Inspira-se tal horizonte ético naquele
recuo a antiguidade do ultimo Foucault, que articula a questão da verdade,
sujeito e poder a partir das técnicas do cuidado de si e dos outros nos primórdios
da hermenêutica do sujeito na cultura ocidental. Busca-se tal referencia como
ferramenta de estratégias contemporâneas de individuação, de redefinição da
esfera pública como devir do eu e dos outros através de praticas discursivas
que apontam para construção da existência como obra de arte.
terça-feira, 2 de janeiro de 2018
ABRIGO E SILÊNCIO
Inventei o abrigo de um discurso.
Afinal, o mundo apenas existe através do dizer das coisas,
Na linguagem em movimento,
Além do significante
e do significado,
Como uma presença abstrata
Entre a paisagem e o corpo.
Tudo é devir e sentido
No incerto fato de existir.
Neste abrigo de discurso
É, entretanto, a palavra que me inventa
Como silêncio.
O LUGAR DA INDIVIDUALIDADE NO ACONTECER SOCIAL
Viver para si ou para o mundo? A
realidade de nossas praticas coletivas procuram harmonizar estes dois impulsos
difusos e opostos do exercício de nos mesmos enquanto seres viventes em estado
de sociedade. Somos educados para perpetuação pragmática da ordem das coisas,
conformados a um comportamento mimético regido pela experiência de signos e símbolos verbais
e não verbais. Através deles a dialética do eu e dos outros materializa o
social como co- existência de todos em uma dada imagem de realidade e mundo. Mas
a consciência de nossa individualidade é um silêncio e um desvio em relação a experiência
do social. Habitamos este silêncio onde os signos e símbolos podem ser
subvertidos, desfigurados ou reinventados através de recodificações inéditas e
inesperadas. A individualidade é o lugar da criatividade, do incerto e efêmero.
É onde a norma declina e as mudanças são gestadas revelando o social como
devir.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
LINGUAGEM E VIDA
A experiência da realidade é definida pelo exercício de práticas discursivas e pela replicação de um conjunto de enunciados consensuais que nos tornam participantes de uma mesma imagem de mundo.
Assim, a experiência da realidade é definida pela nossa consciência enquanto codificação linguística que estabelece o que é verdadeiro e o que é falso, o que tem ou não valor, através de práticas discursivas.
Linguagem e experiência são um mesmo acontecimento no devir de nossas interações simbólicas. Mas a linguagem tem a si mesma como objeto e é exterior a nossa condição humana cujo exercício é o acontecer do corpo como devir e finitude.
É através da linguagem, entretanto, que estabelecemos o humano como simulacro, como jogo infinito entre significante e significado, como um algo a mais em relação a nossa condição de organismo biológico.
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
DISCURSO E FICÇÃO
Toda prática discursiva possui algo de arbitrário ou ficcional, mesmo quando orientada pela pretensão a qualidade de verdade. Pois parte de um cenário interpretativo, de um referencial simbólico que previamente estabelece a possibilidade de sentido de um enunciado.
Verdadeiro e falso são categorias inerentes à significação discursiva, a ordem de um discurso normativo configurado por um arcabouço disciplinar.
O fato é que todo discurso inventa a realidade que lhe confere significação estabelecendo o que pode e o que não pode ser dito.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
O LUGAR DO EU E DO OUTRO
“Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é
meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são
o mínimo de vida.” (Mikhail Bakhtin)
O outro é a medida da incerteza
de mim mesmo. É a imprecisão que circunscreve o falante e o ouvinte através dos
enunciados.
O outro é o próprio discurso que
se apresenta a partir de sua estrutura e
significações. É o que nos reduz a personas,
no ato do dialogo, em oposição e identidade com aquilo que é comunicado,
compartilhado, formatado pela linguagem. O sujeito é uma função da própria prática
discursiva que simultaneamente o faz um eu e um outro na alteridade discursiva,
na ação dialógica que pressupõe o próprio exercício da linguagem como pratica que nos define a
todos. Se o discurso é quem estabelece sentido a um dialogo, ele também define
o eu e o outro como um lugar dentro do dizer, como uma função inerente a construção do discurso. Somos inventados pelo e para o discurso, nos fazemos através dele aquilo que somos na presença um do outro, na incerteza daquele que fala como eu e também se percebe como um outro.
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