“em nossas sociedades, a partir de um certo momento – e é muito difícil
saber quando isso aconteceu –, o cuidado de si se tornou alguma coisa um tanto
suspeita. Ocupar-se de si foi, a partir de um certo momento, denunciado de boa
vontade como uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse
individual em contradição com o interesse que é necessário ter em relação aos
outros ou com o necessário sacrifício de si mesmo. Tudo isso ocorreu durante o
cristianismo, mas não diria que foi pura e simplesmente fruto do cristianismo.
A questão é muito mais complexa, pois no cristianismo buscar sua salvação é
também uma maneira de cuidar de si. Mas a salvação no cristianismo é realizada
através da renúncia a si mesmo. Há um paradoxo no cuidado de si no cristianismo...”
Michel Foucault in Ética,
Sexualidade, Política. Org. e seleção de textos Manoel B. da Motta. Trad. Elisa
Monteiro, Inês Autran D. Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
(Ditos & Escritos; V)
Porque pensamos como pensamos?
Eis a pergunta mais elementar de uma hermenêutica de si mesmo, de um exame de
nossos “jogos de verdade” e formatação do real que define os limites cotidianos
de nossa linguagem.
É em torno daquilo sobre o que
nos calamos que se esboça o provisório de qualquer resposta.
O exame de quem somos é a
exploração das fronteiras de nossas certezas e valores, dos nossos condicionamentos
mais insuspeitos, como construções perenes de sentido. Pois a única questão que
permanece em nosso horizonte é aquela pertinente ao que podemos ainda ser além
daquele ponto no qual nos encontramos.
Inspira-se tal horizonte ético naquele
recuo a antiguidade do ultimo Foucault, que articula a questão da verdade,
sujeito e poder a partir das técnicas do cuidado de si e dos outros nos primórdios
da hermenêutica do sujeito na cultura ocidental. Busca-se tal referencia como
ferramenta de estratégias contemporâneas de individuação, de redefinição da
esfera pública como devir do eu e dos outros através de praticas discursivas
que apontam para construção da existência como obra de arte.
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