terça-feira, 25 de setembro de 2007

O FRAGMENTO COMO MÉTODO

O Fragmento tornou-se a mais apropriada forma para o exercício da atividade reflexiva. Isso na medida em que a indeterminação, a pluralidade de possibilidades ou o deslocamento da problemática da verdade, fizeram-se visíveis no horizonte do pensamento contemporâneo.
O fragmento destina-se ao entrelaçar de sucessivas e plurais indagações que estabelecem variadas conexões onde o conjunto não é a mera soma das partes, onde o sentido último não é dado a não ser pelo artesanal e subjetivo preencher de vazios.
Quando nenhum sentido é sistematicamente dado, a intuição se torna a essência do exercício de pensar e a alma do uso metódico do fragmento.

O OUTRO DO TEMPO

Mando notícias
de algum rosto esquecido
no fundo da memória,
de alguma persona desconhecida
e presente em meu perder de realidades
idealizadas e possíveis
no quase perfeito do meu mundo vivido.
Ser apenas o cotidiano rosto de todos os dias
não me faz suficientemente real
no impreciso tempo do mundo
e descubro a persona oculta
como o mais profundo dizer
de mim mesmo
no pouco de cada dia vivido.

CRÔNICA RELÂMPAGO VIII


Normalmente concebemos as rotinas como um conjunto fechado de fatos e atos diariamente reproduzidos mecânicamente, um autêntico trabalho de Cicifo, ao qual somos obrigados pelos imperativos da sobrevivência imediata. Mas as rotinas possuem movimentos e nuanças internas que as tornam algo mais do que um repetitivo e enfadonho esforço.
O roteiro obrigatório de um dia não elimina, afinal, sua singularidade no vasto corpo dos anos, mesmo que ela nos escape, já que apenas eventualmente guardamos na memória a aventura banal de um dia qualquer. Independente disto, no acaso de cada dia, toda rotina parece manter uma sombra, um duplo de si mesma, a nos dizer a urgência de opções ou golpes inesperados de tempo que dão visibilidade ao que até então não percebíamos ou não participava diretamente da tediosa procissão de dias que definem a vida.
Acredito em linhas gerais que as rotinas mudam em sua permanência. De algum modo discreto elas cultivam descontinuidades em suas estruturas aparentemente rígidas. A inércia dos dias e de nós mesmos, afinal, não passa de uma conveniente ilusão...

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

GRA|NDE MÃE E ETERNO FEMININO

Quando aqui aludo a “Mãe”, reporto-me a uma imagem arquetípica e, portanto, a alguma coisa que não tem realidade no tempo e no espaço, mas atua dentro de nós concretamente como uma espécie de princípio, “força”, ou pré- disposição, que em nada depende da nossa vontade para existir ou agir em nossos afetos e imagens de realidade. Um arquétipo constelado cria um estado de comoção bio-psíquica ambivalente. No caso do arquétipo da “Grande Mãe” estamos lidando com a imagem mais próxima do “arquétipo primordial” cuja principal expressão é o círculo, o urobolos, onde nada se diferencia e tudo está contido. Trata-se da mais obscura e inconsciente realidade do “Grande Feminino” que gradativamente torna-se “Mãe”, isto é, um lugar de nascimento e proteção, assim como de transformação e morte, um recipiente mágico ou escuro que, em termos simbólicos, podemos associar a terra, a matéria, ao jardim, a flor, ao mar, a lua, a noite, a gruta, a vaca, a cobra, ao mundo subterrâneo dos mortos, e ainda, em outra dimensão, a pia batismal, o vaso, a Igreja, a casa, a cidade, o caldeirão, o forno, o abismo, a cruz, dentre muitos outros exemplos. Além disso, antropomorficamente a “Mãe” pode ser personificada tanto por figuras como a mãe natural, a avó, a professora, e a sogra, quanto por divindades femininas como as Nornas, Eva, Ísis, Deméter e Maria.

ERICH NEUMANN, partindo das formulações de JUNG, concebeu uma interessante distinção entre o caráter elementar e de transformação do Feminino. Em suas próprias palavras:

“Designamos por caráter elementar o aspecto do Feminino que, como o “Grande Círculo” e o 'Grande Continente', demonstra a tendência de conservar para si aquilo a que deu origem e a envolve-lo como uma substância eterna. Tudo o que dele nasceu lhe pertence, continua sujeito a ele e, mesmo quando o indivíduo se torna independente, o Grande Feminino relativiza essa autonomia, tornando-a uma variante secundária do seu existir, enquanto Grande Feminino.(NEUMANN Erich. A Grande Mãe. Um estudo fenomenológico da constituição feminina do inconsciente. SP: Cultrix,1996, p.36. )

Trata-se aqui da “inércia natural do âmago da psique”, da insuperável “gravitação do ego” em torno da psique objetiva ou daquilo que costumamos definir como “inconsciente” ou fundamento desconhecido da natureza. Por outro lado, há uma tendência oposta igualmente poderosa:“O caráter de transformação do Feminino, ao contrário do caráter elementar, é a expressão de uma outra constelação na psíquica fundamental. No caráter de transformação enfatiza-se o elemento dinâmico da psique, o que, ao contrário da tendência conservadora do caráter elementar, coloca em movimento algo já existente e leva a uma modificação , em suma a transformação. Durante o desenvolvimento psíquico, o caráter de transformação da psique que é projetado no Feminino, encontra-se primeiramente submetido ao “domínio anterior” do caráter elementar, e só aos poucos vai se desligando daquela supremacia para adquirir uma forma própria e independente.”( Ibidem. P.38.)

O caráter transformador do Grande Feminino se assemelha a um processo de integração e transformação interna da psique, através da matéria, da qual a consciência participa enquanto “criatura” e “sujeito”, enquanto aquele “particular criativo” envolvido por uma totalidade indefinida e inesgotável que o modifica na medida em que se faz em inúmeras variações de si mesmo. O caráter elementar do Feminino, advirto, pressupõe uma consciência informe e pouco diferenciada do inconsciente, enquanto o caráter transformador pressupõe uma consciência movida por um impulso de diferenciação progressiva do inconsciente que acaba por conduzir a uma consciência masculina ou racional de mundo.
A “Mãe” só pode ser definida como tal através do filho. Do mesmo modo, o filho só pode definir-se como tal em função da mãe. Estas duas imagens arquétipicas encontram-se relacionadas como dois opostos complementares. Assim sendo, é impossível compreender uma sem a outra. Do mesmo modo que uma semente de laranja jamais gerará uma mangueira, o inconsciente jamais originará algo inteiramente diverso de si mesmo. Falar sobre a componente feminina da fenomenologia da psique projetada na imagem da “Grande Mãe” é reconhecer exatamente esta unidade de opostos que desafia nossa tradicional visão de mundo, mergulhar na fantasia das mais elementares e primais realidades da natureza humana; regidas pelo princípio de Eros.
O embaixador J.O DE MEIRA PENNA, muito precisamente, assim define o arquétipo materno em sua dimensão impessoal / coletiva:

“O inconsciente é precisamente o domínio insondável dos arquétipos, “os reinos infinitos de todas as formas possíveis” onde “serpenteiam os fantasmas como um rio de névoas”... As Mães são as imagens primordiais- a expressão multiforme, englobante e dramática daquilo que é o arquétipo telúrico primordial: a Magna Mater, a Grande Mãe, a Terra Mãe, a Natureza.”( MEIRA PENNA, José Osvaldo de. Em Berço esplendido. Ensaios de Psicologia Coletiva Brasileira. RJ: Topbooks / Instituto Liberal, 1999, 2º Edição, p.54. )

Enquanto as imagens masculinas do inconsciente tendem a um relacionamento mais próximo da consciência e do mundo do ego, as imagens femininas mergulham nas obscuras paisagens telúricas do inconsciente, no mistério das origens irracionais da realidade humana e trans-humana, revelando os incompreensíveis hieróglifos da Magna Carta da alma e da própria vida.

Pode-se encontrar em uma fala de Mefistófeles, nas páginas do FAUSTO de GOETHE, uma definição singular do mistério arcaico do feminino personificado pela imagem arquétipica das deusas mães:

“Revelo-te, contrariado, um dos maiores mistérios. Há deusas poderosas que reinam na solidão. Em volta delas não existe sequer o lugar, menos ainda o tempo. Sentimo-nos comovidos só de falar nelas. São as MÃES.” ( GOETHE, J. W. Fausto. RJ: Otto Pierre Editores, 1980, p. 250.)

Talvez, o que antes de tudo diferencie a imagem arquétipica de Anima da imagem arquétipica da Grande Mãe seja justamente a ausência da criança, do filho. Anima é normalmente personificada pela mulher velada ou desconhecida, a irmã, a amiga, a amante ou a virgem. EMA JUNG em um original ensaio sobre a presença arquétipica aqui discutida, a identifica ainda, em seu plano mais elevado, com a própria Anima Mundi, com a representação de algo precioso e escondido no seio da matéria e do mundo. Assim sendo, em sua dimensão supra pessoal, que não pode ser integrada totalmente pela consciência, enquanto componente diferenciado da totalidade da personalidade, Anima seria uma espécie de Deusa da Natureza. Além de vestir a pele de alguns animais como a lebre, a gata, ou pássaros como a pomba e a águia, como é possível deduzir de imagens recorrentes nas narrativas folclóricas e religiosas, também podemos encontra-la nas imagens de fadas, sereias, fantasmas, ou ainda, deusas vinculadas a fertilidade e heroinas como Afrodite, Cibele, Helena, Atena, etc.

O ARQUETIPICO DA GRANDE MÃE E A EXPERIÊNCIA ARCAICA DA FÓRMULA VASO-CORPO

Em Psicologia analítica o arquétipo do grande feminino, da Grande Mãe, confunde-se em suas variadas manifestações com o simbolo central da própria representação do inconsciente...
Durante o sono o ego retora diariamente ao seio materno do inconsciente do qual se originou e não é difícil adivinhar sua permanência diurna em nossas íntimas nostalgias e fantasias de infância ou no fundo dos mais criativos e profundos devaneios e ansiedades que nos acompanham pela vida a fora.
Como introdução ao tema gostaria de sugerir aqui uma reflexão em torno do simbolo central do feminino, a equação arquetípica corpo-vaso, valendo-me de um fragmento da obra mais conhecida sobre o assunto, ou seja, A Grande Mãe: Um estudo fenomenológico da constituição feminina do inconsciente de Erich Neuman.

“ O núcleo simbólico do Feminino é o vaso. Desde os primórdios da evolução até seus estágios mais recentes, encontramos esse símbolo arquétipo como a essência do feminino. A equação simbólica básica MULHER=CORPO=VASO corresponde, talvez, a experiência básica mais elementar da humanidade com relação ao Feminino, em que este além de vivenciar a si próprio, será vivenciado pelo Masculino.
Todas as funções vitais básicas, principalmente o “metabolismo”, ocorrem neste esquema corpo vaso, cujo o “interior” é desconhecido. Suas zonas de entrada e saída tem um significado muito especial, pois da mesma forma que o alimento e a comida são colocados para dentro desse vaso desconhecido, dele mesmo “nascerão” coisas de todas as funções criadoras, desde as excreções e o sêmen, até a respiração e a palavra.
Todos os orifícios corporais- olhos, ouvidos, nariz, boca, (umbigo), reto, área genital-, assim como a pele, enquanto considerados locais onde ocorrem as trocas entre o interior e o exterior, tinham um aspecto numinoso para o homem primitivo. Por esse motivo, eles também são destacados como áreas de “ornamentação” e proteção e, nas auto-representações artísticas, tem um papel especial enquanto ídolos.
A concretude física do corpo vaso, cujo interior permanece sempre obscuro e desconhecido é a realidade do indivíduo, o local onde vivencia todo o mundo instintivo do inconsciente. Tal processo se inicia com as experiências básicas do recém nascido de fome e sede, que o incomodam de dentro para fora- a partir da escuridão do corpo-vaso- como todo tipo de ânsia, dor e pulsão. Ao mesmo tempo, tanto o ego como a a consciência ocupam tipicamente os seus lugares na mente, onde serão apercebidas, por essas instâncias, reações estranhas, oriundas do interior do corpo-vaso.
A equação arquetípica corpo-vaso é de importância fundamental para a compreensão do mito e da simbologia e, além disso, para compreensão da imagem de mundo do homem primitivo.
(...)
O simbolismo do corpo como vaso ainda está vivo para o homem moderno, na medida em que acredita na existência de uma alma contida no corpo. Também falamos de nossa “interioridade” como o mundo interno, nossos valores mais íntimos etc., quando desejamos nos referir a conteúdos da alma ou do espírito, como se eles existissem “dentro” de nós, em nosso corpo vaso, e como se pudessem 'sair' dele.” (Erich Neumman. A Grande Mãe: Um estudo fenomenológico da constituição feminina do inconsciente. SP: Cultrix, 9º ed, 1999; p. 46)

QUASE EXISTÊNCIA

ACASO E VIDA

O acaso é mais sábio
que os significados
que escrevemos na vida
pelos caminhos do mundo.

Pois a vida
não tem sentidos
guardados em misteriosos propósitos
ingenuamente concebidos
pela ingenuidade d'alma.

A vida é apenas
o ser de todas as coisas
em movimento
dentro da gente
no brincar da sorte
e do acaso.

EGO E VENTO

Esqueço por um instante
o desarticulado conjunto biográfico
esculpido pelas inúteis rotinas
que me dão forma.
Pois vim ao mundo
para saber
a aventura de sucessivos acasos
e desencontrar futuros
no vento norte da vida.

MERLIM E CERNUNNUS

Na Vita Merlini (1135) cuja autoria é atribuida a Geoffroy de Monmouth, Merlim surge como o rei de Demetae ( Dyved-Pais de Gales) que enlouquece diante dos horrores da guerra refugiando-se na floresta da Caledônia ( Velyddon, no sul da Escócia).
Isolado torna-se vidente e profeta assistido por sua irmã Ganeda que lhe constroi um palácio de setenta portas e setenta janelas de onde pode dedicar-se a observação dos astros. O texto é perpassado por suas profecias sobre o futuro da Bretanha.
Este curioso “Merlim Silvestre” encontra-se mais próximo do imaginário pagão do que o “filho do diabo” de Robet de Boron, mas ambos compartilham símbolos comuns. Alguns dos mais significativos são a errância, a ocorrência em ambas narrativas do episódio de previsão de uma trípice morte onde o riso anuncia a vidência associando-se ritualisticamente a ela como um sinal irreverente.
Julgo inútil aqui especular sobre as possíveis fontes comuns utilizadas pelos dois autores; parece-me mais interessante apontar para a definição do mito a partir de certas imagens centrais e configuradoras que levou a tradição a associar a personagem de Merlim a enigmática figura do deus gálico conhecido como Cernunnus ( o cornudo) representado com galhos de cervídio, por exemplo, na bacia de Gundrestup, onde aparece rodeado por diversos animais e serenamente imóvel em posição búdica em uma cena fantástica cujo o pleno significado hoje nos escapa. Sobre Cernunnus, seguro dizer que era um deus da natureza e da floresta possivelmente associado ao Nemeton ( bosque sagrado) do imaginário druidico. Deus das metamorfoses e do renascimento, em alguns aspectos, aproxima-se do mercúrio alquímico e não é realmente difícil entender as razões especulativas que o fizeram ser associado a Merlim....

DEVANEIOS E COTIDIANO



EVASÃO
Não presto atenção
aos cenários dos meus labores.
Sonho montanhas enevoadas
acima da dança dos arvoredos
em qualquer lugar distante
dentro de mim.

A realidade imediata
quase não existe
em suas incertezas,
tumultos e túmulos.

Exploro em emoção sem brilho
as vastidões infinitas
do meu intimo vazio.

NADA E COTIDIANO

Cai sem sentido ao chão
um copo vazio.
Um copo que de repente
não mais existe
e dá vida a cacos inertes
sobre um carpete imundo.

Tudo não passa
de uma caseira banalidade
sem consequências,
algo indigno do título de acontecimento.

Entretanto,
no acaso do copo e dos cacos
vislumbro toda profundidade
do incômodo significado
do NADA
nos pedaços dos meus eus dispersos
no ocaso de alguma vã filosofia.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

LITERATURA INGLESA VII

Oscar Fingall O' Flahertie Wills Wilde (1854-1900) é na verdade um autor essencialmente britânico já que nasceu em Dublin, Irlanda.
Publicou, entretanto, pela primeira vez em Londres seus primeiros versos por volta de 1878 e em pouco tempo notabilizou-se como autor de peças teatrais muito bem sucedidas entre as quais constam O Marido Ideal, O Leque de Lady Windermare e aquela, considerada por muitos sua obra prima, A Esfinge.
Pessoalmente estou mais familiarizado como as densas e indefiníveis páginas do seu único romance: O retrato de Dorian Gray e com suas Histórias de Fadas. Estas últimas, diga-se de passagem, foram escritas. Como se sabe, para seus filhos. Wilde casou-se em 1884 com Constance Mary Lloyd, com quem teve dois rebentos. Após o nascimento destes repentinamente tomou horror da vida conjugal e passou a viver em companhia do jovem Alfred Douglas, escândalo que lhe custou à época dois anos de prisão e toda a boa reputação como escritor. Durante o período de carcere redigiu De Profundis, uma amarga apologia a dor e da melancolia... Mas em suas aparentemente inocentes Histórias de Fadas, já nos deparamos com o amargor e a tristeza como traços essências da vida em meio a feiura, encanto, surpresas, ilusões e desilusões que definem o mundo.
No prefácio que elabora para o Retrato de Dorian Gray, Wilde, como bom critico da moral vitoriana que era, traça a imagem da atividade artística como um exercício absoluto de liberdade, uma criação acima de qualquer restrição ética ou moral, da subjetiva “impressão das coisas belas”... Em suas próprias palavras ao término do citado prefácio:

“ Pode-se perdoar-se a um homem a criação de uma coisa útil, contando que ele não a admire. A única justificativa para a criação de uma coisa inútil é que ela seja admirada intensamente.
Toda arte é absolutamente inútil
.”

Mas esse encantamento pelo beleza encarnada na inutilidade de uma obra de arte pressupõe também que:

“... Toda arte é ao mesmo tempo aparência e símbolo.
Os que penetram abaixo dessa aparência o fazem por sua conta e risco.
Os que decifram o símbolo também o fazem por sua conta e risco. A arte reflete o espectador e não a vida.”


Uma passagem desta obra merece aqui ser citada:

“...- Eu agora, nunca aprovo nem reprovo nada. Aprovar e reprovar são atitudes absurdas para com a vida. Não viemos ao mundo para dar largas aos nossos preconceitos morais. Jamais presto atenção ao uie diz o vilgo, nunca interfiro no que fazem as pessoas sim´páticas. Quando uma personalidade me fascina, seja qual for o modo de expressão escolhido por essa personalidade, considero-o absolutamente satisfatório. Dorian Gray apaixonou-se por uma linda pequena, que personifica Julieta, e pretende casar-se com ela. Por que não? Se casasse com Messalina, nem por isso seria menos interessante. Você sabe que eu não sou um paladino do casamento. O verdadeiro inconveniente do casamento é que ele extingue em nós o egoismo. E os seres sem egoismo são incolores. Carecem de personalidade. Ainda assim, há temperamentos que o estado conjugal torna mais complexos. Esses conservam o seu egotismo e acrescentam-lhe muito muitos outros “egos”. Obrigados por isso a viver uma vida múltipla, tornam-se superiormente organizados. E ser superiormente organizado é, ao meu ver, a finalidade da existência do homem.” (Oscar Wilde. O Retrato de Dorian Gray. Tradução de Marina Gaspary. RJ: Ediouro, 9º Ed., 2001, p.73.)

MARCAS

Tento inutilmente esquecer
que estou aqui,
que as horas demoram
a ficar dentro de mim
definindo o vazio
de tempo souto e insosso
onde me desconheço
no cair morto
dos segundos
que me escapam rebeldes
em um grito de eternidade.
Mas tudo é um momento;
um impertinente acontecimento
no vago e provisório tempo
que escreve-se como ingrata tatuagem
na pele incerta da alma.