Este Blog é destinado ao exercicio ludico de construção da minima moralia da individualidade humana; é expressão da individuação como meta e finalidade ontológica que se faz no dialogo entre o complexo outro que é o mundo e a multiplicidade de eus que nos define no micro cosmos de cada individualidade. Em poucas palavras, ele é um esforço de consciência e alma em movimento...entre o virtual, o real, o simbolo e o sonho.
terça-feira, 4 de setembro de 2007
MUNDO, TEMPO E INFINITO...
TEMPO ENIGMA
Enigmático é o tempo
em que me perco e percebo,
onde só me esclareço
no grito que grita
e me grita
no aprendizado do caos
que faz tudo ser e não ser...
O MUNDO NOS OLHOS...
O mundo se diz nos olhos,
é imagem viva do sonho
de mim mesmo,
ou a quase realidade
de um vento de pensamento
que me conduz a qualquer lembrança
de um instante distante
de paz de infância.
O mundo se diz nos olhos
mas não cabe em qualquer ângulo
do meu olhar,
escapa-me em cada paisagem
como um onipresente segredo
oculto em natureza e acaso
na alma de cada coisa .
C.G.JUNG: FRAGMENTOS/SOBRE MITOLOGIA CRISTÃ
Será que a doutrina da Igreja admite os defeitos morais de Javé? Se sim, então Lúcifer simplesmente retrata o seu criador; se não, o que dizer do Salmo 84, etc.? O comportamento imoral de Javé baseia-se em fatos bíblicos. Não só se pode esperar de um criador moralmente dúbio que crie um mundo perfeitamente bom, nem anjos perfeitamente bons.
Sei que os teólogos sempre dizem: Não devemos subestimar a grandeza, a majestade e a bondade do Senhor, e nem se deve fazer qualquer pergunta. Não subestimo a terrível grandeza de Deus, mas eu me consideraria um covarde amoral se me deixasse amedrontar para fazer perguntas.”
Carta a Victor Wthte- Oxford- 30-04-1952; in Cartas de C.G Jung ( Volume II- 1946-1955); tradução de Edgard Orth; Petrópolis, RJ:Vozes 2002; p. 235.)
NISE DA SILVEIRA: CARTAS A ESPINOSA
Toda palavra, todo discurso ou imagem é, como gosto de repetir, essencialmente fantasia em que nos fazemos e somos... Talvez por isso eu tenha tanto carinho pelas CARTAS A SPINOSA da Drª Nise da Silveira. Texto em que a imaginação e a teoria se confundem com o devaneio e a construção de significados e sentidos que nos faz humanos...
“ Agora, aqui em segredo, ouso supor que você tenha descoberto os poderes do imaginário e de suas possibilidades de organização, admirando, contemplando longamente as pinturas de seu contemporâneo Rembrandt. De certo não lhe escapou que Rembrant não se prendia à realidade objetiva, segundo preferiam grandes mestres da pintura holandesa de sua época. Não estaria ele buscando no claro escuro do imaginário segredos muito íntimos, aspirações inefáveis?
Se numa tela célebre Rafael representou Platão com o indicador voltado para o alto e Aristóteles com o indicador voltado para terra, Remblandt exprimiu talvez coisas mais distantes, pintando Aristóteles com a mão respeitosamente pousada sobre a cabeça de um busto de Homero cego.
Ainda ontem a noite, pensei muito em você, mergulhado na contemplação do Doutor Faustus, ou imóvel, diante do Filósofo com o livro aberto, olhos perdidos, muito além das letras impressas, tranquilo, sentado ao lado de uma escada que se alonga em movimento espiralado não se sabe para onde.
Perdoe tanta ousadia. A sua menor discípula,
Nise”
( Nise da Silveira. Cartas a Spinosa. RJ: Francisco Alves, 2º ed., 1999, p. 97 et seq.)
LITERATURA INGLESA V
Nesta, como em outras obras do autor, chama atenção a sensualidade, a valorização dos sentidos e da matéria, em um jogo mágico narrativo entre percepção, linguagem e desejo. Cabe aqui reproduzir um pequeno fragmento da obra em questão, mesmo que por si só ele não seja suficiente para traduzir toda a sua riqueza:
“O Homem que morrera seguia em frente, e era um dia de sol. Olhava a sua volta enquanto caminhava, e ficou a ver uma récua passar em direção a cidade. E disse a si próprio:
'Como é estranho o mundo dos fenômenos, sujo e limpo ao mesmo tempo! Eu também sou assim. No entanto, não me confundo com ele! E a vida borbulha de modos diversos. E porque motivo queria eu que tudo borbulhasse uniformemente? Que pena, ter eu pregado para eles! Um sermão é bem mais fácil de endurecer como lama, e fechar as fontes, do que um salmo ou uma canção. Cometi um erro. Compreendo que me executaram por ter eu pregado para eles. No entanto, terminaram não conseguindo me executar, pois eis que ressurgi para minha própria solitude, e herdei a terra, posto que nada reclamo do que há nela. Permanecerei só em meio ao borbulhar de todas as coisas, acima de tudo, e para sempre, serei só. Porem devo lançar esse galo no meio do torvelinho dos fenômenos; ele precisa ser impelido por esta onda. Como ele ferve de vida! Em breve, em algum lugar, vou deixa-lo entre as galinhas. Talvez numa tarde qualquer eu conheça uma mulher capaz de cativar meu corpo renascido, mas sem violar minha solitude. Pois o corpo do meu desejo morreu, e não tenho contato com nada. Sei, contudo, e como eu sei! Ao menos, tudo é vida. E esse galo reluz de solitude radiante, embora seja cativado pela atração das galinhas. Vou apressar-me em direção aquela cidade no alto da colina a minha frente; já me sinto fraco e cansado e desejo fechar os olhos a tudo' ”.
(D.H. Lawrence. Apocalípse, seguido de O Homem que Morreu, tradução de Paulo Henrique Britto. SP: Companhia das Letras, 1990,p.144)
A GRANDE RAINHA BRANCA
Uma das mais emblemáticas personagens da história do sec. XIX foi sem dúvida a Rainha Vitória. Pode-se dizer que sua ascensão ao trono em 1837 marcou o início do sec. XIX e o fim do sec XVIII e sua morte em 1901, inaugurou o sec. XX. Como toda periodização ela é arbitrária e subjetiva, mas nem por isso falsa. Em linhas gerais, aquilo que consideramos como a era vitoriana é a personificação de um ethos, uma representação ideal da sociedade européia oitocentista construída pela geração posterior incapaz de lidar com sua complexidade e contradições. Seja como for, a riqueza cultural que define o período vivido por Vitória é fascinante. Basta lembrar que ela foi contemporânea de homens de letras como George Eliot, Charles Dickens, Sir Arthur Conan Dyle, Oscar Wilde, Walter Scolt, Lews Carrol, Thomas Hardey e Jonh Stuard Mill, apenas para citar alguns exemplos.
Mas a longevitude de Vitória e do seu reinado não serviram apenas para identifica-la com toda uma época. Pode-se dizer que com ela a monarquia, que até então mantivera-se na Grã Bretanha por mero imperativo institucional, passou a justificar-se pelas qualidades pessoais do seu soberano. Em outras palavras, como afirma Anka Muhlstein em sua competente biografia sobre Vitória, ou a grande rainha branca, sua personalidade e seu caráter contribuíram para transformar e reforçar o significado da monarquia britânica.
Nas palavras da autora:
“... Foi depois de 1870, mais precisamente depois da cura inesperada do príncipe de de Gales, que, como o pai, quase morreu de uma crise de tifóide, que se sentiu no país o nascimento de um sentimento mais pessoal pela rainha e por sua família. Um novo tipo de autoridade real desenvolveu-se então, não mais baseado em prerrogativas constitucionais ou em uma atividade política, mas na ascendência moral e em uma necessidade psicológica das multidões, que tinham prazer em aplaudir o símbolo vivo de sua grandeza. Os presentes anônimos que se derramaram sobre o palácio de Buckingham por ocasião dos jubileus são um indício desse fervor popular. Em seu casamento, a rainha não recebera um único presente do povo. Talvez involuntariamente, a gorda pequena dama enlutada tornara-se “the Great White Queen”, a grande rainha branca.”
(Anka Mushlstein. Vitória: Retrato da rainha como moça triste, esposa satisfeita, soberana triunfante, mãe castradora, viúva lastimosa, velha dama misantropa e avó da Europa. SP: Companhia das Letras, 1999; p. 138 et seq.)
Este novo tipo de autoridade real foi curiosamente perpetuado no sec. XX pelo também longo reinado de Elisabeth II. Por mais dúvidas que tenhamos hoje em dia sobre o destino da monarquia britânica o fato é que ela sobrevive e afirma sua contemporâneidade na peculiaridade de seus personagens cada vez mais humanos e menos divinos...
FANTASIA E MUNDO
Milhas e milhas de sombras
me separam de mim mesmo...
Como se eu fosse meu próprio outro,
ou um espectro misterioso e estranho
a sonhar o mundo
e inventar a própria vida
em exercícios
e adivinhações de mim mesmo...
INFANCIAS
Existem várias infâncias:
Aquela que vivemos,
a que lembramos,
a que sonhamos
e aquela que reencontramos
inacabada
no fundo da alma adulta..
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
CRÔNICA RELÂMPAGO V
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
APRENDIZADO DO GRITO
EMILY DICKINSON E NOVA INGLATERRA
Poucos versos possuem a força delicada, serenamente melancólica e profunda que encontramos na poesia nativamente norte americana e intimista de Emily Dickinson ( 1830-1886). Aila de Oliveira Gomes,no Prefácio que faz para sua tradução de uma coletânea de poemas desta singular poetisa,assim define com precisão a relevância literária desta fascinante e rara alma feminina e seu lugar na literatura norte americana e universal:
“... Num momento incendido da América, quando reboavam as trombetas de Whitman e se disseminava a pregação místico poética de Emerson, exaltando a self-reliance, Emily Dickinson, modesta, arrisca e, depois, reclusa, abria às escondidas uma nova estrada poética, em direção oposta à de Whitman, mas que, não menos que a dele, desvendaria uma America nova, literalmente autônoma e de repercussão universal. Com material caseiro, retirando de sua arca coisas velhas e novas, e instaurando artesanato inédito, ela verteu em moldes métricos muito simples uma obra poética mais pura que tudo até então tentado em sua terra, numa voz poética liberada, tão revolucionária, a seu modo, quanto a do próprio Whitman.
Não foi, porém, apenas na poesia- por maior amplidão que se dê ao conceito- que Dickinson condensou o espírito americano. Ela não poderia mesmo ter assumido a posição absolutamente central que os críticos hoje reconhecem, se não tivesse vivido, de modo próprio, muito íntimo e profundo, algo que pode ser apontado como um traço crucial do carater e da individualidade do povo americano, isto é, sem que tivesse experimentado em si mesma o conflito nacional entre uma formação calvinista, de rigor puritano, e uma tendência inata a liberação individual. Este pendor era representado em seu tempo pela corrente transcendentalista, que teve em Emerson e Thoreau, suas figuras máximas, e que, desde a época da juventude de Emily, empolgava o próprio baluarte do calvinismo, a Nova Inglaterra.”
Seguem alguns saborosos fragmentos de tradução da citada coletânea:
Dizem “ Com o tempo se esquece”,
Mas isso não é verdade,
Que a dor real endurece,
Como os músculos, com a idade.
O tempo é o teste da dor,
Mas não é o seu remédio-
Prove-o e, se provado for,
è que não ouve moléstia.
***
A Percepção de um Objeto custa
Justo a perda do Objeto.
A percepção é, em si mesma, um ganho
Respondendo por seu preço.
O Objeto Absoluto- é nada-
A percepção é que o revela-
Depois censura a perfeição
Que tão longe se encastela.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Erwin Schrödinger : MENTE E MATÉRIA
“... Embora a substância de que nosso quadro do mundo é construído seja produzida exclusivamente a partir dos órgãos do sentido como orgãos da mente, de tal forma que o quadro do mundo de todo homem seja e sempre permaneça um construto de sua mente e não se possa comprovar que tenha qualquer outra existência, ainda assim a própria mente consciente permanece uma estranha dentro desse construto, não tem espaço vivo dentro dele, não é possível identifica-la em nenhum lugar no espaço. Normalmente, não percebemos tal fato, pois nos entregamos inteiramente ao pensamento de que a personalidade de um ser humano ou, nesse aspecto, também de um animal, esteja localizado no interior do seu corpo. Aprender que ela não pode ser realmente encontrada lá é tão atordoante que suscita dúvida e hesitação, sendo admitido só com grande relutância. Nós nos acostumamos a localizar a personalidade consciente dentro da cabeça de uma pessoa- eu diria uma ou duas polegadas atrás do ponto médio entre os olhos. Dali, ela nos dá, conforme o caso, compreensão, amor e ternura- ou olhares suspeitos e raivosos. Eu me pergunto se alguém alguma vez reparou que o olho é o único órgão dos sentidos cujo caráter puramente receptivo não conseguimos reconhecer no pensamento ingênuo. Invertendo o atual estado de coisas, somos bem inclinados a pensar em “raios de visão”, emitidos a partir do olho, em vez dos “raios de luz” vindo de fora e que atingem os olhos. É frequente encontrarmos tal “raio de visão” representado em um desenho, num texto cômico, ou mesmo em alguns esboços esquemáticos mais antigos cuja finalidade era ilustrar um instrumento ou lei óptica, uma linha pontilhada emergindo do olho e apontando para o objeto, com a direção sendo indicada por uma seta na extremidade.-Caro leitor, ou melhor ainda, cara leitora, lembre-se dos olhares brilhantes e felizes que seu filho lança em sua direção quando a senhora lhe traz um novo brinquedo e então deixe que o físico lhe diga que, na realidade, nada emerge desses olhos; na realidade, sua única função detectável objetivamente é ser continuamente atingido e receber continuamente quanta de luz. Na realidade! Que estranha relalidade! Parece estar faltando alguma coisa.”
Erwin Schödinger. O que é a Vida? O aspécto físico da célula viva seguido de Mente e Matéria e FragmentosAutobiográficos. SP: Fundação Editora da UNESP, 1997 ( UNESP/Cambridge), p. 136 et seq.