terça-feira, 4 de setembro de 2007

NISE DA SILVEIRA: CARTAS A ESPINOSA




Toda palavra, todo discurso ou imagem é, como gosto de repetir, essencialmente fantasia em que nos fazemos e somos... Talvez por isso eu tenha tanto carinho pelas CARTAS A SPINOSA da Drª Nise da Silveira. Texto em que a imaginação e a teoria se confundem com o devaneio e a construção de significados e sentidos que nos faz humanos...

“ Agora, aqui em segredo, ouso supor que você tenha descoberto os poderes do imaginário e de suas possibilidades de organização, admirando, contemplando longamente as pinturas de seu contemporâneo Rembrandt. De certo não lhe escapou que Rembrant não se prendia à realidade objetiva, segundo preferiam grandes mestres da pintura holandesa de sua época. Não estaria ele buscando no claro escuro do imaginário segredos muito íntimos, aspirações inefáveis?
Se numa tela célebre Rafael representou Platão com o indicador voltado para o alto e Aristóteles com o indicador voltado para terra, Remblandt exprimiu talvez coisas mais distantes, pintando Aristóteles com a mão respeitosamente pousada sobre a cabeça de um busto de Homero cego.
Ainda ontem a noite, pensei muito em você, mergulhado na contemplação do Doutor Faustus, ou imóvel, diante do Filósofo com o livro aberto, olhos perdidos, muito além das letras impressas, tranquilo, sentado ao lado de uma escada que se alonga em movimento espiralado não se sabe para onde.
Perdoe tanta ousadia. A sua menor discípula,
Nise”

( Nise da Silveira. Cartas a Spinosa. RJ: Francisco Alves, 2º ed., 1999, p. 97 et seq.)

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