David Herbert Lawrence (1885-1930) é normalmente lembrado pelos romances Mulheres Apaixonadas (1916) e O Amante de Lady Chatterley (1928). Mas a obra que me interessa comentar aqui é menos conhecida, embora nem por isso despida de grande brilho ou inspiração. Refiro-me a pequena novela intitulada “O Homem que Morreu”, releitura singularmente heterodoxa do mito cristão. Nesta narrativa , identificado apenas pelo epiteto “o homem que morreu” , Cristo apresenta-se como um homem que, após experimentar o sagrado em sua própria humanidade e realizar seus desígnios, redescobre o mundo em toda sua sensualidade e concretude antes de finalmente desaparecer.
Nesta, como em outras obras do autor, chama atenção a sensualidade, a valorização dos sentidos e da matéria, em um jogo mágico narrativo entre percepção, linguagem e desejo. Cabe aqui reproduzir um pequeno fragmento da obra em questão, mesmo que por si só ele não seja suficiente para traduzir toda a sua riqueza:
“O Homem que morrera seguia em frente, e era um dia de sol. Olhava a sua volta enquanto caminhava, e ficou a ver uma récua passar em direção a cidade. E disse a si próprio:
'Como é estranho o mundo dos fenômenos, sujo e limpo ao mesmo tempo! Eu também sou assim. No entanto, não me confundo com ele! E a vida borbulha de modos diversos. E porque motivo queria eu que tudo borbulhasse uniformemente? Que pena, ter eu pregado para eles! Um sermão é bem mais fácil de endurecer como lama, e fechar as fontes, do que um salmo ou uma canção. Cometi um erro. Compreendo que me executaram por ter eu pregado para eles. No entanto, terminaram não conseguindo me executar, pois eis que ressurgi para minha própria solitude, e herdei a terra, posto que nada reclamo do que há nela. Permanecerei só em meio ao borbulhar de todas as coisas, acima de tudo, e para sempre, serei só. Porem devo lançar esse galo no meio do torvelinho dos fenômenos; ele precisa ser impelido por esta onda. Como ele ferve de vida! Em breve, em algum lugar, vou deixa-lo entre as galinhas. Talvez numa tarde qualquer eu conheça uma mulher capaz de cativar meu corpo renascido, mas sem violar minha solitude. Pois o corpo do meu desejo morreu, e não tenho contato com nada. Sei, contudo, e como eu sei! Ao menos, tudo é vida. E esse galo reluz de solitude radiante, embora seja cativado pela atração das galinhas. Vou apressar-me em direção aquela cidade no alto da colina a minha frente; já me sinto fraco e cansado e desejo fechar os olhos a tudo' ”.
Nesta, como em outras obras do autor, chama atenção a sensualidade, a valorização dos sentidos e da matéria, em um jogo mágico narrativo entre percepção, linguagem e desejo. Cabe aqui reproduzir um pequeno fragmento da obra em questão, mesmo que por si só ele não seja suficiente para traduzir toda a sua riqueza:
“O Homem que morrera seguia em frente, e era um dia de sol. Olhava a sua volta enquanto caminhava, e ficou a ver uma récua passar em direção a cidade. E disse a si próprio:
'Como é estranho o mundo dos fenômenos, sujo e limpo ao mesmo tempo! Eu também sou assim. No entanto, não me confundo com ele! E a vida borbulha de modos diversos. E porque motivo queria eu que tudo borbulhasse uniformemente? Que pena, ter eu pregado para eles! Um sermão é bem mais fácil de endurecer como lama, e fechar as fontes, do que um salmo ou uma canção. Cometi um erro. Compreendo que me executaram por ter eu pregado para eles. No entanto, terminaram não conseguindo me executar, pois eis que ressurgi para minha própria solitude, e herdei a terra, posto que nada reclamo do que há nela. Permanecerei só em meio ao borbulhar de todas as coisas, acima de tudo, e para sempre, serei só. Porem devo lançar esse galo no meio do torvelinho dos fenômenos; ele precisa ser impelido por esta onda. Como ele ferve de vida! Em breve, em algum lugar, vou deixa-lo entre as galinhas. Talvez numa tarde qualquer eu conheça uma mulher capaz de cativar meu corpo renascido, mas sem violar minha solitude. Pois o corpo do meu desejo morreu, e não tenho contato com nada. Sei, contudo, e como eu sei! Ao menos, tudo é vida. E esse galo reluz de solitude radiante, embora seja cativado pela atração das galinhas. Vou apressar-me em direção aquela cidade no alto da colina a minha frente; já me sinto fraco e cansado e desejo fechar os olhos a tudo' ”.
(D.H. Lawrence. Apocalípse, seguido de O Homem que Morreu, tradução de Paulo Henrique Britto. SP: Companhia das Letras, 1990,p.144)
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