sexta-feira, 28 de abril de 2017

SOBRE AS METAMORFOSES DO REAL

O vazio da realidade não conduz ao falso ou ao ilusório, mas a uma metamorfose do sentido e da experiência do real como signo e símbolo. 

Nossos enunciados já não se inscrevem na ordem de um discurso "verdadeiro", não são orientados por  um télos,  uma finalidade ou sentido. Inscrevem-se agora no aleatório devir da experiencia imediata e do nomadismo existencial. 

O esvaziamento do real é sua plena realização, sua ruptura com toda metafísica do sentido e reconhecimento da simulação como o mais elementar artifício  da imaginação humana.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

SOBRE ENUNCIADOS E A CONSTRUÇÃO DO "EU"

O exercício da palavra, oral ou escrita, é por definição uma expressão, fazer-se visível mais do do que um aro de comunicação. Pois,  enquanto a comunicação remete ao diálogo,  o dizer  é um apresentar-se  através de enunciados impessoais aos quais aderimos e transformamos.

Através das palavras o "nós" identifica o "eu" como porta voz do significado teleológico ou conjunto de preposições. Somos reconhecidos em nossa singularidade pela forma  singular através da qual expressamos conteúdos arbitrariamente selecionados e redefinidos  na singularidade do sentido de uma narrativa.

A geografia de nossos gestos  de linguagem nos projeta nos outros como "eu". Isto é profundamente banal e, ao mesmo tempo, profundamente significativo no acontecer intersubjetivo dos enunciados.

domingo, 23 de abril de 2017

SOBRE O OFÍCIO DE SUCUMBIR SEGUNDO ASSIM FALOU ZARASTRUSTRA DE NIETSZCHE

Assim Falou Zaratruta: Um Livro Para Todos e Para Ninguém. é uma daquelas obras que se apresentam ao olhar perdido do mais humilde leitor como um labirinto que se reinventa em releituras constantes.

Já no prefácio de Zaratrusta nos confrontamos com o surpreendente desafio de sucumbir a nós mesmos:

" Amo aqueles que não sabem viver a não ser como os que sucumbem, são os que atravessam."

Assim, nos descobrimos como uma cordas estendida  sobre um abismo, nos fazemos contra o otimismo do "Ultimo Homem" aprendendo o ofício de sucumbir. Que aqui se diga em todas as cores vivas das letras que o ofício de viver  é aprender a sucumbir:
"Amo aquele que ama a virtude : pois virtude é vontade de sucumbir e um dardo da aspiração."
Precisamos urgentemente dialogar com o abismo para reaprender a vida contra todo humanismo....

sábado, 22 de abril de 2017

A MORTE DO EU

É estranho como nosso desapontamento com a vida  social pode ser medido pelas derrotas em nossa vida privada ou pessoal. Não há mais  uma clara fronteira entre o público e o privado em tempos de massificação e espetáculo. Estar em casa se tornou impossível em qualquer lugar virtual ou real. Nos sentimos em todos os sentidos desabrigados e obrigados ao outro para fugir do mais profundo imediato de nós mesmos através dos simulacros do coletivo.Deveria ser o contrário. Mas perdemos a realidade de nosso rosto em mutação através das agonias do sempre igual de todos.

O MAR

O mar sempre se repete
sem fim ou começo.
É  sempre movimento
na naturalidade do seu estar ali.

Fechado em seu corpo de abismo
conversa com o céu e com o vento
e, as vezes, afunda navios.

O mar é como o intimo caos
que contem tudo aquilo que existe.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

COMO ACONTECE A NARRATIVA

A unidade verbal das palavras é dada pelo significado. Mas o significado de um enunciado transcende a gramática e sua função de signo. Todo texto literário ou filosófico possui um sentido aberto, orientado pela teleologia  autoral e a hermenêutica do leitor. Nesta dialética ele acontece e se apresenta em situação de linguagem, afirmando-se como narrativa , como encadeamento de imagens de pensamento e consciência. 
Escrever é dialogar com um outro de si mesmo que entre a intuição e o conceito, inventa o leitor.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

RAZÃO, MITO E PENSAMENTO NA CONTEMPORÂNEIDADE

A  oposição entre o método dialético ( de inspiração sociológica) e o método lógico ( de inspiração neo positivista) torna-se uma falsa questão quando estabelecemos  a imaginação e o símbolo como uma premissa elementar de toda codificação da realidade.O pensamento não é uma questão de método, mas de fantasia criativa.

Pressuponho aqui, todo acontecer  humano como um ato mental e uma experiência imagética e irracional  do qual a própria racionalidade não passa de um produto, de uma fantasia, assim como qualquer representação ou elaboração possível de uma realidade. Ouso, portanto,  dizer que nossas racionalizações possuem um fundamento compulsivo e irracional.

MITO E PENSAMENTO

A arte do pensamento não se confunde com o exercício da razão.
Pensar é quase um encantamento,
é a aventura de se inventar através de enunciados
contra o silêncio de palavras antigas
que perderam a vida.
Pode ser descrito como um exercício 
de desconstrução criadora
através da da máscara de um texto
onde se reinventam significados, gramáticas e símbolos,
que buscam dizer a existência
através dos mitos.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

DESCONSTRUÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Estamos cada vez mais distantes  do encanto descuidado por qualquer utopia social ou ideal moral de humanidade ou futuro. Coletivamente, em tempos de incertezas, duvidas e vertigens de pós verdades,  somos como dejetos das velhas apostas nas possibilidades da razão e da civilização. Aprendemos a rir dos manuais historiográficos e de todo o patrimônio da Humanidade. Somos indiferentes ao passado  e ao presente e pouco nos importamos com o futuro. Vivemos em um mundo onde as grandes ambições humanistas se revelaram pueris. 

As incertezas contemporâneas nos obrigam ao trivial do imediatismo epocal e a desconfiança das convicções e meta verdades  ideológicas. Afinal, a própria condição humana não é grande coisa e se realiza contra suas melhores expectativas e representações morais.

Não somos se quer aquele rosto que nos surpreende no espelho. O eu é cada vez mais um outro contra a mimese da invenção vazia de identidades.



sábado, 15 de abril de 2017

NIETZSCHE E OS MALES DA HISTÓRIA

Originalmente publicada em 1874, a II Consideração Intempestiva: Sobre a utilidade e os Inconvenientes da História para Vida, é um ensaio crítico ao historicismo e, especialmente a filosofia da História de Hegel, tanto quanto um surpreendente elogio ao esquecimento diante da compulsão a historicidade absoluta.

Para Nietzsche, a historicidade pode ser nociva e o elemento a-histórico e trans-histórico são tão necessários a  saúde de um indivíduo, de um povo e de uma cultura, quanto o próprio elemento histórico. Esta é uma das premissas mais interessantes de seu texto. Para ele, em excesso, o conhecimento histórico pode ser desastroso. Diferente do proposto pelo Historicismo, o sentido da existência humana não se revela progressivamente através do tempo como realização de um propósito, de uma meta racional ou sentido universal. A vida humana não é definida pelos supostos imperativos de um processo histórico, mas por um imediatismo pragmático e por representações transpessoais de mundo de natureza a-histórica e simbolicamente voltadas para todas as formas de representação da existência que transcendem o devir.

Para Nietzsche, neste breve ensaio em referência, existiram em sua época  três modos de codificar o conhecimento histórico: o monumental ( do culto aos heróis) o tradicionalista ( da identidade coletiva ou memória social) e o modo crítico ( que condena o passado em nome do tempo presente e do progresso) Os três modos são limitados pelo abismo que ele identifica, em sua época, entre o conhecimento histórico e a vida criado pela pretensão megalomaníaca de reduzir a história a formula positiva de uma ciência do devir universal.

Segundo Nietzsche, tal tipo de narrativa historiográfica não passaria de uma interioridade à qual não corresponderia nenhuma exterioridade. Por isso, para ele, a historiografia de seu tempo recusava a sua contemporaneidade qualquer singularidade, impregnando-se de épocas, costumes, filosofias, religiões e saberes  de outros tempos e civilizações. A historiografia moderna teria, então, inventado os historiadores como  manuais  ambulantes, em abstrações concretas de uma cultura de simulacros. Parafraseando o autor, o excesso de história destruiu, assim, a força plástica da vida, nos privando de utilizar o passado como um alimento substancial.

Os antídotos para os males da História são as forças a-históricas e supra históricas. A primeira remete a facilidade de esquecer e se fechar em um horizonte limitado e pragmático, enquanto a segunda  nos desvia o olhar do devir, ocupando-se do que proporciona ao existir durabilidade trans pessoal, ou seja, as artes e a religião.  Segundo sua argumentação, deve a vida dominar o conhecimento ( ciência) e o conhecimento reinar sobre a vida, no que diz respeito a cultura de um povo ou de  um indivíduo.

 Nietzsche faz clara referência ao que considera a  concepção grega de cultura que, contrariando a concepção latina, vê em si mesma uma nova e melhor physis ( “natureza” ou arché , principio interno e estruturador). Desta forma, a cultura realiza o acordo entre vida e pensamento, entre a aparência e o querer, permitindo a cada indivíduo organizar seu caos interior, refletindo sobre as suas verdadeiras necessidades, eu diria, arquetípicas. O fato é que cabe as codificações simbólicas e culturais a organização do caos ontologicamente vivido, utilizando o passado como um alimento substancial, mas sem os excessos da metafisica de uma história universal erudita e oca.
A critica de Nietzsche aos eruditos de seu tempo, especialmente aos partidários da teleologia hegeliana, ainda goza de certa atualidade em nossos tempos pós modernos. Pois, de modo mais geral, é uma recusa radical do tipo de intelectualismo racionalista, livresco, que divorcia pensamento e vida, privilegiando dogmas e ideologias.

Lembrando aqui Baudrillard, precisamos  buscar aquilo que no sujeito é  irredutível a ele mesmo e ao objeto. Precisamos reinventar nossos esquecimentos contra os males da história.


SOBRE OS INCONVENIENTES DA CONSCIÊNCIA HISTÓRICA

A ideia de continuidade, de processo, de acumulação, que caracteriza a consciência histórica, é uma fantasia desastrosa legada pelo imaginário dogmático e cientificista dos oitocentos. Pois o existir humano é feito de descontinuidades, singularidades e ilegíveis silêncios de significação.

Uma dada época não se comunica com suas sucessoras, assim como uma configuração cultural circunscrita a uma sociedade e tempo não se relaciona com suas próprias mutações em termos de causalidade, mas toma a si mesma  como um parâmetro absoluto.

A história humana é um verdadeiro caos onde o passado não informa o tempo presente, nem mesmo em termos pedagógicos, mas o contradiz na exata medida em que é domesticado pela consciência histórica do momento e suas urgências e parcialidades.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

SOBRE LER E ESCREVER

"Os eruditos  são aqueles que que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores  da espécie humana  são  aqueles que leram diretamente no livro da vida."
A. Schopenhauer in  A  arte de Escrever.

Nunca acreditei na erudição e na compulsão de ler dos consumidores de livros adeptos do artificio do conhecimento enciclopédico. O único sentido da boa leitura é o cultivo da arte de escrever , de criar e inventar. Ler, pura e simplesmente por ler é uma habito infecundo. 
Os verdadeiros leitores vomitam, escrevem e se rendem a loucura e a convulsão do dizer....

Através do escrito pessoal e próprio, inventamos aquele outro da palavra que nos faz ser onde quase não existimos de tão intensa experiencia de existir

EU ESTATISTICA

O documento de identidade
é onde não posso ser reconhecido
ou decifrado.
Mas é o simulacro
através do qual me apresento
como parte do jogo
de existir de fachada,
de ser através de um emprego
e de uma casa,
que já não dizem nada
sobre todos aqueles que fui,

sou e serei
  além dos  números,

senhas e cadastros.

DECONSTRUINDO O PASSADO

"Do que sofre o´passado? Não há, mais proporção entre as coisas: um achará isto importante, outro achará aquilo. O passado se decompõe: este elemento parecerá simpático a alguém, que se manterá frio e indiferente diante de outro. As coisas insignificantes se encontrarão, além disso, perpetuadas."
F. Nietzsche in Fragmentos Póstumos e Aforismas

O passado foi reduzido a um apêndice do tempo presente e relegado as sombras do esquecimento. Aquilo que já está morto não faz mais diferença. Serve apenas como distração ou como uma forma de evasão lúdica para os momentos de lazer. As paginas da historia não dizem o futuro. Portanto, não oferecem qualquer suo prático. 

O fato é que já não somos mais oprimidos pelos "classicismos" e nem pela fantasia teleológica do processo histórico. O tempo presente e suas urgências é tudo que nos interessa em meio ao despropósito de todas as épocas.  O passado é como uma vitrine onde escolhemos com o que nos entreter  de acordo com o momento e com nosso temperamento. 

terça-feira, 11 de abril de 2017

SOBRE O MISERAVEL DO HUMANO

Na medida em que o conceito de humano substituiu a idéia de sagrado em nossas codificações de mundo e realidade, nos tornamos prisioneiros daquilo que não somos... os senhores deste mundo, o ponto mais alto da evolução biológica, quando não passamos do mais estupido dentre os animais. Como apontado por F. Nietzsche, a morte de "Deus"  também representa a superação de nossa humanidade... Não somos a medida do mundo. É preciso partir do mundo para chegar ao próprio mundo e não deste sonho que é o Homem.

O MUNDO COMO SIGNIFICADO

O mundo não passa do inventar de significados e sentidos , uma exigencia da existencia  humana que nos impoem  o desafio da inventar de uma realidade  plena de representacoes e propositos. Mesmo que isso não seja um dado objetivo, um atributo da realidade. Projetamos em todos os fenomenos  que experimentamos  nossa compulsão natural  por significacoes , nossa necessidade irracional  por propositos que , paradoxalmente, explica  a Razao  como instrumento da consciencia , como artificio do corpo fisico para adaptar-se a experiencia do mundo.

O MUNDO COMO PARADOXO

O mundo é o outro
que me inventa e transcende.
É o objeto que se revela sujeito
no inventar-se da realidade.
Ele é o falso absoluto
que me define efêmero,
irrelevante e incerto.

O mundo é essencialmente
tudo aquilo que não sou
quando só posso ser
através dele.

sábado, 8 de abril de 2017

A MÁSCARA DO AUTOR

"No ato de escrever, o momento mais cativante é o da condensação, da elipse, da rarefação. Recriar núcleos cada vez mais densos, em torno dos quais a luz fica desorientada, e o pensamento também, já que perde o sentido da sua origem. "
Jean Baudrillard in COOL MEMORIES II  Crônicas 1987-1990

Um texto transcende seus enunciados.
É pouco evidente naquilo que diz
na construção de imagens 
que extrapolam meta linguagens.
Quem escreve não domina o texto,
é seu escravo,
que através da máscara autoral
inventa significados
que não cabem em qualquer palavra.
O dito é a superfície do escrito,
o quase invisível através do indisíivel
do que foi pensado.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O SENTIMENTO DA PAISAGEM

Embora a paisagem  seja composta pelo somatório de uma diversidade de objetos individualizados, seus detalhes me escapam. Apenas posso apreende-la como totalidade aberta, em movimento, onde cada detalhe se relaciona ao outro como peças de um quebra cabeça.

Percebo ritmos e movimentos que fazem do espaço povoado de coisas  uma especie de atmosfera que me envolve e reduz a mais um objeto entre tantos outros. O que vejo é parte de mim mesmo através da consciência do que me circunda. Sou um ponto dentro da paisagem e, portanto, a própria paisagem. 

O tempo e espaço ofusca o devir... Mas a paisagem é atemporal como um quadro em seu estático movimento de acontecer.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

SOBRE LER E ESCREVER

"O hábito de escrever é mais importante do que a prática da leitura. O que já foi dito por Schopenhauer em Parerga e Paraliponema (1951) . Em dado momento de seus aforismos ele nos remete nesta obra a um epigrama  curioso de A.W. Schelegel:

"Leiam com afinco os antigos, os verdadeiros
e autênticos antigos: O que os modernos dizem
sobre eles não significa muito."

Aquilo que se escreve ao sabor  das tendencias contemporâneas  esta normalmente fadado ao efêmero ou a prisão de sua época. É preciso buscar no atemporal as referências para o bem escrever e, assim, apreender o "espirito humano" sem se deixar contaminar pelas urgências do simples agora. Desta forma, nos qualificamos a pensar e escrever por nossa própria conta, dizendo o mundo e as coisas, segundo nossa mais intima e autentica sensibilidade. Não há maior contradição do que ler em demasia  sem cultivar o habito de inventar suas próprias linhas. Todo bom leitor é também um escrevinhador, uma vez que a leitura não é um ato passivo.