Originalmente publicada em 1874,
a II Consideração Intempestiva: Sobre a utilidade e os Inconvenientes da
História para Vida, é um ensaio crítico ao historicismo e, especialmente a
filosofia da História de Hegel, tanto quanto um surpreendente elogio ao
esquecimento diante da compulsão a historicidade absoluta.
Para Nietzsche, a historicidade
pode ser nociva e o elemento a-histórico e trans-histórico são tão necessários
a saúde de um indivíduo, de um povo e de
uma cultura, quanto o próprio elemento histórico. Esta é uma das premissas mais
interessantes de seu texto. Para ele, em excesso, o conhecimento histórico pode
ser desastroso. Diferente do proposto pelo Historicismo, o sentido da existência
humana não se revela progressivamente através do tempo como realização de um propósito,
de uma meta racional ou sentido universal. A vida humana não é definida pelos
supostos imperativos de um processo histórico, mas por um imediatismo
pragmático e por representações transpessoais de mundo de natureza a-histórica
e simbolicamente voltadas para todas as formas de representação da existência
que transcendem o devir.
Para Nietzsche, neste breve
ensaio em referência, existiram em sua época três modos de codificar o conhecimento
histórico: o monumental ( do culto aos heróis) o tradicionalista ( da
identidade coletiva ou memória social) e o modo crítico ( que condena o passado
em nome do tempo presente e do progresso) Os três modos são limitados pelo
abismo que ele identifica, em sua época, entre o conhecimento histórico e a
vida criado pela pretensão megalomaníaca de reduzir a história a formula
positiva de uma ciência do devir universal.
Segundo Nietzsche, tal tipo de narrativa
historiográfica não passaria de uma interioridade à qual não corresponderia
nenhuma exterioridade. Por isso, para ele, a historiografia de seu tempo
recusava a sua contemporaneidade qualquer singularidade, impregnando-se de
épocas, costumes, filosofias, religiões e saberes de outros tempos e civilizações. A
historiografia moderna teria, então, inventado os historiadores como manuais ambulantes, em abstrações concretas de uma
cultura de simulacros. Parafraseando o autor, o excesso de história destruiu,
assim, a força plástica da vida, nos privando de utilizar o passado como um
alimento substancial.
Os antídotos para os males da
História são as forças a-históricas e supra históricas. A primeira remete a
facilidade de esquecer e se fechar em um horizonte limitado e pragmático,
enquanto a segunda nos desvia o olhar do
devir, ocupando-se do que proporciona ao existir durabilidade trans pessoal, ou
seja, as artes e a religião. Segundo sua
argumentação, deve a vida dominar o conhecimento ( ciência) e o conhecimento
reinar sobre a vida, no que diz respeito a cultura de um povo ou de um indivíduo.
Nietzsche faz clara referência ao que considera
a concepção grega de cultura que,
contrariando a concepção latina, vê em si mesma uma nova e melhor physis ( “natureza” ou arché , principio interno e
estruturador). Desta forma, a cultura realiza o acordo entre vida e pensamento,
entre a aparência e o querer, permitindo a cada indivíduo organizar seu caos
interior, refletindo sobre as suas verdadeiras necessidades, eu diria, arquetípicas.
O fato é que cabe as codificações simbólicas e culturais a organização do caos
ontologicamente vivido, utilizando o passado como um alimento substancial, mas
sem os excessos da metafisica de uma história universal erudita e oca.
A critica de Nietzsche aos
eruditos de seu tempo, especialmente aos partidários da teleologia hegeliana,
ainda goza de certa atualidade em nossos tempos pós modernos. Pois, de modo
mais geral, é uma recusa radical do tipo de intelectualismo racionalista,
livresco, que divorcia pensamento e vida, privilegiando dogmas e ideologias.
Lembrando aqui Baudrillard,
precisamos buscar aquilo que no sujeito
é irredutível a ele mesmo e ao objeto.
Precisamos reinventar nossos esquecimentos contra os males da história.