É redundante dizer que Jung foi um critico da modernidade e suas instituições políticas, tanto quanto da modalidade de coletivização social representada pela massificação que definiria as sociedades pós industriais do ocidente. Mas para uma compreensão adequada de sua critica é conveniente bem compreender o papel que o processo de individuação desempenha em seu pensamento.
Podemos em linhas muito gerais defini-lo como um novo foco de subjetivação centrado na experiência psicológica da unidade dos opostos, na emancipação do individuo das regras coletivas mediante a elaboração ou constelação de uma imagem e sentimento próprio de mundo através da progressiva retirada de projeções e integração de conteúdos psíquicos.
A individuação, mais do que um processo vital, compreende o novo mito elaborado e vivido pelo homem contemporâneo, uma resposta a diluição de sua consciência nas configurações impostas pela sociedade de massas.
Valho-me do seguinte fragmento para aprofundar esta delicada questão:
“ Vivemos numa época de conturbação e desintegração. Tudo tornou-se problemático. Como costuma acontecer em tais circunstâncias, conteúdos do inconsciente forçam passagem para as fronteiras da consciência com a finalidade de compensar a situação de emergência. Vale a penas, pois, examinar minunciosamente todos os fenômenos limite, por mais obscuros que possam parecer, a fim de descobrir neles os germes de uma nova ordem possível. O fenômeno da transferência é, sem duvida alguma, uma das síndromes mais importantes e decisivas do processo de individuação e significa mais do que uma simples atração e repulsa de ordem pessoal. Graças a seus conteúdos e símbolos coletivos, ele ultrapassa de longe a pessoa, e atinge a esfera do social, trazendo-nos à memória aqueles contextos humanos superiores que, por dolorosa que seja, faltam à nossa ordem, ou melhor, à desordem social dos nossos dias. Os símbolos do circulo e da quaternidade , tão característicos do processo de individuação, remetem-nos, por um lado, ao passado, a uma ordem originaria primitiva da sociedade humana e, por outro, apontam para o futuro, rumo a uma ordem interior da alma, como se esta fosse instrumento indispensável à reorganização da comunidade cultural, em oposição às organizações coletivas tão apreciadas hoje em dia, as quais constituem um agregado de seres semi-humanos, inacabados e imaturos. As referidas organizações só tem sentido, se o material que pretendem ordenar é de algum valor. O homem massificado, contudo, não tem valor; é uma simples partícula que perdeu sua alma, isto é, o sentido de sua humanidade. O que falta ao nosso mundo é a conexão anímica. Não há associação profissional ou comunidade de interesses econômicos, não há partido político ou Estado que possa jamais substitui-la. Não é de estranhar-se, portanto, que não sejam os sociólogos, mas sim os médicos, os primeiros a sentirem claramente as verdadeiras necessidades dos homens, pois ao eles, como psioterapeutas, osque lidam mais de perto com as aflições da alma humana.”
( C.G. Jung. Obras Completas. Vol. XVI/2: Ab-reação, Analise dos Sonhos, Transferência./ tradução de de Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 186 et seq.)