segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

SEM NOVIDADES

Não há novidades contra a normalidade,
contra toda modernidade que nos rouba futuros e sonhos.

O mundo não para de morrer
e o amanhã, ainda, está longe de nascer.

Sendo assim, tudo que importa é sobreviver
entre o passado e o futuro
equilibrados no possível
do quase distópico.

Lamento por todos que irão nascer,
 sobreviver, sem novidades,
nos últimos dias das humanidades.
 







quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

PSICOLOGIA DO ALTRUÍSMO

Há algo sombrio
no coração daqueles que reivindicam bondade
ou fazem apologia do altruísmo e da mais desinteressada generosidade.

Há quase sempre
uma motivação  inconfessável
 no coração dos agentes da  solidariedade,
uma obscura necessidade de poder, controle e  superioridade,
que não ousa diagnosticar
a mais profunda psicanálise.

Cuidado com os benfeitores da humanidade
que quase sempre alimentam
a brutal autoridade dos mais cruéis  ditadores
apenas para satisfazer  sua infinita vaidade.

O fato é que quase sempre,
no coração da bondade,
bate algum tipo de insuspeitável  maldade.




sábado, 3 de fevereiro de 2024

A NATUREZA DA PSIQUE

O homem é o cérebro.
O mundo é o cérebro.
O dentro e o fora
são o cérebro.
A alma é o cérebro.
A linguagem é o cérebro.

O Si mesmo está, entretanto,
de alguma forma,
além do cérebro,
do homem e do mundo.
Pois ele é natureza,
o não lugar de todas as coisas,
o simulacro absoluto.


quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O QUE ME IMPORTA

O que me importa
é o que nunca será dito
ou escrito.

O que permanecerá inaudito,
incompreensível,
dentro do nosso mudismo.

O que me importa
é o que faz toda palavra morta.
É este silêncio que apaga
tudo que foi possível.
É está faltando que me preenche
como um rio que me afoga.

O que me importa
é tudo que não tem resposta.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

SUBJETIVAÇÃO

Nunca serei sujeito de nenhuma verdade 
ou prisioneiro de qualquer identidade.

Minha subjetividade se faz na arte
de me reduzir a miragem,
de me deixar seduzir pelo devir e a paisagem.

Ser é, para mim,
 sempre me perder em algum ponto móvel
entre o mundo e mim mesmo,
entre silêncio e linguagem,
além da aparência e da essência.

Viver é não ser parte de nada
na experiência de tudo.
É nunca ter expectativas.
É aprender a morrer
na eternidade de cada segundo.

Não há diferença significativa
entre um ser humano e uma barata.


domingo, 28 de janeiro de 2024

EXISTÊNCIA E INCERTEZA

O não lugar de mim mesmo
é o canto incerto de cada coisa
que define o mundo
ou acontece  muda
na mudança do simples passar  das coisas.

Sou eu uma não referência de tudo,
o paradoxo do dentro do fora.
Meu lugar é a morte
que me sustenta a vida
como vertigem e incerteza.

Desde sempre,
tudo que sei,
é que quase existo.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

MEU MODO DE SER NO MUNDO

Eu sou o que vejo
e o mundo é como eu sou.
Mesmo que eu seja ninguém
e o mundo seja sempre muitos,
apesar de único.

Sei que  mudo o tempo todo
e o mundo é sempre um  outro
inventando o futuro.

Talvez um dia eu me torne alguém,
antes que o nada me arranque de tudo.

Mas, bem lá  no fundo,
onde eu não vejo
e não sou o mundo,
há um rosto mudo
esperando por mim,
ou por alguém,
que nunca chega,
e sempre está por vir,
ou esperando que o dia amanheça.

Na vida,
tudo que há é transição ,
indeterminação e incerteza.

Sou como me vejo no mundo
e não como o mundo me enxerga.





CONTRA A PSICANÁLISE


Sou louco.
Com toda lucidez do mundo.
Admito que sou 
um fiel devoto da minha falta de juízo.

Jamais me farão procurar uma cura
ou adaptar-me a realidade.
Sou avesso a normas
e a toda moralidade.

Sou louco
e isso me basta.
Não me queiram submisso
ao tédio das psicanálises.
Gosto do colo das tempestades.

Minha singularidade, 
minha desracionalidade,
não cabe na máscara de Édipo,
no jogo tolo de Papai e Mamãe,
e não se resolve com o velho truque da confissão.
Meu sonho é livre de interpretações.














domingo, 21 de janeiro de 2024

O PASSADO COMO PARADOXO


O passado é o eterno retorno
da expectativa de um passo
que já foi dado.

É um futuro que já aconteceu,
é alguém que já nasceu,
que morreu.

É o movimento,
a inconstância e incerteza,
do que já foi consumado.

O passado é quem não está mais ao meu lado.
É sempre a presença de uma ausência.
É o que nunca aconteceu.




SUPREMO SILÊNCIO


Em tudo que há 
existe um grande silêncio.
Ele impregna todas as coisas vivas e inanimadas,
confundindo-se com a escuridão do  universo.

Assim, o mundo, a natureza,
toda matéria,
acontece dentro do corpo,
quase infinito, deste silêncio.

Ele  envolve,
 consome, cala,
e reduz a nada todo complexo edifício de palavras
que dedicamos a vida.

Trata-se de um silêncio absoluto, onipotente, onipresente,
e indiferente ao sopro, ao som, 
e ao verbo.

Um silêncio que se  estende do  início  ao fim de tudo.

Um atemporal, 
insuperável,
 e quase insuportável silêncio,
que não será ultrapassado
pela soma de tudo que já foi e será dito ou escrito
ao longo da soma de todos os séculos.

Este silêncio é, simplesmente,
a morte.