domingo, 15 de dezembro de 2019

A ÉTICA DAS LETRAS


Não buscamos mais a palavra precisa,
A ilusão  metafísica de qualquer verdade universal.
Ignoramos o letramento ,
O logocentrismo do narcisismo ocidental.

Buscamos a imanência, 
O afeto e o corpo,
A terra e a anima mundi.

Sabemos por intuição a nervura
Do Ser da linguagem 
Na tela em branco.

Buscamos a existência,
A lisura e sujeira do pensamento,
A diferença,  a estridência 
E a dissonância do sentimento
Na experimentação  do mundo.

Já não há muito a dizer.
Produzimos e escrevemos
Formas de vida,
Éticas e estéticas,
Convertendo letras em gestos. 




MUSICA E IMANÊNCIA

Sinto saudades de mim.
Afinal, ao longo dos anos,
Já  fui tantos, 
Mediante diferentes modos de sentir,
Saber e existir através do mundo e dos outros, 
Que agora mesmo,
Não  me reconheço.  
Pouco sei de mim.

Há apenas o corpo
Através  das coisas
Fora da representação, 
Da palavra,
Convertendo o próprio pensamento
Em extensão. 
Há unidade apenas no virtual da memória,
No devir da saudade da ilusão  de ser,
De me confundir com o espaço. 

A composição  de uma vida 
É  como uma música que escuta,
Quase uma alucinação. 

Sou o eco de uma melodia que fui,
Que flui,
E, através  de mim,
Ainda ouve a si mesma
No compasso do tempo de sua escrita,
Do seu movimento e execução. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

MUITO ALÉM DA ESCOLA

Contra tudo que me ensinaram em uma cela de aula, aprendi a ser livre, por excesso de vitalidade.
Conservei-me selvagem, experimental e criança, 
Onde me queriam inteligente, obediente
E conformado ao rebanho.
Descobri que a vida é  uma experiência 
Que transborda 
Na intensidade dos corpos e das imaginações 






segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

COISAS


Além do eu que inventa o falso dos meus dias,
Sou apenas coisa feita de coisas
Sabendo coisas que criam  coisas.

Sou a imaterialidade concreta das coisas...
E como são  misteriosas as coisas
Quando se é apenas uma coisa
No movimento e metamorfose das coisas!


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

DA COISA A PALAVRA


Não acredito naquilo que diz um nome.
As coisas não habitam o nome.
O nome diz apenas a realidade do ato de nomear,
testemunha a potencia da imaginação verbal
contra a realidade muda da coisa.
A palavra já  é em si uma realidade,
a materialidade de uma significação.


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

QUANDO OS LIVROS FOREM APENAS LIVROS


Quando os livros forem apenas livros
voltaremos a leitura do mundo
através do corpo
que escreve os dias.
Seremos notas de rodapé
no quase ilegível texto
tendente ao infinito da nossa condição humana.


DIZER O MUNDO

Leio o mundo até  me perder de mim mesmo,
Até  a possibilidade de escrever a vida
Como multiplicidade e indeterminação,
Jamais  como abstração ou verdade.

O mundo é  a matéria viva da escrita de ser.
É sujeito e objeto que me esclarece,
Enquanto me distraio  comigo 
Ignorando os olhos da morte. 

Meu mundo é  maior que o mundo 
E quase não cabe no ato de dizer.

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A PALAVRA COMO HABITAT




Somos na modéstia de um dizer pequeno que re-apresenta o mundo através de um caco qualquer de realidade. Ele funda uma perspectiva, um modo de sentir e saber, que configura a existência como ethos, que define uma forma de vida, um dizível que dá forma ao invisível...

A palavra é nosso lugar de mundo. Através dela nos inventamos e reinventamos, sem nos dar plenamente conta do quanto a consciência é um ato de criação, não um reflexo do mundo como exterioridade, mas nossa própria lugar de ser em linguagem.

Em suma, habitamos palavras, desenraizados de nós mesmos.




quinta-feira, 21 de novembro de 2019

DIFERENÇA E DEVIR




A diferença transcende a ilusão da essência.
Ela expressa o plural, o impreciso e o dissonante
no movimento do diverso.

A diferença é o regime do inacabado
que estabelece o movimento da existência
como exercício de imanência e sentido
indiferente aos ritmos das permanências.

A diferença é o fluir das coisas
no quase ser da gente.

VERTIGEM PÓS MODERNA



É mais do que evidente a partir da segunda metade do século XX, a desintegração da pretensão pós iluminista de uma racionalidade global e totalizante vinculado a um projeto de emancipação do homem, até então visto como medida de todas as coisas desde da ofuscação racional dos oitocentos. Tamanha ilusão antroprocêntrica deu lugar a uma pluralidade de micro racionalidades  não mais condicionadas a construção de um sujeito do conhecimento ou de um teleológico processo histórico.

O que é menos evidente é a experiência de nosso mais imediato presente. Há uma multiplicidade de tempos dentro do tempo, um indeterminismo e irreducionismo a qualquer tendência totalizante de analise discursiva. É como se a possibilidade de interpretação e construção de sentido ficasse em segundo plano diante do relato raso da simples experiência de existir, de acontecer. Triunfa na contemporaneidade a vertigem do inacabado, do provisório e da verdade do ilusório  na sensação  cada vez mais concreta do abismo como conclusão, do simulacro como realidade bruta do fundo da superfície .