sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A PALAVRA COMO HABITAT




Somos na modéstia de um dizer pequeno que re-apresenta o mundo através de um caco qualquer de realidade. Ele funda uma perspectiva, um modo de sentir e saber, que configura a existência como ethos, que define uma forma de vida, um dizível que dá forma ao invisível...

A palavra é nosso lugar de mundo. Através dela nos inventamos e reinventamos, sem nos dar plenamente conta do quanto a consciência é um ato de criação, não um reflexo do mundo como exterioridade, mas nossa própria lugar de ser em linguagem.

Em suma, habitamos palavras, desenraizados de nós mesmos.




quinta-feira, 21 de novembro de 2019

DIFERENÇA E DEVIR




A diferença transcende a ilusão da essência.
Ela expressa o plural, o impreciso e o dissonante
no movimento do diverso.

A diferença é o regime do inacabado
que estabelece o movimento da existência
como exercício de imanência e sentido
indiferente aos ritmos das permanências.

A diferença é o fluir das coisas
no quase ser da gente.

VERTIGEM PÓS MODERNA



É mais do que evidente a partir da segunda metade do século XX, a desintegração da pretensão pós iluminista de uma racionalidade global e totalizante vinculado a um projeto de emancipação do homem, até então visto como medida de todas as coisas desde da ofuscação racional dos oitocentos. Tamanha ilusão antroprocêntrica deu lugar a uma pluralidade de micro racionalidades  não mais condicionadas a construção de um sujeito do conhecimento ou de um teleológico processo histórico.

O que é menos evidente é a experiência de nosso mais imediato presente. Há uma multiplicidade de tempos dentro do tempo, um indeterminismo e irreducionismo a qualquer tendência totalizante de analise discursiva. É como se a possibilidade de interpretação e construção de sentido ficasse em segundo plano diante do relato raso da simples experiência de existir, de acontecer. Triunfa na contemporaneidade a vertigem do inacabado, do provisório e da verdade do ilusório  na sensação  cada vez mais concreta do abismo como conclusão, do simulacro como realidade bruta do fundo da superfície .

domingo, 17 de novembro de 2019

PALAVRA, CORPO E AMBIENTE

O corpo e a palavra,
Unidos através dos atos,
Inventam o possível e o imediato
Da minha presença 
Entre as coisas.

A Palavra é o corpo
Embriagado de sentido,
Vontade...

A palavra é o corpo comovido pelo exterior 
Que lhe abriga inventando a realidade.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

SOBRE O DIZER MAIS QUE VERDADEIRO



O dizer mais que verdadeiro não se destina a afirmação da verdade, de uma ilusória correspondência entre as palavras e as coias. Ele não inventa nomes, mas desenha conceitos como alegorias do sem nome das coisas concretas e vividas; mesmo reduzindo o sentido a alma das narrativas.

O dizer mais que  verdadeiro não tem sujeito. É anônimo e terapêutico na afirmação da existência como obra de arte.


O DIZER DO SILÊNCIO


Um silêncio  fala através  de mim
Todas as coisas da vida.
É  através  dele que existo
No ato e na palavra
Que me procura
E me torna visível 
Entre os outros. 

O silêncio me escuta
E me faz dizer.
Guardo dentro dele
Todos os pensamentos.

No silêncio  não  há interdição, 
Nenhum segredo.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

FILOSOFIA DO QUASE SER DA GENTE

Não  existe ser que não  seja um se fazer permanente na experiência de um mundo que nos inventa e ultrapassa.

Viver é  não  ter certeza de si mesmo,
É  ser conduzido pelas afetações ,
Pelas imagens e imaginações 
Que inventam pensamentos
Em um corpo que se faz entre corpos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

ALÉM DA VERDADE





A verdade não define a vida.
É a imaginação, a paixão,
e o sonho  
o que nos define como seres vivos.

Vivemos para as indeterminações,
as incertezas, inconstâncias,
e permanentes transformações
do pensamento e  da matéria.

Viver, para nós, 
é ser mais verdadeiro
do que a verdade
na arte de inventar-se
como  algo existente.


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O TRANSBORDAMENTO DO POSSÍVEL


Uma história que não seria aquela do que poderia haver de verdadeiro nos conhecimentos; mas uma análise dos ‘jogos de verdade’, dos jogos entre o verdadeiro e o falso, através dos quais o ser se constitui historicamente como experiência, isto é, como podendo e devendo ser pensado.”
Michel FOUCAULT
in História da Sexualidade vol. 2: O Uso dos Prazeres

A experiência de si é sempre a vivência dos limites do tempo presente. Pois esta condicionada a um dizível e a um visível, conformada a diversas formas de assujeitamento, de normalização da vida e do pensamento.

O “eu” através do qual escrevo, por  exemplo, é um componente do discurso que se confunde com os valores que condicionam qualquer enunciado,  estabelecendo os limites do possível do meu dizer.

O que me parece, portanto, desafiador e útil é buscar,  naquilo que permaneceu em estado virtual, que foi  objeto de interdição para viabilizar o possível, alguma sinalização de um outro futuro alternativo, de qualquer conteúdo rejeitado que ainda aguarda para nascer reinventando o presente. Estamos sempre grávidos de alguma palavra que foge as gramaticas vigentes, que se insinua como paixão, paradoxo e descontinuidade.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

UMA OUTRA INFÂNCIA





Existe uma infância que nos persegue.
Ela não é um tempo,
uma idade do corpo.
Mas um não lugar abstrato
onde acumulamos modos de sentir,
sensibilidades outras,
que nos deslocam do presente,
que nos conduzem ao sem tempo,
a irrazoabilidade de um devir-devaneio intenso.

Trata-se de uma infância carente de linguagem.
Nela domina a imagem e o afeto
na ambivalência do riso e do choro,
na instabilidade do ter e do perder.

Ela não pode ser educada,
domesticada ou superada.
Pois demarca um espaço de consciência
através do qual tudo escapa.

Esta infância é a inocência suprema
onde nada se sabe,
nada é dizível.
Nela se esconde
o radicalmente outro
de nós mesmos,
além do saber,
além do poder,
do cognoscível,
do agir e do ser.