quinta-feira, 23 de agosto de 2018

GRAFIA E SENTIDO



A grafia não é simplesmente deixar marcas em um suporte.

Também não se confunde com a simples transcrição fonética de uma fala.

Ela é a materialização do sentido. Mas o sentido transcende os signos e a grafia. Ele simplesmente não existe  e acontece além da significação das palavras. 

O sentido é o que faz da grafia um afeto traduzido em imagem.


CORPO E LINGUAGEM



O corpo reconstrói a fala....

A realidade polissêmica da minha presença física não se reduz a expressão do rosto. É o corpo transfigurando suas codificações orgânicas, sua concretude espacial e sensorial. Ele é um acontecimento que transborda em linguagem. Mas é, também,  antes de tudo, um exercício de diferenciação e o desenhar-se de uma singularidade. 

o corpo é o suporte de um eu cuja existência nos afoga como articulação complexa de diversos órgãos e processos. A totalidade fechada de razões escolásticas lhe escapa.  Ele reivindica autonomia. Reivindica-se como lugar de mundo, como movimento territoriarizado. O corpo diz muitas coisas através de seus silêncios e cala em seu vir a ser e  não ser.

Como ainda escrever? Cabe ao corpo responder reinventando-se como metalinguagem e movimento/signo vivo em meio as coisas.




A PALAVRA ABERTA


Não me conformo a qualquer identidade, 
não serei prisioneiro de qualquer verdade,
Pois sei que a liberdade é um radical exercício de imaginação.

Estou sempre em busca do outro,
De um território novo,
Onde a vida possa correr em todas as direções.

A palavra aberta dá forma aos meus silêncios,
Transcende significados na arte de saber as micro possibilidades de cada momento.

A palavra me inventa e transcende
Como signo e sangue.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

SOBRE DES-SUBJETIVAÇÃO



Ser assujeitado através das praticas discursivas correntes em uma dada ambientação cultural é o objetivo de qualquer processo educacional. Mas podemos nos conformar as identidades que nos são socialmente impostas através da educação ou, transcender as personas definidas por esta mesma ambientação cultural, através da construção de uma estética da existência.

Constituir uma estética é descobrir-se como singularidade, processo que  pressupõe estratégias de des-subjetivação, uma fuga do mimetismo social, um composição de nossas pluralidades mediante a composição de nossos afetos.

Des-subjetivar-se é conformar-se a uma imersão do eu no mundo através da intuição do caos. É entender a existência como arte fora de qualquer teleologia antropológica da natureza.

DESPERSONALIZAÇÃO



A imaterialidade da experiência forte da subjetividade é uma das segmentações estruturantes de nossa definição de real. Nos auto representamos como um ponto bem situado no plano da existência, como um eu que se conforma a determinadas experiências, afetos e convicções de uso diário e comuns.

A despersonalização imposta pela circulação de signos e símbolos coletivos é tão sutil em nosso meio social que tomamos como demasiadamente pessoal nosso conformismo as narrativas socialmente estabelecidas.

Assim, replicar uma determinada formula discursiva nos proporciona a ilusão de identidade, a imaterialidade de um plano existencial que habitamos e que nos habita como uma escolha afetiva. Mas no fundo são os discursos que se fazem acima de nossas cabeças extrapolando o falso jogo da representação.



terça-feira, 21 de agosto de 2018

AGENDA


Cartografar afetos e intensidades,
Inventar pensamentos em movimento,
Até que o corpo transborde
E os atos espalhem qualquer novidade
De vida intempestiva.

Ir além do aqui e agora,
Passeando em urgências,
Adivinhando curvas, dobras
E desvios,
Enquanto desfaço caminhos.

Preciso estar sempre longe da norma,
Dentro do riso
Experimentando a existência desterritoriarizada
Como intenso labirinto.



segunda-feira, 20 de agosto de 2018

PALAVRA VIDA


Nas palavras que me procuram
identifico imagens que me habitam.
Reconheço o que sinto,
O que me pensa,
No espelho dos versos,
E das frases.

Não há distância entre o dizer e o corpo,
Entre o escrito e o vivido.
Mesmo não existindo entre ambos
Qualquer correspondência.
Apenas simetria,
Uma irracional cumplicidade.

Nas palavras que me procuram
Enxergo as linhas que me prendem
No lado de dentro de algum discurso.




A ETOLOGIA DE ESPINOSA: UMA CIÊNCIA DAS AFETAÇÕES



Deleuze define a Ética de Espinosa como uma etologia, situando-a, assim, entre os estudos que definem os corpos, os animais ou os homens, pelos afetos que são capazes. Segundo ele, a etologia é, antes de tudo, um estudo de velocidades e lentidões, dos poderes de afetar e ser afetado que caracterizam cada coisa, através de suas relações com outras.
Parafraseando Deleuze, uma coisa existe em sua relação com o mundo: o interior é somente um exterior selecionado, o exterior, um interior projetado. Cada indivíduo é o resultado do entrelaçamento de ações e reações ou, simplesmente, afetações. Em outros termos, o plano da natureza é como o plano de uma composição musical, uma unidade superior imanente que se amplia em relações de velocidade e lentidão definidas pelo poder de afetar e ser afetado.

Para Deleuze, ser “espinosista” se define da seguinte maneira:

“....se somos espinosistas, não definiremos algo nem por sua forma, nem por seus órgãos e suas funções, nem como substância ou como sujeito. Tomando emprestados termos da Idade Média, ou então da geografia, nós o definiremos por longitude e latitude. Um corpo pode ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo sonoro, pode ser uma alma ou uma ideia, pode ser um corpus linguístico, pode ser um corpo social, uma coletividade. Entendemos por longitude de um corpo qualquer conjunto das relações de velocidade e de lentidão, de repouso e de movimento, entre partículas que o compõem desse ponto de vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos por latitude o conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é, os estados intensivos de uma força anônima ( força de existir, poder de  ser afetado). Estabelecemos assim a cartografia de um corpo. O conjunto das longitudes e das latitudes constitui a Natureza, o plano de imanência ou de consistência, sempre variável, e que não cessa de ser remanejado, composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas coletividades.” ( Gilles Deleuze. Espinosa: Filosofia prática. SP: Escuta, 2002, p. 132)

A vida é a coincidência do corpo e do mundo a partir de coordenadas que estabelecem sua segmentação em um plano de afetações e multiplicidades. É assim que se define sua cartografia. Estamos aqui lidando com uma filosofia  da não filosofia, com um pensamento que explora a inconsciência do próprio ato de pensar através do encontro entre o conceito e o afeto. O resultado deste encontro é movimento expansivo, é como uma música que se move  através de suas intensidades maiores e menores; é um movimento em latitudes e longitudes, velocidades e lentidões, num plano de imanência. A música se confunde aqui, portanto, com uma maneira de viver. Nos conjugamos com as coisas deslizando por entre, nos introduzindo no meio,  na imposição e improvisação de diversos ritmos. O desconhecido do corpo e o inconsciente do pensamento se conjugam nas afetações.

Cabe esclarecer que um corpo pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais a sua potencia diminui ou aumenta. Os afetos primários são a alegria e a tristeza. Deles derivam todos os outros. Os afetos são “bio políticos” e o corpo busca sempre aumentar a sua potência de agir através do desejo.  Quando as relações de movimento e repouso de dois corpos se compõem, os dois corpos formam um conjunto de potência superior estabelecendo noções comuns. A ideia de alguma coisa que nos convém, nos conduz a uma ideia mais adequada de nós mesmos. Noções comuns são essas ideias adequadas que permitem a composição entre corpos. A existência é, portanto, feita de encontros, é   composição e recomposição em uma hierarquia de encontros entre corpos. Isso é a vida! A potencia de existir é a potencia de afetar e ser  afetado. Resumindo tudo a uma única frase: Uma ciência dos afetos é uma ciência da vida.


sexta-feira, 17 de agosto de 2018

ESTRATÉGIAS DE SUBJETIVAÇÃO



O campo concreto da liberdade de ação define-se dentro de uma dada configuração cultural. Cada sociedade contem dispositivos de construção de subjetividade, pontos de interseção entre o cultivo da singularidade e a produção do universal.

O processo de subjetivação, ou individuação, move-se na fronteira entre o eu e os outros. A instabilidade lhe define sempre em rearranjos constantes. Não se trata de buscar uma meta, um ideal ontológico. Trata-se, ao contrário, de uma busca do atual, de um confronto sempre renovado com o tempo do agora, com o efêmero, através do qual fazemos sempre recuar de novo nossos próprios limites.  

MORAL X ÉTICA




O problema moral tem se confundido com a definição de valores e códigos de pensamento e conduta, com aquilo que podemos e não podemos fazer ou pensar em um determinado campo de relações sociais.

A moral é aquilo que nos faz distinguir o certo do errado conforme aquilo que parece justo a uma maioria dominante. Neste sentido é antes de tudo uma modalidade de conformismo. A ética, ao contrário, é tudo aquilo que tomamos como justo na interseção da norma coletiva e da critica individual. Ela nos conduz a autonomia, ao cultivo de nós mesmos como lugar de construção de pratica sociais  relativamente autônomas ou produzidas a partir de nossa experiência e não pela assimilação acrítica dos imperativos coletivistas. A ética é essencialmente empírica e dinâmica contra as inercias dos preceitos morais.