segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O QUE SOMOS NÓS? SOBRE FOUCUALT E A HERMENEUTICA DO PENSAMENTO




Uma passagem de Paul Vayne em Foucault: O Pensamento, A Pessoa, nos instiga a pensar as formações históricas e as práticas discursivas que circulam e configuram uma época e sociedade:

“ Em cada época, os contemporâneos encontram-se assim fechados em discursos como em aquários falsamente transparentes, ignoram quais são e até que existe um aquário. As falsas generalidades e os discursos variam através do tempo; mas, em cada época, passam por verdadeiros. De tal modo que a verdade é reduzida a dizer a verdade, a falar conforme o que se admite ser verdadeiro e que fará sorrir um século mais tarde.”

A originalidade da pesquisa foucaultiana está em trabalhar sobre a verdade no tempo sem, entretanto, cair em qualquer forma de relativismo. O sujeito do conhecimento não é soberano, já o sabemos desde Freud e Nietzsche, tal premissa inspira em Foucault uma hermenêutica das práticas discursivas ou estabelece o domínio de uma espécie de “inconsciente do saber” no além dos universais antropológicos.

O discurso se impõe como um a priori histórico configurado por dispositivos de saber/poder, estabelece um regime de verdade que define, em todos os níveis das praticas cotidianas, o verdadeiro e o falso, o possível e o impossível. A ontologia diferencial de nós próprios torna-se neste contexto, parafraseando Paul Vayne, uma exegese histórica de nossos limites, nos permite ousar pensar diferente, em vez de legitimar aquilo que já se sabe.

Trata-se aqui de pensar a atualidade da Filosofia como um trabalho critico do pensamento sobre si mesmo, como uma critica permanente da precariedade de nosso ser histórico.
Afinal, o que somos nós?



sexta-feira, 3 de agosto de 2018

NIETZSCHE E A FILOSOFIA DA VONTADE: UMA RELEITURA

“A filosofia da vontade, segundo Nietzsche, deve substituir a antiga metafísica: ela a destrói e a ultrapassa. Nietzsche acredita ter feito a primeira filosofia da vontade; todas as outras eram metafísica. Tal como a concebe, a filosofia da vontade tem dois princípios que formam a alegria da mensagem: querer = criar, vontade = alegria.”
Guilles Deleuze in Nietzsche e a Filosofia

A crítica contemporânea ao saber e seus territórios disciplinares é uma critica não apenas as relações institucionais de poder que ele engendra. É também uma recusa de suas técnicas do dizer/verdade ou, mais especificamente, da teoria da representação. É através dela que se estabelecem os assujeitamentos, a adequação dos indivíduos a práticas discursivas que materializam uma normatização da vida e configuração artificial da realidade, que nos são impostas meta narrativas que funcionam como um conjunto de forças, como um dispositivo. Atribuir sentido, interpretar signos e símbolos, desta forma,tem se confundido desde o Platonismo, com o esforço social de engendrar modos de vida e valores que nos conformam ao rebanho. O conhecimento é visto como o dizer verdadeiro e, por isso, ungido a condição de norma e arbitro de relações de poder ou de controle pelo seu valor de verdade, pela capacidade de organizar a sociedade, a partir do critério do verdadeiro e do falso.
Uma filosofia da vontade, tal como proposta por Nietzsche, destina-se, ao contrário, a criar vida, a elevar-se ao poder do falso, da arte, da criação de novos valores, que estabelecem o devir ativo como identidade criadora do poder e do querer que apontam para novas formas de vida.




PÓS HISTÓRIA


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O PROBLEMA DA SUBJETIVAÇÃO NA CONTEMPORÂNEIDADE




A obra tardia de Foucault inaugurou o horizonte de uma ontologia histórica quando nos dois últimos volumes de sua História da Sexualidade e ao longo dos seus últimos cursos no Colege de France, ocupou-se do modo como nos tornamos sujeitos através das praticas discursivas (saber) e de poder que constituem o cuidado de si na cultura ocidental.

Mas são as implicações contemporâneas de suas pesquisas que aqui me interessam. As estratégias de subjetivação estão condicionadas as formações históricas, a dispositivos historicamente construídos para produção de sentido em cada sociedade. Mas na contemporaneidade a subjetivação já não mais se confunde com o assujeitamento, com a constituição de  identidades. Subjetivação pressupõe hoje uma diferenciação ilimitada, aponta para desterritoriarizações, linhas de fuga e reterritoriarizações que passam pela vertigem do estranhamento, por uma diferenciação radical dos códigos sociais vigentes e a busca por novas “formas de vida” ou intuições de outra existência possível. Há na contemporaneidade novas potências condicionando a relação de cada um de nós consigo mesmo que apontam para uma condição de indeterminação. O que se perdeu foi a identidade entre sujeito e verdade permitindo a subjetivação instituir-se como um campo aberto de experiências e experimentações. 

Mas como podemos ser livres e praticar liberdade em uma sociedade onde aflora uma verdadeira anarquia simbólica, onde não há mais a referência de um sujeito soberano e unioversal? Como podemos ainda dizer o que é liberdade quando já não partimos mais da referencia moderna de um eu abstrato capaz de produzir o mundo a sua imagem e semelhança, como um espelho que configura sua auto imagem? Já não há jogos de verdade, qualquer enquadramento moral, que defina as práticas e técnicas de si. Há um sentimento de inquietação, uma compulsão a se expressar contra um mundo cada vez mais hostil e ilegível a consciência diferenciada. O que pode ser dito com alguma segurança é que o que estamos buscando em meio a tudo isso ainda não tem nome.... Talvez, passe por uma releitura do conceito de individuação desenvolvido por Jung e que pressupõe uma coincidência entre o sentido e o não sentido, entre o ser e o extra ser da experiência arquetípica. É a forma-homem que nos parece ultrapassada no sentimento de exterioridades, de um lado de fora.



quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O VAZIO DE NOSSAS PALAVRAS



A pragmática de nossas cotidianas práticas discursivas resume-se a tagarelice. Falamos demais; poluímos tudo com palavras, discursos. Estamos sempre explicando, representando, conceituando. O mundo é o discurso e não a experiência do corpo, corpo que ignoramos como fonte de imaginação das coisas. É sempre a partir da norma que definimos o real, o experimentável ou simplesmente o existente e o verdadeiro como, antes de tudo, um ato verbal. Desde o século XIX habitamos uma imagem demasiadamente empobrecida e desencantada das coisas. Tudo foi reduzido a normativa, suas empirias e utilitarismos, as afetações dos discursos e  disciplinas.


IMPROVISO DELEUZEANO



A exuberância das incertezas, dos desconfortos, da inadequação as cristalizações sedentárias e culturais, aos modelos, é o que nos lança sempre e cada vez mais ao desafio de novos valores e preceitos. O cultivo da veracidade, a vontade de verdade, já não nos assossega ou seduz. Queremos a vida plena na transvaloração dos valores. Buscamos a superfície dos acontecimentos, os efeitos incorporais da mistura dos corpos no limiar de um devir-linguagem, de uma desteritoriarização verdejante. A nervura do real é a dobra do lado de fora que constitui um dentro, que inventa esse vazio que é aquilo que somos. A consciência discursiva de um pensar reverso de toda a história da filosofia é o que nos resta contra o presente.

terça-feira, 31 de julho de 2018

A ARTE DE DECIFRAR



A arte de decifrar confunde-se com a experiência da interpretação. Assim, combina cumplicidade e imparcialidade na produção do sentido de um texto ou de uma realidade. Mas não se trata de um exercício de dedução no melhor ou pior uso do aparato caduco da tradição do pensamento. Trata-se de comprometimento, de pensar onde não somos, de adentrar labirintos. A compreensão de qualquer coisa é sempre interpretação e, portanto, pressupõe algo de falsificação, de reinvenção. Não é a verdade das coisas que alcançamos, mas sua simulação. Não é o sujeito fundante do Ser como pensamento que nos substitui no ato de decifrar. O enigma inventa a si mesmo e já contem sua própria resposta. Desta forma, o sentido possui sua soberania. Mas não remete a um significante ou a um significado, mas a um revelar-se como exterioridade interiorizada, como um fora que se torna dentro. Decifrar é movimento, é um estado e não um ato. Ele é o exercício de uma mobilidade labiríntica.


segunda-feira, 30 de julho de 2018

A VERDADE E A MENTIRA SEGUNDO NIETZSCHE



 Raramente nos damos conta do quanto o fundamento de qualquer verdade é sempre uma não verdade. O dizer verdadeiro é aquele que se inventa através de conceitos, este curioso artificio para dizer as coisas como elas devem ser na ignorância de suas diferenças. A sombra do Nietzsche de Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral, cabe dizer que tomamos a simbolização enunciativa do real como o próprio real, adivinhando, assim, uma ordem nas coisas.Nietzsche define a verdade neste breve texto de 1873 da seguinte maneira:

“O que é, pois, a verdade?
Um exercício móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas.”

A verdade é a obrigação de mentir socialmente através das convenções consolidadas, é também uma inconsciência das metáforas intuitivas originais. Assim, ela é essencial ao espírito gregário e a vida em rebanho. Afinal, a verdade tornou-se a principal lei da legislação da linguagem depois que o intelecto, este artificio essencial a sobrevivência  dos seres menos favorecidos, inventou a dissimulação como uma necessidade vital. Assim, através dele, a própria linguagem se converteu em um artificio, em dissimulação consagrando a ilusão do verdadeiro e do falso, uma arma, um mecanismo normativo e, portanto, de controle. 
Longe da soberba do homem racional e sua leviana história universal, vivemos melhor quando reinventamos nossos jogos de linguagem como exercícios metafóricos, quando através da intuição afirmamos a vida subjetivando a existência como obra de arte.  

sexta-feira, 27 de julho de 2018

NOTA SOBRE DELEUZE E O CINEMA


“O fato moderno é que já não acreditamos neste mundo. Nem mesmo nos acontecimentos que nos acontecem, o amor, a morte, como se nos dissessem respeito apenas pela metade. Não somos nós que fazemos cinema, é o mundo que nos aparece como um filme ruim.”
Gilles Deleuze in A Imagem Tempo (Cinema 2)

No modo como Deleuze fala sobre o cinema, tão influenciado pela filosofia de Bergson, o afeto não é um dado da percepção ou da representação. Mesmo eventualmente relacionado ao passional ou ao subjetivo, ele não se confunde com a ordem do pensamento. Ele é um outro tipo de informação que instiga a perceber e pensar de forma diferente daquela a qual estamos habituados, que parte da indiscernibilidade entre sujeito e objeto, entre pensamento e corpo,  estabelecendo o impensado de um pensamento afeto através de dois regimes de imagem: a Imagem-movimento e a Imagem-tempo. A própria matéria é um conjunto de imagens que nos afeta sem qualquer distinção entre o virtual e o real. Em poucas palavras, o cinema nos oferece a potência do falso... imagens que pensam.



A ESPIRAL DO CETICISMO


Sempre estou disposto a saltar sobre mim mesmo,
Sobre o tempo presente e a prisão dos fatos rasos.
Não para cair adiante,
Sobre a ilusão de futuros.
Mas para visitar passados desconhecidos
E vislumbrar ausências

Questionando tudo aquilo que nos tornamos.