quarta-feira, 9 de maio de 2018

FANTASMAGORIA E ESCRITA NÔMADE



Há algo que sempre permanece não pensado dentro do próprio pensamento. Algo que acontece como um lado de fora do significado e, entretanto, desenha a nervura do sentido. Trata-se de algo que ultrapassa a forma-homem, que a remove e apaga como campo de intencionalidades, como artificio estruturante de cognição, expressão e  comunicabilidade, eliminado toda causalidade que oprime a escrita, pondo em xeque, portanto, todos os códigos retóricos.

A literatura é o jogo de enunciados privilegiado para esta transcendência da dualidade entre significante e significado por intermédio da linguagem, que nela se volta sobre si mesma, quando foge as normativas do seu próprio campo discursivo. Assim, todo dizer se torna um dizer do que é dito que não se reporta a qualquer objeto. A qualquer norma ou ordem discursiva. Tudo se faz fragmento, simulacro e deserto no acontecer nômade e imaterial de uma narrativa.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

TEXTO, SENTIDO E MOVIMENTO

Existe uma veracidade em todo texto literário que não comunica uma verdade, mas a experiência de imagens e afetos. 
É o simulacro como um acontecer do sentido mediante um encadeamento de enunciados. 
A experiência de uma narrativa é seu próprio significado como avesso da realidade. 

O texto é um território através do qual  evadimos, transportamos a existência através da cartografia que é o texto. Ele não nos diz onde vamos, mas nos modifica, torna-se uma ambientação, um acolhimento. 

A leitura é isso: uma experiência de movimento que se dá através de inercias.

O DISCURSO E A MANUFATURA DA VERDADE


O DISCURSO E A MANUFATURA DA VERDADE


A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, como signo de alguma coisa, como elemento que deveria ser transparente, mas cuja opacidade importuna é preciso atravessar frequentemente para reencontrar, enfim, aí onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se trata de uma disciplina interpretativa: não busca um “outro” discurso mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”.

Michel Foucault in Arquelogia do Saber

O discurso é o conjunto de regras e praticas que permitem a construção das representações e codificações da realidade em um dado contexto sócio cultural. Como demonstrou Foucault em sua Arqueologia do Saber, o discurso é o que define o que pode e não pode ser dito sem ser, entretanto, uma copia do real, mas sua instrumentalização através de jogos de verdade que estabelecem relações de poder.

O discurso precede os sujeitos na produção de subjetividades. Jogos de verdade são jogos discursivos de poder. Eles são práticas que constroem objetos dentro de um regime de verdade, um conjunto de enunciados que integram a malha de poder.

Somos inventados pelas nossas praticas discursivas.  Quando alguém elabora um discurso, em seu trabalho de escrita reúne  um conjunto de vozes sociais, ideológicas e históricas distinguindo-se assim de si mesmo como indivíduo. A imposição de regras ao sujeito que fala impõe ao mesmo um papel pré definido na produção discursiva. Parafraseando Foucault, devemos evitar imaginar um mundo que nos apresenta uma face legível que apenas deveríamos decifrar.




sexta-feira, 4 de maio de 2018

SENTIDO E LINGUAGEM


Precisamos nos libertar do condicionamento da linguagem a um referencial antropológico. Ela não expressa o humano como algo dado. Nem mesmo se relaciona com ele. Seu propósito é criar sentido. Um sentido que nos transborda como ficção de um eu configurado por um corpo físico ou definido por intensionalidades articuladas por identidades, pela ingênua convicção do Ser e da Verdade como um valor absoluto e abstrato que engendra a experiência do mundo. 

A linguagem habita a si mesma e não o mundo. Ela é como um não lugar que define todos os lugares.

FILOSOFIA POP




A palavra viva que apresenta o corpo,
Que colhe olhares
E se mistura aos gestos,
As sutilezas da paisagem facial,
É mais intensa  do que qualquer palavra morta
Presa a tela morna do computador.

Afinal, vivemos tempos de falência da representação,
De niilismos gramaticais
E fluxos de instantaneidade de ultra presentismo.

É tempo de improviso,
De onipresença do efêmero
Como medida de todas as eternidades possíveis.

A discussão e a performance
É agora uma estratégia do pensamento
Onde o sentido se faz no acontecer naufrago do discurso.

A palavra finalmente é a vida.
Uma vida grega e antiga
Onde as praças se multiplicam e se desdobram.
O pensamento já não tem mais um lado de dentro,
E não se inventa como um lado de fora.

O DIZER POSSÍVEL



O que nos escapa é a alma das coisas.
Talvez ela não exista.
Ou seja apenas a presença,
O devir onde tudo é parte de um não ser,
De um tornar-se
Sempre renovado como virtual e incerto.
A realidade é feita de fugas e extravios
Que preenchemos com sentidos.
Mas quantos lapsos cabem em um enunciado?


quinta-feira, 3 de maio de 2018

POESIA E CONHECIMENTO


É fato que conhecimento não esta associado apenas à linguagem científica, mas a toda forma de saber, a todos os artifícios simbólicos que nos permitem codificar o mundo e a realidade através de alguma forma de linguagem. Desta forma, a poesia é um modo de conhecimento que, desde o Romantismo, passando pelo Dadaísmo e pelo  Surrealismo, nos faz refletir sobre os limites da representação que, desde de Platão, se impôs a cultura ocidental como sinônimo de conhecimento legitimo.

A verdade é para nós a referencia que define a legitimidade do conhecimento. A poesia, ao contrario, remete a um saber que se dobra sobre a linguagem, que encontra nela a vocação ao significado e não em qualquer suposta relação entre palavra e objeto. Dizer não é descrever, mas criar um plano imaterial de existência, um fora de si e do mundo da experiência que, entretanto, o fundamenta como vivência.   


quinta-feira, 26 de abril de 2018

FILOSOFIA E DEVIR



Filosofia é movimento,
Um estar entre as coisas,
Em sua multiplicidade e devir.
É como o se fazer de uma musica,
O refazer de uma frase perdida
Em um enunciado inacabado.


A materialidade de um conceito
É um acontecimento por vir.
É um espaço abstrato
Entre o território e a terra.
A vida é feita de multiplicidades,
De encontros e inacabamentos.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

TEATRUM PHILOSOPHICUM: FOUCAULT SOBRE DELEUZE


O teatrum Philosophicum é um ensaio realmente singular escrito por Foucaul em 1970 sobre a filosofia de Deleuze tendo por referência suas obras  Diferença e Repetição e  Logica do Sentido. Trata-se de uma arqueologia das descontinuidades no pensar contemporâneo a partir da noção de acontecimento, tão cara a Deleuze em sua leitura dos Estoicos. Nenhum comentário aqui possível substitui a leitura do texto. Ouso mesmo dizer que qualquer comentário possível não lhe seria digno e o melhor a fazer é recordar um de seus fragmentos como estratégia de releitura de sua radical critica ao princípio da representação  através de uma reversão do Platonismo, como alternativa ao neo positivismo, a filosofia da História Hegeliana, a fenomenologia e ao retorno ao Ser proposta por Heidegger:

“ A inteligência não corresponde  à tolice:  ela é a tolice já vencida, a arte categorial de evitar o erro.  O sábio é inteligente.  Mas é o pensamento que se confronta com a tolice, e é o filósofo que a olha.  Há muito tempo eles estão frente a frente,  seu olhar mergulhado nesse crânio sem chama. É sua caveira, a dele, sua tentação, seu desejo talvez, seu teatro catatônico.  No limite, pensar  seria contemplar  intensamente, bem de perto,  e até quase se perder,  a tolice; a lassidão, a imobilidade, uma grande fadiga,  um certo mutismo obstinado, a inércia, formam a outra face do pensamento- ou, antes  seu cortejo,  o exercício cotidiano e ingrato que o prepara e que, de súbito, ele dissipa. O filósofo deve ter bastante má vontade para não jogar corretamente o jogo da verdade e do erro: esse malquerer, que se realiza  no paradoxo, lhe permite escapar das categorias. Mas, por outro lado, ele deve ter bastante ‘mal humor’ para permanecer diante da tolice, para contemplá-la imóvel até a estupefação, para se aproximar dela e imitá-la, para deixa-la lentamente crescer em si ( talvez seja isso que se traduz educadamente:  estar absorvido em seus pensamentos), e esperar, no final jamais fixado dessa preparação cuidadosa, o impacto da diferença: a catatonia encena o teatro do pensamento, uma vez que o paradoxo perturbou o quadro da representação.”

Michel Foucault in Theatrum Philosophicum (1970)




VERDADE E SIMULACRO

O dizer da verdade é um falar tagarela que sempre se repete na medida em que se replica como variante do mesmo. É o tempo cronológico, o tempo de Cronos, deus que tudo devora em seu eterno retorno.

A verdade devora seus filhos para permanecer sempre a mesma em temporalidade, como aqui e agora do modelo, da ideia e sua cópia que recusa os simulacros.  

O simulacro, entretanto, é epidérmico, intensidade de superfície, que recusa a verdade como ilusão do efêmero.