quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

DUVIDA RADICAL

“Com efeito, em uma perspectiva estoica, é inútil querer juntar crença à objetividade, à radicalidade do acontecimento! A crença é um valor fraco. Coloco a hipótese de que , por detrás do sistema de crença  com os quais fabulamos um real e lhe damos um sentido, existe em todos ( e não se trata de uma questão de inteligência ou de consciência) um empirismo radical que faz com que, no fundo,  ninguém acredite nesta ideia de realidade. Cada um tem um limiar de radicalidade que lhe dá uma visão do mundo fora de suas ideologias e de suas crenças. Não se deve juntar ao desejo o pathos do desejo. Não se deve juntar à crença o pathos da crença. Não se deve juntar à esperança a esperança. Todos estes valores nos afastam do pensamento. Os estóicos sabiam disso. O importante é encontrar a distancia e o despojamento. Tentar varrer esta proliferação ideológica, subjetiva ou coletiva.”
Jean Baudillardm in O Paradoxista Indiferente: entrevistas com Philippe Petit. RJ: Editora Pazulin, 1999, p.48


Somos pensados por algum sistema de crenças que convertemos em gramatica da realidade. As ideias nos pensam...  Mas podemos duvidar de nossas convicções e tentar perceber a realidade sem filtros ideológicos. É para isso que serve a reflexão filosófica, esta estranha estratégia da consciência para questionar a si mesma e a tudo aquilo que tomamos como verdade. No fundo nenhum de nós encontra-se inteiramente adaptado ou convencido da realidade convencionalmente estabelecida.

Muitas vezes me surpreendo distante de minhas próprias certezas e vazio de mundo. Sou frequentemente acometido por uma duvida radical sobre o sentido das coisas e o valor de qualquer gramatica de mundo.


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A MISÉRIA DA NORMATIZAÇÃO



A normatização da conduta é inerente a qualquer sistema de crenças, seja fechado (dogmático) ou aberto (critico/relativista).  Quando aderimos a uma opinião ou visão de mundo assimilamos determinados padrões de comportamento. Perdemos espontaneidade e passamos a nos comportar de acordo com as expectativas estabelecidas por nossas próprias idealizações do que é ou não é conveniente.

Aderir a qualquer sistema de crenças ou visão de mundo é um ato relacional. Como tal é uma busca por inserção, aceitação e dialogo entre aqueles que reproduzem o mesmo discurso ou conduta. Abdicamos de nos mesmos para viver socialmente uma certeza que personifica um “nós” que nos supre. Trata-se, entretanto, de uma perda de autonomia individual frente ao coletivo.


A adesão a sistemas de crenças inibi a criatividade individual , visto que se baseia em opiniões pré moldadas  e estabelece as conclusões a  que cada um pode chegar. Onde impera a norma não há liberdade de pensamento. Por isso é sempre saudável desconfiar de nossas convicções .  

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

UM POUCO SOBRE A VIDA DOS ENUNCIADOS

O significado de determinado enunciado é tão importante quanto o contexto em que foi construído. Pois não basta a uma narrativa ser pertinente. É preciso que seja interessante às circunstancias e adequada a gramatica imperante em um dado momento. A verdade é um consenso e todo o conhecimento sujeito a ignorância e ao silencio que define qualquer positiva afirmação sobre as coisas. A ignorância sempre nos obrigará a prudência e a conveniência de adequar os rumos da retorica ao gosto dos ouvidos dos outros. É a única forma de não sermos ignorados.

Não importa quão pertinente seja um enunciado. Mais importante é que ele conquiste o publico ou desperte suficiente oposição para ganhar a atenção.  Escritos vivem de leitores e discursos de ouvintes. É sempre destinada ao outro a tarefa de por as ideias em movimento e nutri-las  de emoção até que despertem paixões ou morram de desnutrição.

Esqueçam toda aquela conversa metafisica sobre verdade e as referencias a autoridade dos clássicos. As ideias pensam através de nossas palavras e tentam  sempre a replicação sem limites. Ninguém tem controle sobre isso. Por isso alguns autores se espantam com a recepção de seus livros quando ultrapassados por eles.  Não há nada pior do que ser  tornar um prisioneiro de suas próprias palavras.

domingo, 25 de dezembro de 2016

SOBRE O INACABAMENTO COMO PREMISSA DE NOSSA CONDIÇÃO HUMANA

O inacabamento é a essência da finitude e o trágico destino da existência... Tal constatação me remete a uma passagem muito curiosa do medievalista  Paul Zumthor em seu último livro que , muito apropriadamente, permaneceu inacabado em seu leito de morte....

"Um amigo biólogo afirmava na minha presença que o estatuto do homem é o de um feto extra- uterino. Donde a fragilidade e a extensão da infância; donde a sua indeterminação psíquica e o fato de,  globalmente falando, se tratar de um ser inacabado. E isso é válido, continuava o amigo,  não só para o indivíduo, mas também para a espécie. Do ponto de vista biológico, haverá adultos? A cultura , ia eu pensando no meu íntimo,  ao mesmo tempo que participa deste caráter geral,  tira daí a sua necessidade, pois substitui no ser que nós somos,  a natureza cujo fundamento e limites não são fixos nem estáveis. Na perspectiva semântica, tal como na geométrica,  o sentido do ser- humano ( do facto de ser humano) não é dado. De que modo triunfar deste inacabamento ontológico, quando afinal ele se comunica, como uma infecção, a tudo que nossas mãos moldam, tudo o que nossa inteligência concebe?"

Paul Zumthor in Babel e o Inacabamento: Uma reflexão sobre o mito de Babel. Lisboa: Editora Bizancio, 1998;  p.220

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

SUPERANDO A DIALÉTICA

O mundo, em sua definição mais pragmática, não é um sinônimo de realidade, de objetividade, Ele personifica toda sorte de representação e fantasia que nos acontece no plano da percepção imediata dos fenômenos. Ele é uma constelação de fatos brutos ainda indomados pela interpretação.

Cada momento vivido,  em sua constelação de múltiplas ocorrências internas e externas, é imanência e iminência  de algo que não pode ser antecipado, previsto em suas diversas possibilidades, pois não possui qualquer racionalidade ou propósito.

Isso define a vida cotidiana em sua forma mais crua, em sua vertigem...

O particular despido de universalidade  contradiz a totalidade na coincidência dos opostos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

REALIDADE E CONHECIMENTO



Entre os fluxos de expressão e os fluxos de conteúdos, através dos signos codificamos a realidade em vários ritmos, modos de sensibilidade e estratégias narrativas. A consciência não é em si mesma, mas na forma como percebemos as coisas.

Tendemos a reduzir tudo a uma logica binaria, a um jogo de oposições onde a síntese ou a conclusão nos escapa. É como se o verdadeiro sentido nos escapasse na medida em que não somos capazes de produzir uma coincidência dos opostos, uma transcendência das categorias formais de nossas premissas epistemológicas. Dai a necessidade de subverter a linguagem, de ir além das próprias premissas do entendimento.

O entendimento esta condicionado a um agenciamento pelo próprio desejo de conhecer. Construímos uma relação afetiva com o conhecimento. Nos enamoramos dos objetos que inventamos e, como prova de amor, reduzimos a realidade a seus conteúdos. Tentamos a eles reduzir o fluir do pensamento, Como se ele não fosse instável e provisório em um delírio de interpretação do próprio real.



RESPOSTAS

Perdi muito tempo com respostas fáceis e cômodas,
Me distrai com muitos enganos
Antes de chegar à perplexidade
Como premissa de todo questionamento.

Nossos enganos produzem realidades
No agenciamento de nossos desejos
Mais ingênuos.
Pois o falso e o verdadeiro
Dizem a mesma certeza,
Não passam de uma mesma categoria de consciência.

Perdi muito tempo encontrando respostas
para as perguntas erradas.


INACABAMENTO

Como definir o infinito em uma linha de realidade?
A imaginação não tem limites,
Cria em anarquia as possibilidades do pensamento.
O futuro se desenha como projeto,
Como potencia que desafia o dado
Nas releituras do fato concreto.
Não existem conclusões definitivas.
Tudo que é humano existe sob o signo

Do inacabamento.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

NOTA SOBRE A TRANSCENDÊNCIA DO SOCIAL

A possibilidade de representação racional do mundo social no plano epistemológico  torna-se cada vez mais duvidosa. Afinal, o social já não dá mais conta de uma vida coletiva  cada vez mais plural e dinâmica, irredutível a racionalidade instrumental e funcionalista.  Estratégias  comunitárias de construção de identidades e vínculos deram lugar a codificações mais abstratas e fluidas. Nestas o comportamento coletivo é cada vez mais formatado pelo fluxo de imagens e estímulos produzidos pelas novas mídias. Decorre dai uma autonomia maior do individuo nas estratégias de construção de sua identidade e estabelecimento de vínculos societários. Ao mesmo tempo, dar-se no entanto um deslocamento do sujeito e dispersão da identidade. Não mais nos adequamos a nossas personas sociais, mas nos reinventamos constantemente em um exercício de adaptação ao fluxo de experiências efêmeras que compõe o mais imediato dia a dia. Um amalgama de discursos, praticas e usos da realidade estabelecem agora os protocolos da realidade onde nos inventamos como personas de nos mesmos no palco do coletivo. Assim, o próprio coletivo já não é um espaço orgânico racionalmente estruturado a partir de um consenso legitimador de determinadas praticas e representações sociais. Ele se apresenta, ao contrario, como um plano indeterminado onde todos nós co-habitamos dispersos entre signos e conjunturas culturais e simbólicas justapostas. Carecemos hoje em dia de um mapeamento cognitivo de nosso cenário vivencial, das representações de mundo que compartilhamos diariamente. Nenhuma visão de mundo é suficientemente abrangente para reduzir a realidade a uma totalidade dotada de sentido e teleologia. Entre o universo dos significados e o mundo material, agora se impõe o virtual, o ambíguo e o contraditório. O que nos redime de qualquer sentido intencional balizador de nossas ações ou reflexões.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O HORIZONTE DO ALÉM DO HUMANO

Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizestes para superá-lo?” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, p. 13

Aprendemos com Nietzsche sobre a impossibilidade da morte de deus sem a superação da forma homem. Este estranho campo de batalha entre apetites diversos que agora se desfaz vitima da violência de seu próprio devir.

Superar ideias fechadas, os conceitos-prisões que definem os humanismos e o orgulho das conquistas da civilização. O pensar racional e conformista é feito de enunciados abstratos que estabelecem a ilusão de domínio sobre a realidade. Tudo que é compreensível e explicável é domesticado. Reduzimos a complexidade dos fenômenos a formulas simples e, assim, tomamos por resolvido o problema que é o mundo. Triste ilusão. Pois nos escapa a própria vertigem e absurdo de nossa condição humana e apenas inventamos uma realidade antropomórfica.

Mas o que nos espera além de toda consciência legada pela civilização? Talvez a reinvenção do corpo e dos sentido sem o peso do pensar metafisico baseado na  verdade objetiva que nos divorcia da concretude de nossa existência  finita em nome da ideia, dos conceitos, do contra-natural. É preciso que nossa ideia de realidade seja de algum modo mortalmente abalada para que este animal malfeito que é homem seja finalmente transcendido.

Sabemos que o humanismo é um conceito recente e demasiadamente moderno e, portanto, perecível.