quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

FATO E MEMÓRIA

Observo os círculos que uma gota inventa na superfície serena do lago como se fosse o tempo acontecendo em torno do fato do meu nascimento.

O tempo é eterno retorno e esquecimento, enquanto experiência concreta da existência, não uma linha de fatos encadeados em direção ao nada como passamos a imagina-lo depois do seculo XVIII.

O tempo é a medida do inconsciente e se define na sucessão de gerações pelo esquecimento. A seletividade do que é lembrado não depende apenas do vestígio, mas da intensidade de nossas vivencias, de seu impacto passional, impessoal. É ele que define sua conversão a memoria e apropriação consciente como fato histórico.
O passado só é lembrado quando se torna uma presença que nos diz algo sobre o presente.


CORPO E SIGNIFICAÇÃO DO MUNDO


“A palavra não é desprovida de sentido, já que atrás dela existe uma operação categorial, mas ela não tem esse sentido, não o possui, é o pensamento que tem um sentido, e a palavra continua a ser um invólucro vazio (...), a linguagem é apenas um acompanhamento exterior do pensamento” 
(Merleau-Ponty, Fenomenologia da Percepção)


 A objetificação da realidade tornou-se o ponto fraco da modernidade ao estabelecer a ilusão dicotômica entre sujeito e objeto, ignorando a dimensão projetiva da consciência, a indeterminação das fronteiras entre o eu e o mundo. Mais do que isso, ignorou o corpo como lugar da significação das coisas e dimensão intuitiva e instintiva de toda representação do real.

Não existe intencionalidade desvinculada da dimensão irracional inerente ao próprio acontecer humano. Toda percepção do mundo é um estar no mundo e, portanto, experiência e subjetividade. O corpo que somos nós incarna o drama do mundo em nós através da consciência.

A autonomia da linguagem sobre a própria vida e sobre o próprio mundo, seu fechar sobre si mesma, define a ambiguidade do pensamento enquanto fato gramatical e experiência fenomenológica. Existe uma dimensão silenciosa da significação que esta sujeita ao arbítrio do inconsciente enquanto fonte de da própria consciência. O que é dito pressupõe sempre o não dito de nossas compulsões. O próprio conhecimento é um ato instintivo, uma compulsão que formata nossa adaptabilidade ao mundo vivido e experimentado.



quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

MEMÓRIA, HISTÓRIA E "PRESENTISMO"

Tal como o excesso de informação, o excesso de memória nos torna passivos e indolentes através da banalização, do divorcio entre vivificação e cultura, entre mundo e experiência. Já não somos capazes de verificar os rastros do passado dentro do nosso presente. Nem mesmo nos interessamos mais por nossa própria historicidade. Pelo menos do ponto de vista de uma história racional e teleologicamente orientada para o progresso da humanidade. Sob as ruínas da modernidade dilaceramos o mito da razão triunfante e abandonamos as velhas meta narrativas para brincar entre os cacos de seus enunciados.

Somos agora uma pluralidade de forças e tendências em perpetuo devir e a deriva em um tempo presente cada vez mais elástico.

DESCONSTRUINDO CERTEZAS

É preciso lutar contra a arrogância das convicções antes que elas destruam nossas incertezas. O despotismo da verdade é nosso maior inimigo e, ao mesmo tempo, nossa sede, nossa fome. Precisamos lutar também, muitas vezes, contra nós mesmos, contra nossa compulsão a verdade, nossa vocação doentia ao universal e contra a ilusão de que somos plenos senhores de todas as nossas decisões. O decantado  triunfo da razão foi apenas um equivoco triunfante. Não passamos de animais miseráveis, de voluntários prisioneiros nos castelos da boa consciência edificado sobre solidas ilusões. Resta apenas nos refugiar nos subterrâneos das contradições inegáveis para vivermos  algumas noites de danação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

ETERNO RETORNO

Chegará o dia em que não viveremos o passado como antigamente, como uma experiência linear, mas como eterno retorno, como um processo cíclico através do qual a experiência humana do mundo se reedita de modo cada vez mais complexo através das gerações biológicas. Mas no fim das contas é sempre o mesmo em diversificadas roupagens. As mudanças acontecem apenas para perpetuar o mesmo.

Assim, supera-se a ilusão de progresso, de um suposto aprimoramento do gênero humano em interpretações equivocadas do conceito de evolução. Afinal, em termos biológicos a evolução é praticamente um sinônimo de adaptação ao meio. Não pressupõe um juízo de valor qualitativo.


OS LIMITES DA VERDADE


Toda verdade é a realização de um valor e, portanto, personifica um sentido teleológico. O que determina o pensar não é a busca de uma verdade pura, mas a necessidade humana de estabelecer enunciados que tornem o mundo cada vez mais familiar ao próprio pensamento. Mas para tanto, precisa desmistificar a verdade e admitir que qualquer produto do pensamento esta fadado a parcialidade. O pensamento é quase um doer, não pode ser concluído, nunca é conclusivo, mas sempre parcial e inacabado. Muitas das formulações hoje correntes eram inconcebíveis a poucos séculos. O pensamento pressupõe a desconstrução da experiência concreta da realidade.


A VIDA DAS PALAVRAS

Ter uma convicção é replicar uma ideia,
Deixar que ela aconteça através de você
Como ato e palavra.
Talvez as ideias nos  pensem
No universo paralelo dos enunciados.

Ideias inventam o mundo sonhando a realidade,
Dizem quem somos .
Ideias movem pessoas

No suprassumo do idealismo oculto.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

NEO CONSERVADORISMO: A MUDANÇA COMO PERMANENCIA

Cada geração possui uma imagem própria de mundo e um modo próprio de tornar a realidade social previsível e familiar. Para tanto, nossas representações da realidade precisam de uma referencia retrospectiva ou histórica que nos permita definir a especificidade do tempo presente permeando o  cotidiano de significados e roteiros.

Entretanto, a naturalização até mesmo das novidades, tão decisiva em tempos de tecnologias digitais, é agora parte de nossa objetivização do mundo,  orientada cada vez mais por uma dilatação do tempo presente e  alegorização das representações do passado.


Assim, a historicidade já não é mais tão decisiva na construção de nossos referenciais ontológicos. Já não precisamos de identidades, de papeis sociais rígidos,  pois somos cada vez mais híbridos e multifacetados. Isso apenas  significa que a articulação entre permanência e mudança no imaginário contemporâneo vem redefinindo nossas sensibilidades cotidianas. Tendemos cada vez mais a imersão radical no tempo presente, desconsiderando  sua própria historicidade, seja no sentido de uma memoria social, seja no sentido de uma expectativa coletiva de futuro. O imediatismo é nossa filosofia de vida justamente porque tudo parece  mudar  o tempo todo e de modo tão dinâmico, que a própria mudança se tornou permanência, a mais evidente continuidade.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

VONTADE E LIBERDADE: A TRANSCENDÊNCIA DO OUTRO

Todo ato de liberdade é dialógico. Somos livres dos outros ou através dos outros. Nunca em relação exclusivamente a nos mesmos.  Por isso não vinculo a liberdade a um agir “responsável” medido por suas consequências, ou ainda  guiado pelos duvidosos preceitos de qualquer moral.

 As regras da liberdade pressupõe o conflito entre o eu e o outro e não a afirmação abstrata de valores ou princípios pretensamente universais. A liberdade é a vontade que se afirma com astúcia contra os imperativos dos fatos dados e das convenções.


A liberdade é um ato de criação e por isso se opõe a toda forma de conformismo. Não podemos  reduzi-la  a falácia da melhor escolha ou do comportamento ético como afirmam os conservadores. Ser livre é pertencer a si mesmo além do bem e do mal. O gozo é um ato privado e solitário. Por isso é livre aquele que na afirmação de si transcende o outro como premissa da afirmação positiva ou negativa de si mesmo.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A VIDA COTIDIANA E O DEVIR DA VIDA

O cotidiano e suas micro realidades, é onde a vida acontece no jogo entre continuidades e mutações constantes. Tudo é perene e provisório no se fazer diário de nossos consensos de mundo como representação e rotina.

O domínio do efêmero e do banal é onde a existência ganha ás cores vivas de realidade através do imediatismo da experiência subjetiva. É onde efetivamente existimos, onde as abstrações racionais fazem pouco sentido.

O que torna a existência significativa é justamente a concretude do imediato mais corriqueiro, o existir gratuito como fluxo de momentos aleatoriamente encadeados. Atualmente, o refluxo do pensamento coletivo e das esperanças no progresso da humanidade, levam a um interesse cada vez maior pelo simples senso comum, pelo desenvolvimento de uma consciência do imediato e pelo calculo pragmático de curto prazo como as melhores estratégias para a plena vivencia pessoal da realidade.

A historicidade, enquanto sentido teleológico dos acontecimentos, já não é nítida e muito menos confiável.  Não caminhamos para um mundo melhor. Os anos apenas passam... A vida é o aqui e agora onde vários estilos cognitivos definem  a invenção cotidiana da realidade em suas diversas instancias. Na privacidade da vida domestica não adotamos as mesmas estratégias que norteiam o convívio social, tanto quanto também é diferente daquele que adotamos quando confrontados com nós mesmos e nossa solidão. É como se fossemos varias personas superpostas  que formam , assim, o mosaico que é nossa personalidade, somadas sua dimensão consciente e inconsciente.