domingo, 15 de novembro de 2015

UMA MADRUGADA QUALQUER DEPOIS DA TRAGÉDIA

Era um pouco tarde para ficar pensando sobre as coisas. O mundo já extrapolava qualquer possibilidade de entendimento naquela madrugada chuvosa onde toda a minha existência cabia no vazio daquele quarto de hotel.

Tentava fazer planos para o dia seguinte. Mas a rotina tinha seu próprio roteiro e sabia mais do que eu sobre a minha vida.  Não havia muito  que planejar.Eu não tinha nenhuma chance. Sabia apenas que o mundo andava de mal a pior e coletivamente banalizávamos o caos. Já não havia muita realidade nos nossos tantos  absurdos cotidianos  que justificasse otimismos ou mobilizações.

Estávamos todos vazios de mundo e tentando manter a aparência de normalidade. Não passávamos de caricaturas de nós mesmos soterrados sobre toneladas de informações inúteis que desciam sobre nós através da internet. As pessoas estavam cheias de opiniões e embriagadas por conclusões.

Mas tudo que precisávamos era admitir a perplexidade, a impotência e o espanto. O mundo estava se tornando um lugar cada vez mais inseguro, incerto. Isso era tudo que deveríamos admitir.

Era muito cedo para ter respostas e soluções. Mas a maioria não aceitava amargar um pouco de caos e confusão. Precisavam ter as coisas sobre controle, mesmo que unicamente dentro de suas cabeças.


Eu, ao contrário, estava apenas cansado, desanimado e sem esperança.  Não via como poderia ser de outra forma. Eram tempos difíceis...

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O FUTURO DO SUPOSTO NARCISISMO PÓS MODERNO

Se a autonomia do indivíduo nas relações societárias contemporâneas se confunde com algum tipo de narcisismo, ele pressupõe antes de tudo a busca por experiências emocionais marcantes, que garantam auto estima e respondam ao vazio ontológico que atualmente define nossa subjetividade.
A racionalização da vida interior nos nivelou ao consumo, a exteriorização e  teatralização da interioridade, em uma realidade social que agora se confunde com o fluxo de imagens e informações.

Já não somos senhores de nossas identidades, nem nossas identidades nos definem. Elas acontecem através de nós, nos deslocam de todo possível enraizamento cultural e afetivo. Narciso revela-se agora como o mais novo anti herói trágico, representando o novo ethos, o andarilho de um deserto cultural que ainda chamamos de mundo.

Não existe mais  desenvolvimento pessoal possível na medida em que perdemos a noção de continuidade histórica, que nos voltamos contra  ao pertencimento ao mundo definido pelo acumulo de ruínas de gerações e gerações.  Tudo que temos hoje é um agora onde todas as épocas são niveladas a superficialidade da citação não identidária. O passado nunca foi tão distante de nós.

Mas esta ruptura de toda tradição também pode transcender o narcisismo, pode nos conduzir a individuação, tornando a instabilidade da consciência diferenciada que nos faz indivíduos psicológicos, um ato  de criação e reinvenção constante de nossas intimas codificações do real.

Nunca fomos tão livres para nos inventar no mundo sem o peso das tradições e, no entanto,  só sabemos perambular atônicos em meio as ruínas de todas as tradições. Não sofremos o peso do futuro, mas não sabemos o que fazer com o presente e não precisamos mais do passado como antigamente....


IMPULSO

Antes que o dia envelheça,
que não haja mais nada a ser dito,
quero semear no vento
toda a minha  vontade de voar,
acontecer sobre o sol a pino
e renascer em palavras
que não cabem na boca.
Quero gritar o silêncio
e amanhecer  de repente

no silêncio dos abismos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

NÃO SEI SE VALHO UMA AUTOBIOGRAFIA

A ideia de fazer anotações biográficas sempre me pareceu patética. Não porque não tinha alguma coisa a dizer sobre o meu cotidiano. Mas porque tudo aquilo que poderia ser dito não passava de um lugar comum de merda.

Como fazer anotações biográficas quando a gente sente que falta um pouco  de realidade nos afazeres banais do dia a dia?
Escrever sobre minhas  angustia, meus desconfortos, medos e frustrações ?

Redizer, talvez, A NAUSEA do Sartre?
Sinceramente, não vale a pena. Não quero ser mais um palhaço no teatro das letras.


O real desafio é deixar a vida viver, conseguir acontecer profundamente no raso da realidade até  perder o juízo e ter algo absurdo para decorar o papel com um mínimo de dignindade.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

RETRATO DE UM ARTISTA SEM ROSTO

Você pode viver varias vidas em algumas décadas e achar que sempre foi apenas este seu ego sujo e sem grandes objetivos. As pessoas, de modo geral, se definem pela mediocridade dos  genéricos propósitos impostos pela pauta social. Seja bem sucedido, faça viagens, farte-se de boa comida e tenha verdades limpas e decentes. Seja apenas o que esperam de você e isso definirá a segurança infantil tão cara ao seu pequeno ego.

Mas a cultura e a civilização avançam apenas quando temos por ai um bando de desajustados e perturbados buscando alguma coisa nova que não cabe no ego ou nas massas. Mesmo em tempos como o de hoje em que toda a novidade é enfadonha e tediante existem aqueles que se perdem na busca de coisas que ainda não tem nome nem lugar na realidade  coletivamente inventada dia após dia.

Eu poderia ficar por horas a fio escrevendo sobre isso. Mas o que quero dizer é simples e pode ser resumido em apenas uma frase:

O MUNDO É UM LIVRO ALUCINADO QUE VAI MUDANDO O TEXTO NA MEDIDA EM VOCÊ O LÊ ENQUANTO VAI VIVENDO.

Talvez porque o leitor do primeiro capítulo não seja  o mesmo do décimo, ou, quem sabe, o livro se faça através dos seus olhos, já que o ato de olhar pressupõe mutação e movimento e o texto, de um modo muito estranho, está dentro de você.
O livro pode ser apenas um espelho...

O grande problema é que nunca sabemos direito que livro é este que estamos lendo...



segunda-feira, 9 de novembro de 2015

MARCAS DE INFÂNCIA

As marcas indiscretas da minha infância
são visíveis sobre a pele, em cada gesto,
em cada riso e modo imperfeito ,
que ainda hoje define meu modo de saber o mundo.

Guardo dentro de mim os primeiros sentimentos,
os primeiros sonhos e imaginações,
os anos em que eu era menos  do que um garoto
e a vida acontecia leve como a visão de um céu estrelado.

Mesmo que o mundo siga agora quebrado,
que muitos já estejam mortos,
que eu não tenha lugar ou chão,

ainda sonho como um simples menino.

OS LIMITES DO PENSAMENTO

Não podemos reduzir a subjetividade ao ego psicológico. Somos complexos demais e o eu que pensa e se auto representa é apenas parte do nosso acontecer enquanto micro universo da condição humana.

A pergunta sobre o que significa uma individualidade psicológica não tem resposta fácil  e muito menos é um questionamento que possa ser feito sobre as bases mais lúcidas, considerando que o eu que pensa tende a reduzir a resposta a experiência de si mesmo.

O que aqui se coloca é a questão dos limites do próprio pensamento, o que é aquilo que podemos saber e não saber? Onde o pensamento se cala e a realidade deixa de ser inteligível  Quais as consequências disso?

Seria ingênuo tentar aqui responder a tais questões, pois, neste caso, aquilo que  não é dito é mais importante do que aquilo que foi escrito...

ENTRE OS NIILISTAS

Havia uma estranha distância entre o muito que eu queria e o pouco que esperava. Havia perdido o mau hábito de me levar por utopias e o bom senso de ser prudente com os fatos.

Reescrevia minhas ousadias e vontades em um silêncio explosivo que, de modo surpreendentemente discreto, desafiava todas as ordens e representações  do mundo.

Minha única arma era a aventura do pensamento e a descrença nos tantos lugares comuns e carcomidas certezas que ainda coletivamente nos sustentava qualquer ideal de vida.


Fui beber entre os niilistas que estavam serenamente sentados a beira do abismo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

PARA ALÉM DO HUMANISMO


A superação da forma-homem, a dissolução do “saber”, a superação do moderno cenário epistêmico, proposto por FOUCAULT, ainda é uma trama a ser resolvida em nossos contemporâneos tempos de meta realidade...

A superação do geral que nos  codifica  na ordem da infinitude é também é a consciência de que

“Antes do fim do século XVIII, o homem não existia. [...] É uma criatura muito recente, que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos de 200 anos”

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2002, 425

Assim sendo,

“Para despertar o pensamento de tal sono – tão profundo que ele o experimenta paradoxalmente como vigilância, de tal modo confunde a circularidade de um dogmatismo que se desdobra para encontrar em si mesmo seu próprio apoio com a agilidade e a inquietude de um pensamento radicalmente filosófico – para chamá-lo às suas mais matinais possibilidades, não há outro meio senão destruir, até seus fundamentos, o “quadrilátero” antropológico."

FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2002, P.472


PERSPECTIVAS INDIVIDUALISTAS

Espero Algum dia atingir, como indivíduo, uma espécie de estado de indiferença e relativa autonomia em relação ao mundo vivido. Falo da possibilidade de escapar das fantasias socialmente compartilhadas de realidade a partir de uma experiência estética de meus arranjos subjetivos e fantasias sobre a experiência dos meus dias.


É premissa de tal objetivo a constatação de que a vida, em estado bruto, é impermeável as significações e interpretações coletivas e nossas convenções de real. Atualmente, diante das transformações das sensibilidades e redefinições de nosso modo de estar no mundo através das tecnologias digitais, o indivíduo pode finalmente vislumbrar sua condição de singularidade como uma potencial extra territoriedade asocial, ou seja,  como um não lugar ontológico mediante a abstração da dimensão social da vida.