quarta-feira, 22 de julho de 2015

ESPECULAÇÕES ABSTRATAS SOBRE O FUTURO

Uma questão que considero hoje surpreendentemente relevante é a falência das representações arquetípicas do feminino e do masculino enquanto imagens da psique.

Pondero que nossas vivencias simbólicas partem de representações de mundo inspiradas em formatações arcaicas que pressupõem uma imagem geocêntrica de mundo que se encontram cada vez mais em descompasso com nossas representações contemporâneas da realidade. Refiro-me a associação entre a terra ou a lua ao feminino, tanto quanto do sol ou o raio ao masculino.

Em outras palavras, a ideia de um universo misterioso e complexo vem se justapondo as nossas configurações dualistas tradicionais de realidade inspiradas pela tradição mitologica. Mesmo que de modo ainda sutil, as imagens de um universo infinito que ultrapassa tudo aquilo que até hoje concebemos como realidade  na província de nosso planeta azul, atiça as imaginações mais aguçadas.

O que, afinal, ainda pode ser dito sobre a realidade quando nossas tradições e certezas mais arraigadas começam a ser desafiadas pela intuição do desconhecido? Seja o que for, talvez já não caiba mais no jogo dialético da complementação e tensão entre polaridades opostas.

Se é possível uma nova configuração simbólica de mundo, apenas o futuro pode nos dizer. Mas me parece razoável apostar que os binários tendem a perder força dando lugar a diversidade ao múltiplo e ao diverso que imploda definitivamente qualquer fantasia de um cosmos ordenado.

Evidentemente tudo que posso aqui dizer sobre o assunto não passa de precipitada especulação.

      

A ILUSÃO DA INTERIORIDADE

Dentro de mim
Guardo vários silêncios ,
Algumas angustias e sonhos.

Guardo onde não sei espaços,
Onde já não sou,
Em meus íntimos deslocamentos
E vazios improvisados.

Dentro de mim
Guardo ardentes lembranças

De um dia que nunca foi.

terça-feira, 21 de julho de 2015

HIPÓTESE


Entre o viver e o querer
Inventa-se um sonho,
Uma fantasia,
Na redescoberta da incerteza
Como princípio da realidade.

Em meio ao cotidiano delírio
De nossos dias banais
Abraçamos o impossível
Como precária meta
De simulacro e verdade.
E inventamos o improvável

Como uma hipótese...

quarta-feira, 15 de julho de 2015

POEMA DE QUASE SER

Busco o futuro à sombra dos dias mortos.
Quase não me vejo,
Quase não sinto.
Mas sou todas as coisas
Que neste instante definem
O micro cosmos do meu mundo.
Serei apenas uma miragem
De mim mesmo?
Talvez eu seja apenas
O sonho da minha sombra.
Nada importa...
De tanto ser
Não sou.
Guardei o sol dentro do bolso
E apaguei sem pudor
O brilho desta manhã.


sexta-feira, 10 de julho de 2015

MINEMOSYNE

Minemosyne conduz serena
O coro das musas
Que inflamam  o poeta
Entre o passado perdido
E o futuro que evoca.
Ela inventa a memória,
Os lugares da vida
Que seu irmão Cronos
Anula sem piedade.
Ela delira e sonha
Nosso perene delírio

De humanidade.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

FUJA DE TI MESMO




"O melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário."

MANOEL DE BARROS

Nunca fiz outra coisa na vida do que fugir de mim mesmo,
Me esconder sob justificativas
E proclamar o aleatório e o absurdo
Como regra suprema.
Percebia que as pessoas nunca coincidiam
Com suas auto definições,
Com seus discursos ou crenças.
Todas tinham suas contradições,
Seus pontos cegos
E nem percebiam.
Por isso optei por fugir de mim
E nunca ter que encarar
Minha própria sombra.


DESFEITO NO TEMPO

Procuro reunir os pedaços
De uma vida inteira
Tentando atualizar passados,
Reencontrar meu rosto
E dar realidade ao meu tempo mais pessoal.
Mas quem sou eu hoje
Entre meus desastres?
Quem ainda posso ser?
Talvez seja tarde.
E eu definitivamente tenha me perdido

De minhas imaginações.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

CONSIDERAÇÕES CÉTICAS

“A dialética nasce no terreno do agonismo. Quando o fundo religioso se afastou e o impulso cognoscitivo não precisa mais ser estimulado por um desafio do deus, quando uma desputa pelo conhecimento entre os homens não mais requer que estes sejam advinhos, eis que aparece um agonismo apenas humano.”

Giorgio  Colli in  O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

Estamos acostumados a acomodação com opiniões superficiais sobre tudo. Raramente nos damos o trabalho de tentar entender porque pensamos como pensamos e não de outra maneira. A soma de impressões e ideias que nos parecem afetivamente significativas muita vezes, aliais, encontram-se em desacordo com nossos atos.
Por tudo isso não é de fácil definição o problema das verdades diárias que nos orientam entre os outros através da vida coletiva. Raramente voltamos contra nós mesmos a arte do juízo. Estamos sempre  superficialmente convictos de alguma coisa.
Mas  as convicções humanas são frágeis, circunstanciais e tolas. Daqui a cem anos nossas mais caras convicções podem ser consideradas tolices infantis abandonadas por algum novo consenso de mundo.

Não vale a pena viver grandes verdades ou render-se a alguma fé ou “positividade” de um mundo inteligível e permeável a qualquer noção de ordem e sentido.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

ANOTAÇÃO SOBRE AS NOTAS DE SUSOLO

“Um romance precisa de um herói, e aqui foram reunidos intencionalmente todos os traços para  anti-herói,e, o que é mais importante, tudo isso vai produzir uma impressão muito desagradável, porque nós todos  nos desacostumamos  da vida, uns mais, outros menos, e nos desacostumamos  ao ponto de sentirmos às vezes uma certa repugnância pela verdadeira “vida-viva”, e por isso não podemos suportar que nos façam lembrar dela. Pois chegamos ao ponto de achar que a verdadeira “vida viva” é um trabalho,quase um emprego, e todos nó no intimo pensamos que nos livros é melhor. E porque às vezes ficamos inquietos, inventamos caprichos? E o que pedimos? Nós mesmos não sabemos. Nós mesmos nos sentiremos pior se nossos pedidos delirantes forem atendidos..”
DOSTOIÉVSKI in NOTAS DO SUBSOLO

A psicologia de Dostoiévski nos defronta com a decadência do indivíduo na modernidade e a própria morte da cultura. Talvez seja este o grande impasse que se apresenta ao “paradoxista” , o protagonista narrador de Notas do Subsolo. Sua angustia é a constatação da falência de um mundo onde nenhum indivíduo encontra seu lugar e  a sociedade nos impõe seus piores defeitos como regra e moral do existir coletivo.
É diante desta opacidade de um real que se decompõe que o paradoxista mergulha em si mesmo em atitude hostil a tudo aquilo que o cerca. A vida encontra-se danificada, mas as pessoas continuam vivendo ignorando o naufrágio da civilização.

Ainda somos contemporâneos deste dilema. Fato que sustenta a atualidade desta novela espetacular do ponto de vista narrativo e psicológico. Mas ela não nos oferece respostas ou soluções as questões que apresenta. Apenas nos faz consciente da desastrosa avalanche cultural que nos carrega tragicamente em direção ao abismo. 

O ANTI HERÓI E A LITERATURA MODERNA

Creio que  a grande imagem da literatura moderna do século XX tenha sido a do anti herói impotente diante  da dramática tragédia  que é a própria vida humana em suas vertigens e ausência de significados. Notas do Subsolo de Dostoievski talvez tenha sido a obra responsável pela constelação arrebatadora desta imagem no imaginário ocidental elevando a litertura a condição de extraterritoriedade do real.

Ainda hoje o anti herói encanta nossas imaginações e nos inspira na construção caótica de nossa individualidade que já não conta mais com o consolo de um existir linearmente definido e sustentado por falsas certezas coletivas sobre o progresso do bem comum e triunfo da razão instrumental.


Seguimos justamente na direção contrária. Despimos nossas vidas de  da alegria ingênua de migalhas de realizações pessoais e momentos de bem estar e prazer. Aprendemos vertigens e desconfortos, absurdos e vazios como as condições essenciais da miséria de nossa condição humana.