sexta-feira, 3 de julho de 2015

ANOTAÇÃO SOBRE AS NOTAS DE SUSOLO

“Um romance precisa de um herói, e aqui foram reunidos intencionalmente todos os traços para  anti-herói,e, o que é mais importante, tudo isso vai produzir uma impressão muito desagradável, porque nós todos  nos desacostumamos  da vida, uns mais, outros menos, e nos desacostumamos  ao ponto de sentirmos às vezes uma certa repugnância pela verdadeira “vida-viva”, e por isso não podemos suportar que nos façam lembrar dela. Pois chegamos ao ponto de achar que a verdadeira “vida viva” é um trabalho,quase um emprego, e todos nó no intimo pensamos que nos livros é melhor. E porque às vezes ficamos inquietos, inventamos caprichos? E o que pedimos? Nós mesmos não sabemos. Nós mesmos nos sentiremos pior se nossos pedidos delirantes forem atendidos..”
DOSTOIÉVSKI in NOTAS DO SUBSOLO

A psicologia de Dostoiévski nos defronta com a decadência do indivíduo na modernidade e a própria morte da cultura. Talvez seja este o grande impasse que se apresenta ao “paradoxista” , o protagonista narrador de Notas do Subsolo. Sua angustia é a constatação da falência de um mundo onde nenhum indivíduo encontra seu lugar e  a sociedade nos impõe seus piores defeitos como regra e moral do existir coletivo.
É diante desta opacidade de um real que se decompõe que o paradoxista mergulha em si mesmo em atitude hostil a tudo aquilo que o cerca. A vida encontra-se danificada, mas as pessoas continuam vivendo ignorando o naufrágio da civilização.

Ainda somos contemporâneos deste dilema. Fato que sustenta a atualidade desta novela espetacular do ponto de vista narrativo e psicológico. Mas ela não nos oferece respostas ou soluções as questões que apresenta. Apenas nos faz consciente da desastrosa avalanche cultural que nos carrega tragicamente em direção ao abismo. 

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